Em entrevista à Lusa, a propósito da videoconferência informal dos ministros da Justiça e Assuntos Internos, integrada na presidência portuguesa do Conselho da União Europeia (UE) e agendada para quinta e sexta-feira, Vasco Malta frisou que “a OIM não advoga prioridades especiais para pessoas migrantes”, mas defende que os migrantes que são profissionais de saúde e trabalhadores e utentes de lares — critérios de prioridade de vacinação contra a covid-19 em Portugal — sejam vacinados em igualdade.

“A covid-19 não discrimina ninguém e, portanto, o plano de vacinação também não deverá discriminar ninguém, especialmente com base na nacionalidade”, repete.

Questionado sobre se há países da UE que estão a adotar planos de vacinação discriminatórios de pessoas migrantes, Vasco Malta respondeu: “Sabemos que sim.”

Sem concretizar, acrescentou apenas que, por isso, este “é um assunto que deve ser debatido” entre os líderes europeus.

“Em Portugal não está a acontecer”, frisou.

Portugal assumiu a presidência do Conselho da UE em 01 de janeiro, que durará todo o primeiro semestre de 2021.

Vasco Malta considera ainda que é preciso “fazer justiça” aos migrantes e reconhecer que, na União Europeia, “foram muitas vezes os migrantes, e em Portugal também, que estiveram na linha da frente do combate à pandemia”, como médicos, assistentes operacionais e enfermeiros, como trabalhadores em lares, como agentes de produção e fornecimento de alimentos, não interrompidos durante os confinamentos.

Já no dia 15 deste mês, quando dirigiu as suas recomendações à presidência portuguesa da UE, a OIM tinha sublinhando que os migrantes têm de ser incluídos nas estratégias de recuperação da crise pandémica.

“Isto significa, por exemplo, incluir os migrantes nas campanhas de vacinação europeias e nacionais contra a covid-19, para assegurar a saúde e a segurança de todos”, declarou o diretor-geral da OIM, o português António Vitorino.

Migrantes “vão ser peões essenciais” na revitalização económica

As pessoas migrantes “vão ser peões essenciais” na revitalização económica da União Europeia (UE) após a crise pandémica, assinala o chefe da Missão da Organização Internacional para as Migrações em Portugal.

Vasco Malta realça que, “sem os migrantes, a ‘bazuca’ europeia, o dinheiro que vai ser injetado nas economias, o objetivo de revitalizar as economias, não vai ocorrer, ou melhor, não vai ocorrer tão depressa quanto naqueles países que apostam nos migrantes”.

Nesse sentido, é preciso “contar com eles e começar a pôr o dedo na ferida e trazer para a discussão estes temas”, considera o responsável da OIM.

Além do mais, num momento em que tem de encetar uma recuperação económica, a UE está “a diminuir”, já que em 2019 morreu mais gente do que nasceu no seu território.

Ora, Portugal assumiu a presidência do Conselho da UE em 01 de janeiro e recebeu da anterior presidência alemã a difícil negociação de um novo Pacto sobre Migração e Asilo.

Na véspera da reunião informal dos ministros da Justiça e Assuntos Internos, Vasco Malta acredita que “pode haver avanços muito significativos” durante a presidência portuguesa, que durará todo o primeiro semestre de 2021.

Nas conversações que tem tido com representantes do Governo, para lhes transmitir as recomendações da OIM em matéria de migrações, notou “uma clara intenção por parte da presidência portuguesa em fechar o maior número de dossiês ligados a estas negociações”, mas reconhece que “é, de facto, um desafio bastante grande”.

Ninguém está totalmente satisfeito, mas também ninguém está “completamente contra” o novo pacto, o que pode ser “um bom sinal, um ponto de partida”, abrindo caminho à “negociação objetiva”, reflete o chefe da Missão da OIM em Portugal, no cargo há dois meses.

“Existe claramente um objetivo efetivo de dedicar parte da presidência portuguesa a este dossiê […]. Tem sido uma das prioridades apontadas”, relata, recordando que Portugal é conhecido por “conseguir agregar consensos”, mas sublinhando que a discussão ao vivo, impossibilitada pela pandemia, facilitaria o debate.

“É um longo caminho ainda pela frente. Era perfeito culminar a presidência com um acordo entre os diversos Estados-membros no âmbito do pacto, mas sabemos que é difícil e alguns pontos poderão necessitar de uma negociação mais intensa”, antecipa. “O ideal seria uma corrida de maratona que permitisse nestes seis meses alcançar a meta”, compara.

De qualquer forma, sublinha, o pacto já permitiu trazer o tema das migrações para “a ribalta da discussão política”, onde não estava desde 2015, data do último grande afluxo de migrantes e refugiados para a UE.

Sobre uma negociação ponto a ponto ou global do pacto, o importante é “não esquecer os princípios fundamentais” que estão na sua base, para “promover uma migração legal e segura”.

Em resumo, são eles: criação de vias legais e seguras de imigração, investimento na integração, parcerias sustentáveis com os países de trânsito e de origem de migrantes, reforço das vias complementares de migração (reinstalação, recolocação e reunificação familiar), digitalização de todos os procedimentos transfronteiriços, e impacto das alterações climáticas, que “vão ter repercussões dramáticas na mobilidade humana”.

A digitalização aplicada à gestão das fronteiras – destacou – revela-se de grande importância no contexto da pandemia. A médio e longo prazos, verificar-se-á “a retoma da mobilidade humana” e “a Europa digital tem de chegar à gestão de fronteiras”, adaptando-a à nova realidade, nomeadamente sanitária, até porque haverá sempre “diferenças de vacinação entre países”, sublinha.

Vasco Malta tem deixado claro, nos encontros com representantes do Governo português, que “a OIM está preparada para ajudar os diversos Estados-membros”, nomeadamente no que respeita à digitalização do processo transfronteiriço, à legislação sobre saúde, à melhoria da cooperação técnica-operacional da UE com África, aos mecanismos de retorno das pessoas aos países de origem ou de trânsito.

Recordando que uma cimeira UE-África está na agenda da presidência portuguesa, Vasco Malta lembrou que 80% das migrações em África ocorrem entre países africanos e não de África para a Europa, sendo “importante lançar os fundamentos para uma boa parceria UE-África, para aumentar a capacidade de gestão de fronteiras dos países africanos para impulsionar a prosperidade económica inter-regional em África”.

*Entrevista de Sofia Branco/ Agência Lusa