É a dúvida da política internacional de 2020: no próximo dia 3 de novembro irá o presidente em exercício Donald J. Trump conseguir a reeleição para um segundo mandato à frente da maior economia mundial ou será Joseph R. Biden o 46.º hóspede da Casa Branca? As sondagens dão vantagem ao candidato democrata, mas aquilo que a realidade das últimas eleições nos ensinou é que valem o que valem. Especialmente nesta era digital em que muitas vezes não sabemos distinguir o que é realidade de ficção.

Ora, acontece neste sui generis 2020 que devido à pandemia milhões de pessoas pelo mundo fora passem mais tempo a escolher o que ver, nomeadamente nas plataformas de streaming que por sua vez têm uma oferta cada vez mais diversificadaMas, como os dias são cada vez mais curtos, o tempo escasseia e sobretudo há demasiadas opções por onde escolher, reunimos um conjunto de séries, vídeos e documentários que ajudam a perceber o que está em jogo para mais de 330 milhões de norte-americanos (e uns quantos milhões no mundo também).

Selecionámos quatro áreas (Processo Eleitoral, Eleições 2016/Conluio com a Rússia, Movimento Black Lives Matter e Economia) que consideramos que são temas em destaque nas eleições que se avizinham e aqui ficam as nossas sugestões - para consumir com ou sem pipocas.

Pelo princípio.

O Processo Eleitoral

Quem tem o sistema eleitoral português como referência poderá olhar para o americano e pensar “Quem é que pensou nisto?”. Nos EUA, não se trata apenas de contabilizar todos os votos e  dar a vitória a quem tenha mais. Aliás, a eleição de 2016 é precisamente um exemplo de como o candidato com mais votos acabou por não ser aquele que ganhou o direito a sentar-se na Sala Oval da Casa Branca. Existem também questões relacionadas com o acesso ao voto e a influência que grandes empresas podem ter neste processo, investindo nas campanhas dos políticos que melhor servem os seus objetivos.

1. “Resumido: O Poder do Voto” (Netflix)

  • O que é? Uma série documental produzida pela Vox em parceria com a Appian Way que é a produtora do ator Leonardo DiCaprio, ator que narra o primeiro episódio. Acompanhe em três episódios, três dinâmicas que podem ajudar a determinar o homem ou mulher que se senta na Sala Oval da Casa Branca: quem vota e quem ainda luta pelo direito a poder votar; quem pode influenciar o resultado final de uma eleição “comprando-a”​; e a forma como os votos são contabilizados e distribuídos entre Republicanos e Democratas. 
  • Porque é importante? No primeiro episódio aborda-se as restrições que existem para votar e o debate sobre se este é um direito ou um privilégio. No segundo, analisa-se como empresas se intrometem nas campanhas políticas. No terceiro, explica-se o método de contabilização do voto e estratégias que são utilizadas por ambos os partidos para terem vantagem no número de votos. Mas não são só problemas que são discutidos - as potenciais soluções ganham destaque no final de cada episódio.
  • Qual a relevância para as eleições de 2020: A campanha de Trump tem questionado, em mais do que uma ocasião, a veracidade dos resultados que resultarão depois das eleições de dia 3 de novembro. É uma posição que revela não só alguma insegurança do candidato republicano, como a fragilidade das instituições americanas que deviam assegurar todo o processo. É, por isso, fundamental compreender o seu funcionamento e o modo como podem ser melhoradas.

 Extras para se estiver com pouco tempo

Acompanhar este temas pode ser complicado, especialmente se só tiver aqueles 20-30 minutos da hora de almoço para relaxar um bocadinho. Também pensámos em si e em conteúdos que pudesse consumir mais rapidamente e de forma gratuita, ou seja, no YouTube, para ficar a par da decisão que os americanos terão de fazer até ao dia 3 de novembro.

2.  “Last Week Tonight” do John Oliver (YouTube)

 O comediante inglês, há muitos anos radicado nos EUA, já nos habituou no seu programa (exibido na HBO, com a histórias principais a serem publicadas no YouTube) a esmiuçar e satirizar temas que podiam ser olhados como menos interessantes à primeira vista. Ajuda que um dos seus mentores tenha sido Jon Stewart, que revolucionou o género de satirizar as notícias da atualizada em televisão com o seu “Daily Show”. Os seguintes episódios de “Last Week Tonight” são um bom resumo dos temas principais da eleição.

Eleições 2016 | Conluio com a Rússia

3. "The Comey Rule"

  • O que é? O protagonista é Jeff Daniels (“The Newsroom”), o livro original é do ex-Diretor do FBI James Comey e a mini-série é uma adaptação para o pequeno ecrã de Billy Ray (“Capitão Phillips” ou “Verdade ou Mentira”). Baseada no livro best-seller de Comey (“Lealdade a Toda a Prova Verdade, mentira e liderança. Revelações do ex-Diretor do FBI”) do New York Times e em mais de um ano de entrevistas adicionais com uma série de personalidades relevantes, esta é sobretudo uma série sobre bastidores em torno das eleições presidenciais de 2016. 
  • Porque é importante? Porque fomos bombardeados com muitas das notícias dos eventos dramatizados na série e somos até capazes de reconhecer nomes de alguns dos intervenientes da administração Trump. Nem que seja porque quando Donald Trump despediu James Comey em 9 de maio de 2017, o presidente desencadeou uma tempestade política — num turbilhão de demissões.

Por razões óbvias, esta é uma série de uma visão só — a de Comey. Mas não deixa ser um testemunho impressionante de duas personalidades que não podiam colidir de forma mais perene em todos os níveis ligados à ética. Ambos exigem lealdade: só que um a ele próprio e outro à nação.

Trata-se uma adaptação (do livro) claramente política. Tão política que Jeff Deniels, segundo contou ao New York Times, só aceitou o papel caso esta visse a luz do dia antes das eleições. Uma das razões poderá ser pelo facto de interpretar o “homem que fez com que Donald Trump fosse eleito”. Outra prende-se com o facto de pintar uma visão daquilo que o presidente poderá realmente ser e o caos que é a sua governação.

Os dois primeiros episódios indagam sobre a investigação à interferência da Rússia, a investigação do FBI aos e-mails de Hillary Clinton e o seu impacto na noite da eleição de 2016. O terceiro e quarto episódios dão conta do relato virtual do dia-a-dia da tempestuosa (e complicada) relação entre Comey e Trump. E de como este último tem alegadamente um terrific jeito para a decoração de interiores, mas acabou por escolher as mesmas cortinas para a Sala Oval que Bill Clinton.

Os quatro episódios estão disponíveis na HBO Portugal

4. “Agents of Chaos” — Os trolls anti-democracia

  • O que é? Ao contrário da série sobre Comey, que é uma adaptação dramática de uma autobiografia, este é um documentário real e revelador. E faz-se já um aviso à navegação: é longo. Apesar de estar dividido em duas partes, cada uma tem 2 horas de duração. É da autoria Alex Gibney. Quem? Em 2008, enquanto Daniel Day-Lewis ganhava mais uma estatueta por “Haverá Sangue”, o cineasta ganhava um Óscar ("Taxi to the dark side") pelo seu documentário sobre os métodos de interrogação (tortura) dos norte-americanos no Afeganistão.
  • Porque é importante? Tal como reza na sua sinopse, o filme mergulha “nos planos intrincados para debilitar a democracia”, alertando o público americano para aquilo que aconteceu em 2016: a interferência da Rússia nas eleições presidenciais americanas.

O The Guardian descreve o filme como sendo um “olhar chocante” sobre aquilo que realmente aconteceu no período eleitoral de 2016, sendo que a a série de duas partes da HBO confirma algumas das conclusões do relatório do Senado norte-americano. Uma delas passa pelos contactos coloridos, chamemos-lhe assim, entre a campanha de Trump, em particular do antigo gestor de campanha Paul Manafort, e "um quadro de indivíduos que aparentemente operam fora do governo russo, mas que não obstante implementam operações de influência dirigidas pelo Kremlin".

Alex Gibney, como relata o jornal britânico, conduz entrevistas na primeira pessoa aos principais atores. E escrutina como se semeou o caos primeiro na Ucrânia e depois na América; os motivos (lucro) que levaram Trump à Rússia; as fábricas de trolls que inundaram os Estados Unidos de propaganda falsa e que chegaram ao ponto de convocar duas manifestações (Movimentos Black Lives Matter e outras ligadas a Trump) para o mesmo local de modo a criar a divisão de fora para dentro. 

O conteúdo em si não é propriamente novo. Nos últimos quatro anos já ouvimos falar na maioria dos temas. No entanto, este é um mergulho completo. Uma apneia à injúria e à manipulação feita a partir de perfis falsos das redes sociais; perfis esses de vida própria já que apesar do verdadeiro ator estar na Rússia, o perfil que geria tinha amigos, trabalho e vida social. Tudo legitimado pelo número de seguidores e atividade na Internet.

Os serviços de informação norte-americanos alertaram recentemente que tanto Irão como a Rússia estão a tentar interferir nas eleições. Este documentário ajuda a perceber como tal é possível.

Em 2008, "Taxi to the dark side" parte de uma história de detenção, tortura e morte de um taxista afegão, Dilawar, pelas tropas norte-americanas no Afeganistão em 2002. A partir dessa história, Alex Gibney, narrador do documentário, denuncia as práticas de tortura da administração de George W. Bush nos interrogatórios aos suspeitos que foram detidos no Afeganistão e no Iraque.

Em 2020, Gibney (que também assinou o The Inventor: Out For Blood in Silicon Valley e explora as façanhas de como Elizabeth Holmes, da Theranos, se tornou na estrela maior do mundo das startups) faz o mesmo para a realidade de 2016. 

Os dois episódios estão disponíveis na HBO Portugal.

5. “Kill Chain”: The Cyber War on America’s Elections

O que é? O documentário segue Harri Hursti — célebre hacker finlandês tornado perito em cibersegurança e eleições — na investigação de vulnerabilidades dos sistemas de voto da América e os riscos alarmantes que constituem para a democracia.

Porque é importante? Porque se tem falado muito sobre fraude e votos de correspondência. Esta é a visão de como o sistema presencial, com máquinas computorizadas, está sujeito à interferência. Mesmo que se diga que está tudo seguro já que as máquinas não estão ligadas à Internet — Hursti demonstra que isto não só não é verdade como até diz que é possível comprar uma no ebay com os dados de 2016.

6. “After Truth: Desinformation and the cost of fake news”

O que é? O título diz tudo: documentário que debruça sobre as “notícias falsas” nos EUA e o impacto dessa desinformação, das teorias da conspiração e das notícias falsas sobre o cidadão comum.

Porque é importante? Porque abre com um político de Washington a responder à questão “o que acha das notícias falsas” da seguinte maneira: “Eu usá-las-ia como armas porque elas existem. Os alemães e ingleses usam armas químicas. Que havemos de fazer? Não quer dizer que gostes delas, só que tens de o fazer. Experimentei notícias falsas. Não me lembro, experimentámos coisas. Há consequências negativas terríveis. Mas é o que eu digo: e daí? Qual é o problema? Sempre deixamos que fossem as pessoas neste país [EUA] a julgar. Apesar dos perigos”, frisou. 

Isto é só primeiro minuto. O documentário tem 90.

Ambos podem ser vistos na HBO Portugal.

Black Lives Matter

É o grande movimento social e político dos EUA que ganhou um novo ímpeto depois dos assassinatos de George Floyd e Breonna Taylor às mãos da polícia. A quarentena obrigatória não demoveu milhões de americanos e de cidadãos um pouco por todo o mundo de demonstrarem o seu apoio à comunidade afro-americana e a sua insatisfação com um sistema e um status quo de um estado em que nascer branco ou nascer negro já determina à partida o nível de liberdade e potencial futuro que uma pessoa pode ter. Como é que os EUA chegaram a este ponto? 

7. “13.ª Emenda” de Ava Duvernay (YouTube) 

  • O que é? A 13º Emenda foi a lei que, após o fim da Guerra Civil Americana, em meados do século XIX, aboliu a escravatura e declarou que todos os americanos, independentemente da sua raça, tinham os mesmos direitos e que deveriam ser tratados de maneira igual na sociedade a que pertenciam.  
  • Porque é importante? Foi um momento marcante da história americana e mundial, contudo, esta lei continha uma cláusula que iria ser usada para que a discriminação persistisse em formatos diferentes. A cláusula dizia que os direitos presentes na “Emenda” não seriam dados ou seriam retirados a pessoas que tivessem sido punidas com um crime. Por isso, deixariam de ser merecedoras de viver com mesmo estatuto do que outras em sociedade.  
  • Qual a relevância para as eleições de 2020: O documentário, produzido por Ava DuVernay (“Selma”, “When They See Us”) e lançado em 2016 , acompanha a forma como este “pequeno senão” foi usado até aos dias de hoje para que a comunidade afro-americana continue a ser vítima de um “racismo sistémico” por parte de políticos e perante a justiça.

Desigualdade Económica

Os EUA são há muitas décadas considerados a nação mais rica do mundo (com a China a aproximar-se), e numa era em que a riqueza gerada pelo país cresceu significativamente, o mesmo não se verificou no dinheiro que acaba no bolso do cidadão médio americano. Nos últimos 40 anos, a desigualdade salarial entre CEOs/Executivos e empregados normais aumentou exponencialmente, num período em que a indústria americana e as grandes tecnológicas começaram a beneficiar de lóbis políticos para terem as regras feitas à sua maneira. O crescente descontentamento da população tem levado a que o capitalismo que rege a maior parte das nações ocidentais tenha sido colocado em causa. Será o sistema o culpado ou o restrito grupo de pessoas que o moldaram a seu gosto?

8.Saving Capitalism” (Netflix) 

  • O que é? Um documentário conduzido pelo ex-Secretário de Estado do Trabalho, Robert Reich, que fez parte da Administração Clinton (e seu amigo de longa data, reza a lenda que foi ele que apresentou Hillary a Bill) e que escreveu o livro que dá nome a este projeto. Nele, Reich analisa a evolução da promiscuidade entre o poder político e o poder corporativo, o impacto que isso teve (ou que não teve) na economia real americana e no que pode ser feito para reverter o sistema e transformar o capitalismo em algo que funcione para todos e não só para alguns. 
  • Porque é importante? Ajuda a centrar a discussão nos aspetos que interessam. Nas palavras de Reich, a América está a evoluir de uma disputa entre Democratas e Republicanos, para uma fação a favor do status quo e outra que é antissistema. Isto tem duas implicações importantes para o futuro: como fazer com que as pessoas ganhem confiança no Governo outra vez e como transformar um sistema visto como maléfico num que funcione para o bem comum. 
  • Qual a relevância para as eleições de 2020: Donald Trump ganhou as eleições apresentando-se como o candidato antissistema que faria o capitalismo funcionar de uma maneira justa para todos. Como se veio a confirmar, o atual Presidente fez tanto ou mais que os seus antecessores para privilegiar as corporações e os benefícios que podem ter. Portanto o que pode ser um candidato antissistema?