Numa noite fria, mas menos fria dos que as anteriores, com temperaturas à volta de 6º/7º graus Celsius, Marcelo Rebelo de Sousa andou, encasacado, com gravata, cachecol e boné a ver o que está o Governo e a câmara de Lisboa a fazer nestes dias para proteger os sem-abrigo.

Apesar do cenário, Marcelo tentou manter um discurso positivo, afirmando que a meta para erradicar o problema dos sem-abrigo em 2023, que o próprio definiu, continua válida, e “a ser trabalhada”, embora admita cenários mais recuados.

“Quando dizemos erradicar até 2023 significa reduzir o mais drasticamente possível”, afirmou.

Se junto ao Teatro Nacional D. Maria II Marcelo teve de dividir as atenções entre as “selfies” de quem passava, incluindo turistas incrédulos por andar ali o Presidente português, e os próprios sem-abrigo, quando chegou a Santa Apolónia o ambiente tornou-se mais pesado.



Nas arcadas do Museu Militar, um sem-abrigo perguntou, em voz alta, se alguém queria passar ali a noite, “para ver como era” e repetia que se só se lembravam deles no Natal. Os poucos que ali estavam, uns descansavam, outros ouviam música num rádio a pilhas roufenho, outros não queriam ser filmados pelos jornalistas que acompanhavam a visita presidencial.

Marcelo falava com uma mulher sentada no chão, com um discurso repetitivo e com uma garrafa de vinho ao lado, contando que é angolana e vivera na Suíça. Rebelo de Sousa ouvia e pedia a uma adjunta da Presidência para tomar notas e conversava com a secretária de Estado da Segurança Social, Cláudia Joaquim.

Dali, da estação de Santa Apolónia, o próprio Marcelo deu “ordem de marcha” para - "são cinco minutos a pé" – irem até aos viadutos onde dezenas de pessoas dormem dentro de tendas, barracas feitas de papelão, plástico e mantas – um cenário a fazer lembrar o Bronx, em Nova Iorque, imortalizado pelos filmes.

Debaixo da luz amarelada da iluminação pública, debaixo das mantas, veem-se pés de umas quantas pessoas a dormir. A uns metros, alguém grita, por várias vezes, que só se lembram deles nestas alturas, mas que eles vivem ali “365 dias por ano”.

Longe dos microfones e das câmaras dos jornalistas, o Presidente falou com um nepalês, recém-chegado a Portugal. Uns metros à frente, há uma barraca que chama a atenção por ter um cão de loiça junto à “porta”. Foi aí que Marcelo falou longamente com um homem, ladeado por toda a comitiva.

Passara já uma hora e meia desde o início da visita e o Presidente fez uma espécie de balanço.

O fenómeno sofreu alterações nos últimos dias relativamente à Baixa de Lisboa, onde, disse-o agora, esteve na noite de Natal, notou que não existem diferenças.

Marcelo admitiu que é difícil combater este fenómeno e que existem pessoas que, por diversos motivos, “porque tentaram e não conseguiram antes” ou porque estão “mais velhos”, não querem deixar a rua.

O próprio disse ser difícil saber qual o número, “entre os três mil e tal no país, entre os 300 a 400 em Lisboa, que não querem sair da rua”.

Da noite, o Chefe do Estado disse guardar na memória os problemas psicológicos de algumas pessoas, as dificuldades de um jovem conseguir emprego por causa dos dentes podres ou ainda o caso de um homem, a viver há quatro meses na rua e que tem um nível de formação “formidável”.

Já sem jornalistas, Marcelo foi ver núcleos de sem abrigo em Xabregas, debaixo da pala do pavilhão de Portugal na Expo e, por fim, à Gare do Oriente.