Temida e venerada, os devotos da Santa Muerte estão a multiplicar-se nas vizinhas Guayaquil e Durán (sudoeste), controladas por poderosas máfias com tentáculos no México e na Colômbia.

Nesta área portuária estratégica para a saída de cocaína, as forças de segurança estimam ter encontrado altares à Santa Muerte em seis de cada dez operações anticrime em 2024.

Numa recente em Durán, a figura apareceu imponente mais uma vez: esquelética, com um manto preto, uma foice afiada e cercada de oferendas como dinheiro, tabaco, licor, pequenas caveiras, corujas e imagens de Jesús Malverde, o santo padroeiro dos traficantes de drogas.

Os narcotraficantes e sicários "rezam para não serem apanhados e para serem invencíveis", disse à AFP o coronel Roberto Santamaria, chefe de polícia da zona industrial de Durán, onde vivem cerca de 300 mil pessoas.

De acordo com o oficial, o culto à Santa Muerte entre os traficantes de drogas equatorianos surgiu há seis anos, quando o cartel mexicano de Sinaloa treinou a organização Los Choneros, uma das 22 máfias locais.

Mas estes altares já estavam presentes em San Roque, um bairro conturbado e popular no centro histórico de Quito, há uma década.

Desde que chegou ao poder em 2023, o presidente Daniel Noboa lançou uma dura ofensiva contra o crime em lugares como Durán, conhecida como a atual capital do crime no Equador. As suas ruas são patrulhadas por militares e policiais, alguns dos quais usam máscaras que se assemelham a caveiras.

Sacrifícios humanos

O culto à Santa Muerte remonta ao século XVIII, quando indígenas adoravam um esqueleto na região central do México. O costume espalhou-se pela América Central e por outros países do continente, às vezes sob o estigma do narcotráfico.

A "irmã branca" encontrou terreno fértil nos bairros pobres de Durán, onde a taxa de homicídios foi de 160 por 100.000 habitantes em 2024.

Os narcotraficantes consideram-na um escudo e oferecem mortes antes de cometerem os seus crimes, de acordo com um homem de 28 anos que esteve no meio de gangues no passado e pediu para não ser identificado.

"Sacrificavam crianças, que roubavam de outras cidades, em frente da Santa quando queriam fazer um grande sucesso", conta o homem que atualmente trabalha num programa de reabilitação para dependentes químicos.

Naquela época, pedia-lhe proteção quando roubava ou se prostituía, embora evitasse fazer uma tatuagem da imagem e usá-la em pingentes, para não ser associado às máfias.

A devoção é uma tradição popular em países como o México. A Igreja Católica, muito presente na América Latina, considera a morte um estado, não a personifica e condena a prática. Mas muitos não têm problemas em misturar as duas crenças.

"Não existe uma origem única, mas é um culto que antecede o período colonial e que se transformou ao longo dos séculos", explica a investigadora de estudos sociais Cristina Burneo.

"Nem boa nem má"

Em Guayaquil, um criador de conteúdo digital mantém um altar na sua sala de estar com seis esqueletos vestidos com túnicas pretas, brancas e vermelhas.

Graças à Santa Muerte, "o meu trabalho nas redes explodiu e comecei a ganhar dinheiro", conta o tiktoker de vinte e poucos anos que religiosamente lhe acende velas e deixa oferendas como maçãs e água.

Não há ligação direta entre a Santa Muerte e a narcocultura, explica Burneo. "Há policias católicos que são devotos da Santa Muerte, que é a matrona das parteiras, e ligá-la a grupos criminosos é um absurdo", observa.

Para a psiquiatra Julieta Sagñay, os criminosos apropriaram-se do culto à Santa Muerte e encheram-no de estigmas. "Não é boa nem má. Tudo depende de quem está a fazer o culto", explica.

Equador elege presidente imerso na violência do tráfico de drogas

O presidente do Equador, Daniel Noboa, e a candidata da oposição Luisa González, próxima do ex-líder socialista Rafael Correa, enfrentam-se nas urnas este domingo num duelo pela Presidência com um desafio primordial: acabar com a guerra entre gangues criminosos que lucram com o tráfico de drogas.

Localizado no Pacífico e com uma economia dolarizada, o Equador tornou-se uma rota procurada pelo tráfico de drogas e um centro de armazenamento do stock disputado por organizações que travam combates mortais.

A crescente violência renovou as preocupações num país que, até há poucos anos, era um oásis entre Colômbia e Peru, os maiores produtores de cocaína do planeta.

"A cada dia estamos pior, o dinheiro não dá para nada, vivemos inseguros", disse à AFP uma pessoa na zona norte de Quito, que pediu para não revelar seus dados pessoais com medo de represálias.

Os equatorianos sofrem os danos de um Estado endividado (quase 50 mil milhões de dólares), com uma pobreza de 28% e concentrado em financiar a custosa guerra contra o narcotráfico.

Noboa, do partido ADN, e Luisa González, do movimento Revolução Cidadã, afilhada política do ex-presidente socialista Rafael Correa (2007-2017), lideram as sondagens de intenção de voto.

Entre os 16 candidatos predominam as propostas dirigidas a pacificar a nação, que passou de uma taxa de de seis homicídios por 100 mil habitantes em 2018 para um recorde de 47 por 100 mil habitantes em 2023. O governo de Noboa conseguiu reduzi-la para 38 por 100 mil habitantes.

A maioria das sondagens não prevê uma definição da eleição na primeira volta e assinala que seria preciso esperar até 13 de abril para conhecer o futuro presidente (2025-2029).

No Equador, país de 17 milhões de habitantes onde o voto é obrigatório, os eleitores irão às urnas entre as 07h e as 17h locais de domingo para eleger presidente e vice, 151 congressistas e cinco membros do Parlamento Andino.

Polarização

Noboa e González são a expressão de um país dividido.

No poder desde novembro de 2023, o presidente procura a reeleição. Aos 37 anos, é um dos governantes mais jovens do mundo, com uma imagem que explode nas redes sociais, onde é muito ativo.

Com um colete à prova de balas e à frente de grandes operações militares, conquistou apoio como um político rigoroso no combate ao tráfico de drogas.

"O maior feito de Noboa é a segurança [...], a delinquência diminuiu bastante", diz o vigia Marcelo Torres, de 57 anos.

Noboa venceu uma eleição extraordinária para completar o mandato de Guillermo Lasso, que dissolveu o Congresso e convocou eleições antecipadas para impedir que o Congresso o destituísse após um julgamento de impeachment por corrupção.

No outro extremo do espectro, González aspira ser a primeira mulher eleita presidente do Equador, com uma agenda que promete mais segurança e respeito aos direitos humanos.

Atrás dela está a candidata Andrea González, embora com uma enorme diferença na preferência do eleitorado. Nas últimas eleições, ela foi companheira de chapa do ex-candidato presidencial Fernando Villavicencio (centro), morto a tiros ao sair de um comício em Quito em 2023.

Mais de 30 políticos foram assassinados desde 2023 no Equador, onde candidatos relatam ameaças e andam pelas ruas cercados por fortes dispositivos de segurança.

Ainda que sem apoio suficiente, o indígena Leonidas Iza espera surpreender. Quer ganhe ou perca, o poderoso movimento dos povos indígenas que lidera é uma força capaz de derrubar presidentes e encurralar governos, dizem analistas.

"Nenhum deles me representa, mas se é preciso escolher, escolho qualquer um que não seja este governo [...] Não tem sido capaz de solucionar nada", diz a comerciante Diana Vega, de 38 anos.

Um ano, várias crises

Limitado pela Constituição na campanha, Noboa tem os seus 18 meses no governo como carta de apresentação.

Embora seja muito popular, organismos de defesa dos direitos humanos denunciam que, por trás de seu plano de segurança, ocorrem abusos. Em Guayaquil, quatro rapazes foram assassinados e tiveram os seus corpos carbonizados após uma operação militar, num caso ainda em investigação.

A maioria "vê com muito bons olhos a militarização das ruas porque o militar equatoriano não é mal visto", ao contrário do que ocorre noutros países da região que viveram ditaduras, afirma o cientista político Santiago Basabe, da Universidade São Francisco de Quito.

Noboa também enfrentou uma crise diplomática com o México por ordenar uma incursão armada na embaixada do país norte-americano para deter o ex-vice-presidente de Correa exilado, Jorge Glas, além de uma seca inédita que provocou apagões de até 14 horas diárias.

O seu governo foi ainda marcado por uma má relação com o poder legislativo e com a sua vice-presidente, Verónica Abad, que precisou de sair, contrariada após ser mandada por Noboa como embaixadora para Israel e depois Turquia.

Abad acusa o presidente de violência de género, após as tentativas de a suspender do cargo, enquanto o Presidente afirma que a sua escolha como companheira foi um "erro".

*Com AFP