
Marina e Evgueni, que pediram para que os seus apelidos e o nome da localidade onde viviam não fossem publicados, perceberam durante a primeira noite da ofensiva que as explosões eram mais frequentes do que as que costumavam ouvir no local, perto da cidade de Korenevo, a cerca de 10 km da fronteira com a Ucrânia.
A família conta ao chegar a Moscovo quanto aos bombardeamentos que estremeceram o seu vilarejo, forçando-os a fugir precipitadamente da província russa fronteiriça de Kursk devido ao avanço do Exército ucraniano.
Já estavam acostumados a ouvir estrondos distantes desde o início da ofensiva russa em fevereiro de 2022, mas naquela noite a intensidade tornou-se insuportável, conta Marina, uma cabeleireira de 39 anos.
Os seus dois filhos, de 8 e 17 anos, "pediam para que fôssemos embora", lembra a mulher, com lágrimas nos olhos. O vilarejo ficou primeiro sem eletricidade e água e depois a rede telefónica foi cortada.
As explosões tornaram-se tão próximas que "era muito forte, a casa tremia e os drones voavam" pelo céu, diz Marina.
Apesar dos riscos, Evgueni decidiu levar a família até Kursk, capital da província homónima, "por alguns dias", pensava ele. Resignaram-se a deixar os animais de estimação — um cão e um gato — no local.
Partiram de carro em direção ao posto de gasolina para encher o tanque, mas ao ver a longa fila de carros na estrada e os lugares próximos sem habitantes, perceberam a magnitude do ataque.
A família conseguiu chegar a Kursk na manhã de 8 de agosto e foi acomodada num centro para refugiados. Os seus vizinhos não tiveram tanta sorte e foram feridos por um drone enquanto fugiam de carro. Outros encontraram minas na estrada. "E, acima de tudo, cadáveres, até ao volante dos seus veículos carbonizados" ou ao lado deles, conta a família.
Marina, Evgueni e os seus filhos trabalharam alguns dias em Kursk como voluntários distribuindo ajuda humanitária a outros deslocados. "Esperávamos que tudo acabasse logo", diz Marina.
Todavia, no domingo, restos de um míssil ucraniano caíram num prédio residencial em Kursk, ferindo 15 pessoas, de acordo com as autoridades.
A família decidiu então seguir viagem até Moscovo, onde era aguardada por amigos de infância. Agora, oito pessoas vivem num pequeno apartamento no norte da capital russa.
Marina e Evgueni tentam informar-se constantemente das últimas notícias que circulam nas redes sociais sobre o que tem acontecido na província de Kursk.
Meia hora antes de se encontrar com os jornalistas da AFP num centro de distribuição de ajuda humanitária do Patriarcado da Igreja Ortodoxa de Moscovo, Evgueni finalmente conseguiu contatar um vizinho que confirmou que o Exército ucraniano está a ocupar o vilarejo.
"Eles instalaram-se na casa do meu sogro, que tinha acabado de ser recuperada, perto do armazém, que já saquearam", lamenta.
Muitos vizinhos já não conseguem partir. "E isso cria um problema para as nossas tropas, que não podem atirar [contra as posições ucranianas] devido à presença de civis", explica.
"Francamente, a situação é complicada. Ninguém vai tirar [as forças ucranianas] num dia. Quanto mais tempo eles ficarem lá, mais difícil será tirá-los", comenta. "E para tirá-los, será necessário demolir e bombardear as nossas casas e não restará lugar para nós. Então, não nos resta mais nada", lamenta.
O vizinho conseguiu que o gato e o cão de Marina e Evgueni saíssem da casa da família, onde estavam trancados há vários dias.
"Agora terão que buscar alimento por conta própria nas ruas", diz com tristeza Evgueni, sugerindo um paralelo com a sua própria situação.
Comentários