"Não temos de estar alarmados, (...) é preciso é estarmos atentos. (...) Há uma fraquíssima possibilidade de ele [o vírus] se transmitir de uma pessoa para outra. (...) Não há grande probabilidade de chegar um vírus destes a Portugal".

A declaração é de Graça Freitas, Diretora-geral da Saúde, a 15 de janeiro de 2020. Pouco se sabia então sobre o vírus que aparecera na China, mas em apenas dois meses atravessou a Europa e estava agora em solo nacional.

Segunda-feira, 2 de março de 2020. A data ficará marcada para a história da covid-19 em Portugal como o dia em que a ministra da Saúde, Marta Temido, anunciou ao país que foram detetados os dois primeiros casos de pessoas infetadas com o novo coronavírus.

Hoje contabilizam-se mais de 800 mil casos confirmados e mais de 16 mil mortes. No gráfico abaixo pode ver o número comulativo de mortes, mas também de recuperados (723 465 até 2 de março) e as curvas dos internados e dos internados em cuidados intensivos. (Para melhor ler a informação, sugerimos que, num segundo momento, retire da equação os casos recuperados).

De regresso à cronologia: logo após o anúncio de Marta Temido sobre os primeiros casos detetados em Portugal, a TAP anuncia que vai cancelar mais de mil voos nos dois meses seguintes. Estávamos a 5 de março, ainda longe de antecipar por quanto tempo a companhia de bandeira nacional teria os aviões aterrados em 2020 — e o impacto disso na vida da empresa, dos seus trabalhadores e, claro, dos contribuintes.

Quatro dias depois começam a ser anunciados, em catadupa, os primeiros adiamentos e cancelamentos diversas iniciativas. São igualmente encerrados (ou condicionados) os acessos a uma série de serviços públicos; limitam-se as visitas a doentes hospitalizados e, pontualmente, escolas de norte a sul suspendem as aulas presenciais.

A pressão aumenta e a 12 de março toma-se aquela que terá sido a mais memorável e musculada medida da primeira vaga: o Governo decide que as escolas de todos os graus de ensino vão suspender as atividades presenciais, obrigando a que se fizesse uma transição para o digital ao tropeção. Faltavam computadores e internet, regressa a telescola e ficam as promessas de uma digitalização célere do ensino face aos imponderáveis do vírus.

A Conferência Episcopal Portuguesa suspendeu neste cenário as missas, catequeses e outros atos de culto. As restantes confissões religiosas seguiram-lhes o passo — e a fé passou para o reduto da casa de cada um.

A primeira vaga

16 de março, quinze dias depois do primeiro caso, a primeira morte. Coube a Marta Temido fazer o anúncio. Tratou-se de um homem de 80 anos, com varias patologias associadas.

Dois dias depois Marcelo Rebelo de Sousa decreta então o primeiro estado de emergência, que contempla o confinamento obrigatório e restrições à circulação na via pública. Muitos se seguiriam (à data de hoje, 2 de março de 2021, vamos no 12º).

O teletrabalho passa então a ser generalizado, mas muitas empresas já tinham avançado com a opção, quando possível, escusando assim correr riscos.

A 21 de março, já com o país em casa, surgem as primeiras notícias de infeções em lares, tornando-se uma constante a partir de então. Torna-se cada vez mais claro que este vírus é implacável com os mais velhos e, por isso mesmo, mais vulneráveis.

Em abril em 2020, impõe-se o primeiro "rigor pascal" — que ao que tudo indica repetiremos este ano. Estavam proibidas as deslocações para fora do concelho de residência e encerraram todos os aeroportos a voos de passageiros. O Governo anuncia também que vai propor um perdão parcial de penas para crimes menos graves e a agilização de indultos presidenciais. O objetivo era o de  evitar propagação do vírus nas cadeias. Seriam libertados até fins e abril 1.867 reclusos, numa medida que encontrou contestação em alguns setores.

Com o início de abril anunciar-se-iam também os apoios às famílias com filhos menores de 12 anos e ficávamos a saber que até ao 9.º ano todo o terceiro período iria continuar com ensino à distância. É então tempo de juntar às discussões mais operacionais — sobre como fazer o ensino online uma realidade para todos — as preocupações em torno do impacto do isolamento dos mais jovens. Pesam-se prós e contras, alerta-se para o aprofundar das desigualdades, lembra-se a quem esteja disponível para ouvir que escola não é só ensino e que para muitos será impossível recuperar as vivências e experiências perdidas. A discussão, que nunca se esgotou, voltará mais tarde, já em janeiro de 2021, quando a contragosto o Governo é obrigado — em plena terceira vaga — a voltar a encerrar os estabelecimentos de ensino.

Com o 25 de Abril surgem as primeiras discussões sobre como marcar momentos da vida pública em pandemia, sobretudo quando se pede ao país que fique fechado em casa. Naquele sábado, um parlamento mais reduzido no número de deputados e convidados fez um minuto de silêncio pelas vítimas da covid-19. Marcelo Rebelo de Sousa defendeu no hemiciclo que o 25 de Abril "é essencial e tinha de ser evocado", e António Costa lembrou que o estado de emergência não suspende a democracia.

A celebração da Revolução dos Cravos contrastou com as comemorações do Dia do Trabalhador e a polémica foi inevitável — com a CGTP a repudir "veementemente" a "campanha persecutória" daqueles que, diz, usaram a covid-19 "como justificação para a reintrodução do totalitarismo, de mordaças e do unanimismo".

A primavera trouxe também um calendário para o primeiro desconfinamento: a partir de 4 de maio, os serviços culturais começam a abrir, mas continua o teletrabalho, os transportes públicos circulam com menos pessoas e as máscaras são obrigatórias, os ajuntamentos de 10 pessoas são proibidos, mas abrem com condições os serviços públicos. Fica então para 18 de maio a abertura de restaurantes, cafés e creches, e o início das aulas presenciais no 11.º e 12.º ano.

Fora deste alívio ficam os grandes eventos: os festivais de música são proibidos e as tradicionais celebrações católicas em Fátima decorrem "à porta fechada".

Os números dizem então que o pior já passou, o bom tempo reforça a ideia e o Governo começa a incentivar os portugueses a voltar às ruas, para que frequentem lojas e restaurantes, porque se o país parece já não padecer tanto do vírus, começa a pagar o preço económico da cura. Assim, a 29 de maio, o Executivo de António Costa aprova a terceira fase do plano de desconfinamento (com restrições e regras especiais para a área de Lisboa, devido ao aumento de casos de covid-1).

A 1 de junho chega ao fim o dever cívico de recolhimento, os julgamentos voltam a ser presenciais a partir de 3 de junho, e a normalidade regressa aos restaurantes — desde que assegurem distância e usem acrílico entre clientes.

António Costa reconhece então que os custos económicos e sociais provocados pela covid-19 "são absolutamente brutais” e que todos os indicadores apontam para uma queda "recorde" do Produto Interno Bruto (PIB) e uma subida "exponencial" do desemprego.

E nem mesmo o futebol ajudou a atenuar as más notícias, com o recomeço  I Liga de Futebol, à porta fechada, com um jogo entre o Portimonense e o Gil Vicente.

A 9 de junho aprova-se então um o Orçamento Suplementar para 2020, que é entregue no mesmo dia no parlamento. A proposta reforça o orçamento do Serviço Nacional de Saúde e contempla um apoio à TAP. Nesse mesmo mês, o Governo aprova um prolongamento do 'lay-off' simplificado até final de julho e anuncia novos apoios às empresas até ao final do ano.

No mês seguinte, bares e discotecas são autorizados a funcionar com as regras aplicadas a cafés e pastelarias e as modalidades desportivas têm carta verde para serem retomadas, mas sem público.

Estávamos já a 3 de agosto de 2020 quando Portugal registou o primeiro dia sem vítimas mortais por covid-19 desde o início da pandemia. No mesmo dia, arranca a fase final da Liga dos Campeões, disputada em Lisboa, sem público.

No início de setembro, mais especificamente a 4 de setembro, — e fazendo ouvidos moucos à contestação — o PCP arranca a Festa do Avante, com a lotação máxima do recinto reduzida a um terço.

A segunda vaga

Cinco dias depois, sabemos hoje, Portugal começava a assistir àquilo que viria a confirmar-se como a segunda vaga da Covid-19 em Portugal. Nesse dia, 9 de setembro, o país registou o maior número de contágios diários desde 20 de abril, com 646 novos casos — o que as autoridades de saúde justificam com o aumento da mobilidade.

Ainda assim, o ano letivo arranca com o regresso das aulas presenciais e muitas regras. No entanto, logo a 18 de setembro, o primeiro-ministro convoca o gabinete de crise para uma reunião de urgência face ao aumento contínuo de novos casos de infeção.

O uso generalizado de máscara — cuja utilização no início da pandemia chegou mesmo a ser desaconselhada pelas autoridades de saúde — já é ponto assente, e a Direção-Geral da Saúde passa a recomendar o seu uso em espaços públicos movimentados.

A 10 de outubro, atinge-se o número máximo de infeções diárias alguma vez registado até à data 1.646 novos casos, mas o pico da segunda vaga estava ainda longe, tendo sido atingido a 19 de novembro de 2020, com 6994 casos de infeção em 24 horas e 69 óbitos.

A 13 de outubro a A Federação Portuguesa de Futebol revela que o capitão da seleção portuguesa, Cristiano Ronaldo, testou positivo e desde então os casos de jogadores de futebol, ou outros desportistas, infetados tornam-se habituais.

No dia seguinte voltam a apertar-se as regras: Portugal passa da situação de contingência para situação de calamidade, são proibidos ajuntamentos de mais de cinco pessoas na via pública, e eventos familiares (como casamentos) não podem ter mais de 50 pessoas. Ficam também proibidos os festejos académicos e António Costa anuncia que o Governo vai apresentar ao parlamento uma proposta para que seja obrigatório o uso de máscara na via pública (o que vem a efetivar-se a 28 de outubro) e a utilização da aplicação 'stayaway' covid.

Uma coisa é usar a app voluntariamente, outra é ser obrigado a isso, pelo que a polémica logo se instalou, obrigando o Executivo a recuar na intenção: a instalação e utilização da mesma era recomendada, mas nunca chegou a ser obrigatória.

Depressa nos habituamos então a dividir o país em concelhos de risco moderado (para regiões com menos de 240 casos por cada mil habitantes), elevado (240 a 280 casos por cada mil habitantes), muito elevado e extremamente elevado (mais de 480 casos por cada mil habitantes).

Até hoje, a região de Lisboa e Vale do Tejo e a região Norte foram aquelas em que se registaram mais casos de infeção (305.027 e 326.544, respetivamente) e também mais óbitos (6.864 e 5.225, respetivamente)

Com início de novembro chega o recolher obrigatório entre as 23:00 e as 05:00 nos dias de semana e a partir das 13:00 ao fim de semana nos municípios mais afetados pela pandemia.

Em pleno pico da segunda vaga, o Governo anuncia que a circulação entre concelhos está proibida nos fins de semana prolongados e impõe restrições no comércio e restauração.

Já em dezembro e em plena tendência de descida, é apresentado o plano de vacinação pelo seu primeiro coordenador: Francisco Ramos. À data definem-se que os grupos prioritários serão pessoas com mais de 50 anos com patologias associadas, residentes e trabalhadores em lares, e profissionais de saúde e de serviços essenciais. Numa primeira fase estima-se vacinar 950 mil pessoas.

A descida dos números, a esperança em torno das vacinas (a Agência Europeia do Medicamento aprova entretanto a utilização da vacina da Pfizer-BionNTech) e a aproximação das festividades inspira um alívio das restrições.

Anuncia-se então que a circulação entre concelhos será permitida entre 23 e 26 de dezembro, e que na véspera e no dia de Natal poderá circular-se na via pública até às 02:00. As celebrações de Ano Novo, porém, são totalmente cortadas. Marcelo pede "bom senso" aos portugueses.

Saberemos mais tarde que "o pacto de confiança com os portugueses não funcionou", como assumiu o Presidente e que a terceira vaga "nasce" do alívio natalino. Mas antes do desaire de janeiro, há notícias dignas de registo: o plano nacional de vacinação contra a covid-19 arranca no Hospital de São João, no Porto a 27 de dezembro.

A terceira vaga

Logo a 9 de janeiro, quando se começam a tornar mais claros os contornos do desafio que Portugal terá pela frente na terceira vaga, Marcelo Rebelo de Sousa assume publicamente que não vê alternativa a um confinamento geral.

A 13 de janeiro, António Costa anuncia então que as escolas se mantêm abertas, mas que o país regressa ao dever de recolhimento domiciliário em moldes idênticos aos de março e abril de 2020.

O sentimento é o de voltar à casa de partida, mas a adesão ao confinamento mostra-se reduzida — com as escolas abertas revelou-se difícil uma efetiva diminuição da mobilidade.

A 18 de janeiro, Portugal é o país do mundo com maior número de novos casos de infeção pelo novo coronavírus por milhão de habitantes, segundo alguns sites de estatísticas, e isso domina o noticiário nacional. O "milagre" português não funcionou.

O Governo anuncia então o encerramento das universidades seniores, centros de dia e de convívio, de novo a proibição de circular entre concelhos nos fins de semana, e o fim de vendas ao postigo na restauração. As escolas, porém, continuarão abertas.

A decisão de manter os estabelecimentos de ensino abertos não haveria de aguentar-se por muito mais tempo. Com a pressão a aumentar por parte da sociedade civil, o Governo anuncia o encerramento das escolas de todos os níveis de ensino por 15 dias, para tentar conter o crescimento da pandemia. Ao mesmo tempo, tribunais, as lojas do cidadão, creches e ateliers de tempos livres também voltam a encerrar. Paralelamente, a Conferência Episcopal Portugal volta a suspender as missas e outras atividades pastorais. As restantes confissões, como aconteceu antes, replicaram-no.

O maior susto da terceira vaga foi talvez a 27 de janeiro, quando o Hospital Amadora-Sintra é obrigado a transferir doentes para outros hospitais na sequência de problemas na rede de oxigénio medicinal. Antes, a atualidade informativa era dominada pelas imagens das dezenas de ambulâncias que se apinhavam nas urgências dos hospitais.

No dia 31 regista-se o dia mais negro da pandemia, com 303 mortes em apenas 24 horas.

O vírus infetou até hoje, 2 de março de 2021, mais mulheres que homens (440.899 vs 364.476). Mas matou mais homens que mulheres (8.569 vs 7.820).

Com a campanha de vacinação em curso, multiplicam-se os casos de vacinação indevida, culminando, a 3 de fevereiro, na demissão do coordenador da 'task force' para o plano de vacinação. Francisco Ramos é então substituído pelo vice-almirante Henrique Gouveia e Melo.

Só a 8 de fevereiro os números de mortes e de novos casos de infeções começam a baixar significativamente, e aos poucos começa a levantar-se o véu sobre o que poderá vir a ser o novo desconfinamento.

A 11 de fevereiro, porém, Marcelo põe água na fervura e avisa que não quer "sinais errados " para a Páscoa. Ao mesmo tempo, o primeiro-ministro anuncia que o nível de confinamento terá de ser mantido durante o mês de março — mensagem que viria a reiterar a 25 de fevereiro, após a renovação do atual estado de emergência.

Neste dia 2 de março de 2021, um ano depois da pandemia chegar a Portugal, registaram-se 691 novos casos de infeção e mais 38 óbitos.

Assim se resume um ano o combate à covid-19 transformou a vida dos portugueses num confinamento entre vagas. O vírus poderá não ir embora, avisam-nos os especialistas, urgindo a população (e quem os lidera) a encontrar formas de conviver com o SARS-CoV sem meter a vida em pausa. A vacinação terá um papel preponderante, mas não fará tudo.

No caso de Portugal o próximo capítulo desta história será conhecido a 11 de março, dia em que António Costa apresentará ao país o plano de desconfinamento. Sabemos que será gradual, sabemos que começará pelas escolas, mas também sabemos que o vírus já nos trocou as voltas muitas vezes.

* Com agências

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