Alice tem dez anos e no Natal do ano passado começaram as queixas, cansaço, falta de energia e dificuldades a nível respiratório. Passado o Natal o pai levou-a ao médico, o diagnóstico foi quase imediato: uma leucemia. Agora, amigos e familiares juntaram-se para pedir ao país que vá doar sangue, para que Alice possa fazer um transplante.
Ao SAPO24 João, pai de Alice, explica que no hospital descobriram imediatamente que "um dos pulmões estava invadido de líquido, como se fosse uma reação alérgica do corpo que já sinalizava o início da leucemia. Fizeram-lhe uma punção no tórax para extrair líquido e nesse liquido descobriram células malignas". É, então, imediatamente encaminhada para o IPO do Porto, onde começou a fazer quimioterapia pelo protocolo standard europeu All Together.
João fala do tema com um conhecimento de quem está há demasiado tempo habituado a hospitais e linguagem médica, "fez esse tratamento sempre seguidinho até há duas ou três semanas quando se evidenciou um cenário de recaída. Ela voltou a adoecer. Fizeram um mielograma, que é uma análise à medula óssea, e a medula revelou que havia novamente uma invasão por células malignas. Está neste momento num protocolo diferente, dentro de uma linha de tratamento diferente que continua a ser o All Together, mas é o protocolo de recaída, que tem uma quimioterapia mais pesada e que culminará num transplante de medula".
Foi perante essa notícia que João decidiu que não ia estar parado. "Neste momento o estudo ainda não está finalizado. Já fizemos o estudo de compatibilidade, eu e a minha outra filha, e não há ainda resultados definitivos. O apelo que eu fiz é porque eu sei da necessidade de fazer o transplante de medula. Eu sei que estas coisas são raras, sei que eu não sou compatível, e que a minha outra filha tem 25% de probabilidade de ser. Ainda não tive nenhuma notícia positiva".
A transplantação de medula óssea é a única possibilidade que a Alice tem de ficar curada. O estudo a que João se refere é, segundo o site do Instituto Português do Sangue e da Transplantação (IPST), o procedimento comum. "A pesquisa de um dador compatível começa pelo estudo dos familiares do doente, mais concretamente pelos irmãos. A probabilidade de dois irmãos serem compatíveis é de 25%, o que significa que na maioria dos casos não há um dador familiar compatível."
João sabe que muitas vezes a resposta não está no seio da família. "Antes de esperar fosse o que fosse, falei no assunto a familiares e amigos e entretanto a campanha lançou-se através de pessoas próximas. O meu contributo foi dizer: sim senhor, concordo, façam, obrigado. E pouco mais que isso, agora só estou a partilhar." Ao longo da conversa, a racionalidade de João vai sempre sendo pontuada pela esperança na recuperação da filha, "portanto, não tenho uma confirmação de que não existe dador, ainda está tudo em aberto, a colheita que eu e a minha filha fizemos foi há duas semanas".
O que se procura agora com a campanha é o que o IPST se refere como "a ajuda de um dador voluntário poderá oferecer ao doente a possibilidade de obter cura para a sua doença. É nesse sentido que a colaboração de todos que o possam fazer pode permitir uma segunda hipótese de vida aos que dela necessitam."
A campanha para ajudar a Alice está lançada e, quem doar agora pode ajudar várias crianças e adultos pelo mundo inteiro, é que "na maioria dos casos não há um dador familiar compatível. No sentido de ultrapassar essa limitação foram criados em muitos países registos ou bancos de dadores voluntários de células para transplante, sendo que em Portugal esse registo é designado por CEDACE."
Neste momento a Alice está internada com uma infeção, João explica que a criança de dez anos é "muito perspicaz. Não vale a pena ocultar nada dela, as informações que eu tenho, dentro daquilo que eu entendo que ela entende, partilho-as todas. Dentro da capacidade de entendimento dela ela sabe da gravidade da situação, e sabe que estamos a fazer tudo para que seja possível curá-la".
Embora tenha o discurso limpo e escorreito, João não esconde que o momento é difícil. Tem-lhe valido o apoio dos amigos e da família. Em casa, a companheira que é quem lhe vai dando o apoio entre a casa e o hospital, que agora também chama de casa. A irmã mais nova de Alice "sabe que a mana está doente. Acompanhou o processo todo, mas isso para ela não quer dizer grande coisa. Brinca como qualquer outra criança. Até porque a Alice tem passado o tempo quase todo em casa, o tratamento até aqui tem sido feito em ambulatório. A mana é diferente porque não vai à escola como as outras crianças, porque tem tido aulas em casa, mas isso para ela passa-lhe ao lado". Já a filha da companheira de João, mais próxima da idade da Alice, percebe que a situação não é normal.
A reação da irmã mais nova confere à vida de Alice uma normalidade e a infantilidade que lhe tem faltado para ser criança em pleno. O pai partilha que "a Alice este ano letivo não teve nenhum contacto com a escola, no início do ano foi a algumas aulas, mas depois o agrupamento atribuiu uma professora ao domicílio então só participou um par de vezes online". Lembra que a última vez que Alice esteve com os seus "amiguinhos" foi na sua festa de aniversário em novembro. Acrescenta, com mágoa, que "estas relações mantêm-se em regime de proximidade, quando esta proximidade não existe os laços vão-se desvanecendo". Mas depressa alterna para a sua personalidade mais esperançosa, "a Alice no próximo ano vai para outra escola, porque a escola atual não tem esse ano, e vai ser um novo começo". O SAPO24 questiona o papel da escola ao longo deste processo, "a escola fez o que pode, mediante o nível de risco que a Alice teve ao longo do ano passado, mas acho que podia ter participado mais nas atividades letivas para ter um ambiente mais saudável".
O dador que agora procuram, e que João diz ter a certeza que vão conseguir encontrar, pode inscrever-se no Instituto Português do Sangue e apenas uma amostra de sangue é necessária para avaliar compatibilidades. "Graças a uma colaboração internacional entre todos os registos", partilha o ISPT no seu site, "é possível encontrar um dador compatível para cerca de 70% dos doentes, sobretudo se forem de raça branca dado que a maioria dos dadores dos registos tem essa origem. Para doentes de outras origens étnicas essa probabilidade é menor." Acrescentando que a percentagem de compatibilidades "subiu significativamente (em 1991 era 41%) depois do esforço que foi feito mundialmente no recrutamento de dadores". Portanto, agora o apelo é também a que haja um esforço numa maior diversidade no momento das doações.
No caso de ser compatível o dador será chamado, "no entanto, é preciso notar que nem todos os doentes para os quais foi identificado um dador idêntico chegam à fase do transplante". O processo de transplante está envolvido em mitos, mas é mais simples do que as ideias pré-concebidas. Na página online do IPST podem tirar-se algumas dúvidas, o SAPO24 selecionou alguns pontos:
- Requer geralmente anestesia geral e uma breve hospitalização
- Todos os procedimentos médicos que envolvem a doação são cobertos pelo subsistema de saúde do doente, bem como as viagens e outros custos não médicos.
- Os únicos custos que poderão vir a ser imputados ao dador são os referentes ao tempo que necessita despender no processo de doação.
- A medula é um tecido que se regenera rapidamente, pelo que é possível fazer mais do que uma dádiva.
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