“A palavra segurança é muito forte”, diz um homem, que pede a Milena que reescreva a legenda da credencial que vai estar ao peito dos que vão controlar o acesso à zona reservada da sede da candidatura. Pouco passa das 18:00 e no quartel-general de Rui Moreira, poucas pessoas se passeiam. O mais que há são jornalistas e o staff do independente.

O fim da tarde vem em forma de epílogo. O céu azul vestiu as nuvens, a cidade está com as suas cores. Mas como no Porto o céu nublado dá lugar ao céu nublado, a leitura dos cinzas do anoitecer não traz qualquer premonição.

Um punhado de apoiantes junta-se à porta do edifício que acolheu a sede da campanha, bem no centro da avenida dos Aliados, no coração do Porto. São umas poucas mulheres, com uma camisola de manga curta a mostrar o apoio ao presidente e içam nas mãos pequenas bandeiras azuis. Vão dizendo umas às outras aquilo que devem dizer quando o candidato finalmente chegar: “O Porto votou e o Moreira ganhou”, ou, numa variante, “O Porto confiou e o Moreira ganhou.”

O Jaguar preto acabaria por trazer Rui Moreira já depois das 20. Imediatamente engolido por jornalistas, pouco falou. Os apoiantes gritavam — e assim continuaram, mesmo depois de o candidato subir pelas escadas da zona fechada aos jornalistas.

créditos: ESTELA SILVA/LUSA

A noite das contas longas

Às 21:00 continentais, quando as urnas fecharam anos Açores e as televisões puderam lançar as projeções, o ambiente na sede de Rui Moreira conheceu um breve festejo. Foi entusiasmado, mas hesitante: os independentes ganhariam, sim, mas com que executivo?

O presidente do movimento de Rui Moreira foi o primeiro a reagir às projeções. Vinte e cinco minutos depois de conhecidas as sondagens à boca das urnas, Francisco Ramos e o diretor da campanha, Vasco Ribeiro, subiram ao palco, para celebrar uma vitória.

“É com especial e redobrada satisfação que estou aqui a apreciar os resultados das projeções que indicam que o doutor Rui Moreira uma vez mais venceu estas eleições”, disse Francisco Ramos, antes de ser interrompido pelos aplausos e gritos dos apoiantes na sala do que já foi um velhinho Finibanco.

Francisco só podia celebrar; afinal, Rui Moreira parecia já encaminhado para ser “novamente presidente da câmara municipal do Porto”. Agora, a candidatura apoiada pelo CDS-PP e pelo Iniciativa Liberal ficava “a aguardar tranquilamente os resultados finais”.

E aguardar foi mesmo a palavra de ordem — os números finais cairiam já depois das quatro da madrugada.

Houve problemas na contagem na freguesia de Lordelo do Ouro e Massarelos. Ninguém pôde confirmar se foram esses problemas que obrigaram à recontagem, empurrando a hora. Ainda antes de saber as contas finais, Rui Moreira apontava o dedo ao Terreiro do Paço — ao ministério da Administração Interna, cujo portal tardou na publicação dos resultados.

Sem certezas quanto a uma maioria, Rui Moreira só sabia uma coisa: “esta foi uma vitória muito clara.” Afinal, para o independente, as contas andariam entre os 41 e os 43%, muito longe do projetado para a segunda força política, o PS.

As contas oficiais, no entanto, ditar-lhe-iam o fado: a maioria absoluta conquistada em 2017 desapareceu. Com 40,72% dos votos na Invicta, Rui Moreira conseguiu apenas seis mandatos. O PS de Tiago Barbosa Ribeiro, com 18,02%, perdeu um mandato para o PSD de Vladimiro Feliz. Com 17,25% dos votos, o ex-vice de Rui Rio na autarquia do Porto conseguiu mais um vereador para o PSD do que Álvaro Almeida em 2017.

Com quase mil votos a mais que há quatro anos, a CDU (PCP e PEV) manteve o mandato de Ilda Figueiredo (7,51%); e Sérgio Aires torna-se no primeiro vereador do Bloco de Esquerda na cidade, ao conquistar 6,25% dos votos.

Em sexto lugar, surge o Chega, cuja candidatura no Porto foi protagonizada por António Fonseca. Nos últimos oito anos, o cabeça de lista do partido de André Ventura foi o presidente da União das Freguesias de Cedofeita, Ildefonso, Sé, Miragaia, Nicolau, Vitória (Centro Histórico), pelo movimento de Rui Moreira. Após perder a confiança política do independente em 2015, ainda se recandidatou (e ganhou) em 2017, ao lado de Moreira. Mas agora, percebeu que o homem que apoiou durante quase uma década "não tem perfil para o lugar que ocupa."

Após um convite pessoal de André Ventura, avançou para a candidatura pelo Chega a um gabinete no topo da avenida dos Aliados. Ficou longe — e ainda durante a noite, decidiu abandonar o partido a que se tinha juntado. “Face aos resultados, não faz sentido continuar”, escreveu na rede social Facebook. Segundo as contas do também presidente da Associação dos Bares da Zona Histórica, foram sessenta dias ligado a um partido que nunca teve resultados expressivos no Porto: nestas autárquicas, conseguiu apenas 2.964 dos 101.097 votos expressos na cidade. Mesmo na freguesia de que foi presidente durante dois mandatos, António Fonseca não foi além dos 403 votos). Ainda assim, o Chega elegeu um deputado municipal.

“Governaremos com a representatividade que nos derem”

Ainda sem a certeza de ter perdido a maioria absoluta, Rui Moreira deixou logo vários cenários em aberto. Em 2013, quando sucedeu a Rui Rio, juntou-se a Manuel Pizarro, do PS, para governar a autarquia. Agora, não põe de parte quaisquer cenários e passa a bola aos até aqui adversários.

“Nunca tive, durante estes oito anos, uma maioria. No primeiro mandato não tinha maioria no executivo e encontrou-se uma forma de governação —, nem tinha maioria na assembleia municipal. No segundo mandato, tivemos maioria no executivo; não tivemos na assembleia municipal. Não tivemos nesse tempo de fazer acordos — no último mandato, não fizemos nenhum acordo”, recordou no discurso de vitória.

“Nós governaremos com a representatividade que nos derem os eleitores. Independentemente daquilo que foi dito na campanha eleitoral, eu tenho a certeza de uma coisa: a pergunta agora é ao contrário, é perguntar aos outros partidos políticos, aos partidos políticos que estão representados na assembleia, se eles estão lá a bem dos portuenses, para apostarmos em projetos conjuntos, naturalmente sempre em diálogo, ou se estão lá para obstruir”, disse Rui Moreira.

Os jornalistas perguntaram-lhe, então, se Rui Moreira quer repetir o entendimento que teve com os socialistas, em 2013. “Podemos fazer muitas coisas: pode-se governar em minoria; como nós governamos em minoria durante a última fase de 2017 — estivemos seis meses, sensivelmente, a governar em minoria e conseguimos governar”, disse, sem pôr de lado entendimentos com partidos. “Estas coisas não dependem só de um.”

Sobre o parceiro ideal para o executivo, primeiro há que avaliar “se valerá a pena tentarmos governar sozinhos, ou se haverá condições para chegar a acordo com alguma das forças políticas”, explicou. “Não sei dizer. Aliás, acho que elas também não sabem.”

Questionado sobre se aceita o apoio de qualquer um dos partidos, esclareceu que sim: “os que aparentemente terão sido eleitos para a assembleia municipal, sim, não terei nenhum problema.”

A um vereador da maioria no executivo, Rui Moreira pode, na verdade, entender-se com qualquer um dos partidos que conseguiram mandatos, do PSD ao Bloco. Na assembleia municipal, um acordo com o PSD ou com o PS também estabilizam as contas.

Há que ter em conta, porém, que apesar de ser o PSD o partido mais próximo da área política de Rui Moreira, a relação com Rui Rio nunca foi famosa — e, em teoria, pode ser mais fácil um consenso com o PS ou uma combinação entre CDU, BE, PAN e Chega.

créditos: ESTELA SILVA/LUSA

Partido vencedor? O Porto.

“Os portuenses não desiludem — e esta noite, o partido que uma vez mais ganhou foi o Porto”, disse Rui Moreira, na abertura do discurso de vitória, já de madrugada. “E foi o Porto porque o Porto é e continuará a ser forte, independente, com caráter granítico, que nunca esquece o papel determinante que sempre assumiu na história de Portugal.”

Passava das duas da manhã. Os resultados teimavam em não chegar. Rui Moreira falou aos apoiantes e aos jornalistas depois de conversar com Tiago Barbosa Ribeiro e Vladimiro Feliz, os principais derrotados.

“Foi a vontade do Porto; e não obstante a enorme abstenção, saberemos interpretar a vontade dos portuenses, ouvindo e envolvendo todos os eleitos — aliás, como sempre fizemos.”

Independentes unidos contra o “taticismo carreirista” dos partidos

Não lhe chamemos partido, chamemos federação. Rui Moreira abriu a porta à união das vontades de quem não votou em partidos. Com mais de 274 mil votos em grupos de cidadãos eleitores — os chamados independentes —, o líder do movimento independente que governa a segunda cidade do país lançou a ideia: “devemos promover a federação dos milhares de cidadãos que hoje votaram por todo o país em candidatos independentes.”

No discurso de vitória, o reeleito presidente disse ter “plena convicção de que este projeto político independente que [tem] a honra de liderar, a par com as centenas de candidatos independentes de todo o país que hoje foram a votos, não pode continuar diluído e submetido ao o interesse e ao taticismo carreirista de muitos dirigentes partidários.”

“É por isso que julgo ser urgente, para o bem da democracia, que se quer esclarecida, que se promova a participação efetiva dos cidadãos e assegure a igualdade de voto, que devemos promover a federação dos milhares de cidadãos que hoje votaram por todo o país em candidatos independentes.”

Note-se, porém, que a aversão de Rui Moreira aos partidos é limitada. Tem no executivo pessoas de outros partidos. E mesmo esta candidatura foi apoiada por vários partidos.

Um Selminho na sala

O caso Selminho foi provavelmente o não-tema mais falado nestas autárquicas no Porto. Rui Moreira está envolvido num processo judicial, com julgamento marcado para novembro, que tenta perceber se o autarca terá ou não favorecido uma empresa da família. Caso seja considerado culpado, perde o mandato que acabou de ganhar — e é substituído por Filipe Araújo, o vice que durante toda a tarde e noite ora andava na rua, ora andava pelo edifício.

Para Rui Moreira, “ao contrário daquilo que acontece com algumas pessoas”, os eleitores do Porto confiaram nele. E nem foi por falta de aviso, disse, já que souberam exatamente o que estava em causa, “porque vocês [imprensa] me fizeram o favor de explicar a situação vezes sem conta”, e, “ao contrário do que alguns disseram, foi completamente tema de campanha.”

créditos: ESTELA SILVA/LUSA

Contas à moda do Porto

Rui Moreira tinha como objetivo ganhar as seis juntas a que apresentou candidato. Ganhou cinco. Não conseguiu tirar Paranhos ao PSD. Campanhã, mantém-se socialista, tal como era vontade do presidente da câmara, que não apresentou nomes para a freguesia mais oriental do Porto, apoiando Ernesto Santos.

As outras vitórias relevantes de Moreira nas freguesias são Tiago Mayan Gonçalves, membro do Iniciativa Liberal que ganhou a União de Freguesias de Aldoar, Foz do Douro e Nevogilde. E Nuno Cruz, no Centro Histórico, conhecido como “o guerreiro do Norte” e pugilista que inspirou o filme “São Jorge”, de Marco Martins, ganhou, não sendo beliscado pelas notícias que deram conta da relação que mantém desde 2018 com a autarquia liderada por Rui Moreira que lhe adjudicou serviços no valor de 98 mil euros.

No deve e haver, Rui Moreira sai destas eleições mais fragilizado. Depois de partir para este mandato sem querer fazer grandes promessas, nos próximos quatro anos o objetivo é concluir o que ficou por fazer — as obras do Bolhão, do Terminal Intermodal e do Matadouro, estas últimas em Campanhã, são talvez os mais evidentes compromissos inacabados.

Resta saber se, do lado de lá do caso Selminho, este mandato será de encerramento ou de preparação de um qualquer futuro. O certo é que o Porto votou, mas Rui Moreira nem tudo ganhou.