Não foi fácil ser neta do “avô do Cavaquismo”, até porque o meu avô, tutelando a pasta do Ensino Superior, também foi “avô” de uma das maiores polémicas no acesso ao ensino superior: a criação da Prova Geral de Acesso (pêgêá para os amigos).

Cavaco trespassa a minha infância e adolescência (o neto primogénito lixou-se com a pêgêá e eu fiquei conotada com a “geração rasca” do Vicente Jorge Silva, pelos jovens maganos que decidiram baixar as calças em São Bento, e mostrar os seus atributos traseiros às provas globais no ensino secundário) e, agora, na idade adulta e com as dores de crescimento, volta a aparecer-me: num inventário de uma herança, numa sentida nota de pesar e condolências do Estado Português pela morte do avô do Cavaquismo.

Estive escalada como jornalista do diário PÚBLICO na campanha das eleições presidenciais de 22 de Janeiro de 2006, que abriram a porta de Belém a Cavaco, e apresentaram um PS fracturado às eleições, com as candidaturas de Manuel Alegre e Mário Soares (onde é que já vimos isto?).

Garanti com orgulho e dedicação a segunda divisão da cobertura mediática desta campanha e, na grande noite eleitoral, relatei os miseráveis resultados obtidos pelo agora proscrito (mas eternamente genial) Garcia Pereira, que se ficou pelos 0,2 por cento, se não estou em erro.

Mas não é desse domingo que eu me lembro.

Sete dias depois de Cavaco ter sido eleito, nevou em Lisboa. Cinquenta anos depois do último relato, Lisboa cobriu-se de neve.

Não consigo reproduzir em palavras como o meu coração duplicou de tamanho quando o carro que ainda hoje conduzo, disparou um alarme pela quebra abrupta de temperatura e avisou, premonitório: “Perigo. Neve”. E depois começou a cair, branca e leve, como no poema, e cobriu tudo. Eu e a minha mãe aos pulos, abraçadas, meia hora de magia pura, a vê-la cair dos céus.

Para mim, Cavaco em Belém ficou sempre associado a neve em Lisboa numa manhã de Janeiro.

Não imagino que fenómeno climatérico extremo se segue, agora, dez anos depois, com a sua saída.

Diana Ralha é consultora de comunicação, mãe de quatro filhos, autora do blog A Familia Numerosa (e ‘trisneta’ do Cavaquismo)

Este texto faz parte dum conjunto de seis testemunhos pessoais de jornalistas que escolheram um momento definidor do que foi, para eles, o político Cavaco Silva. Leia também:

#1: As lições de uma ponte, por Pedro Rolo Duarte

#2: Era uma vez o Cavaco, por Márcio Candoso

#4: A primeira noite de Cavaco SIlva no ecrã, por Francisco Sena Santos

#5: Cavaco Silva em cinco actos, por Pedro Fonseca

#6: Um caso muito interessante, por José Couto Nogueira