As revelações constam do livro “O Governador”, que resulta de um conjunto de entrevistas do jornalista do Observador Luís Rosa a Carlos Costa, que liderou o Banco de Portugal entre 2010 e 2020, e tem provocado polémica na última semana.
Com prefácio de Christine Lagarde, presidente do Banco Central Europeu, a publicação revela factos até agora desconhecidos sobre a intervenção da 'troika', o caso Banco Espírito Santo, a resolução do Banif, as relações tensas com o antigo primeiro-ministro José Sócrates, com o atual, António Costa, e antigo ministro das Finanças Mário Centeno bem como as guerras com o ex-banqueiro Ricardo Salgado e a família Espírito Santo.
António Costa anunciou que irá processar o antigo governador, a quem acusou de ter escrito um livro com mentiras e deturpações a seu respeito e de ter montado uma operação política de ataque ao seu caráter, depois deste ter reafirmado que houve “tentativa de intromissão do poder político junto do Banco de Portugal”.
Acontecimentos da última semana:
10 de novembro, quinta-feira
O jornal online Observador divulga, às 11:01, a pré-publicação do livro “O Governador”, no qual o ex-governador do BdP Carlos Costa relata que alegadamente foi pressionado pelo primeiro-ministro, António Costa, para não retirar Isabel dos Santos do BIC.
Nesse mesmo dia, em declarações aos jornalistas à entrada para a reunião da Comissão Política do PS, depois de confrontado com o teor da publicação, o primeiro-ministro admite processar o antecessor de Mário Centeno à frente do supervisor por ofensa à sua honra.
"A única coisa que eu posso dizer é que, como é sabido, através do Observador, foram proferidas pelo doutor Carlos Costa declarações que são ofensivas da minha honra, do meu bom nome e da minha consideração”, declara o líder socialista.
O líder do executivo disse que contactou Carlos Costa e o ex-governador do Banco de Portugal “não se retratou nem pediu desculpas”, pelo que constituiu Manuel Magalhães e Silva, como advogado para avançar com os procedimentos.
11 de novembro, sexta-feira
O Chega anuncia que vai pedir a audição de Carlos Costa para esclarecer se o primeiro-ministro tentou proteger a empresária angolana Isabel dos Santos, tendo contactado o PSD para constituir uma comissão de inquérito.
Nesse dia, quando questionado sobre a notícia de que o primeiro-ministro admite processar o anterior governador do Banco de Portugal, o presidente da República escusa-se a fazer comentários: "Não li o livro, portanto, não vou comentar um livro que não li. Chegou-me às mãos ontem [quinta-feira], passei uma vista de olhos rápida, mas ontem [quinta-feira] não foi um dia propício a ler uma obra de 300 ou 400 páginas, portanto, não vou comentar um livro que não li", justificou.
Ao final do dia, o atual governador do Banco de Portugal e ex-ministro das Finanças, Mário Centeno, intervém no lançamento do Livro "O Legado de Manuela Silva" e diz: “O ISEG é uma instituição, o Banco de Portugal é uma instituição. Não reduzimos a pobreza e a desigualdade em democracia se não respeitarmos as instituições, quer quando as servimos quer depois de deixarmos de as servir. Fica hoje, também, esse apelo”.
12 de novembro, sábado
O presidente do PSD, Luís Montenegro, afirma que vai questionar o primeiro-ministro, "olhos nos olhos" sobre se contactou ou não o governador do Banco de Portugal sobre Isabel dos Santos.
14 de novembro, segunda-feira
O jornal Público revela que o presidente do Conselho Económico e Social e socialista, Franciso Assis, cancelou a apresentação do livro. No dia seguinte, durante a apresentação da publicação, é lida uma mensagem, na qual Assis justifica a ausência para não ser interpretado como hostilidade contra o primeiro-ministro.
15 de novembro, terça-feira
No dia da apresentação do livro, agendada para o final da tarde, o sócio da angolana Isabel dos Santos Fernando Telles disse, durante a manhã, que há informação “falsa” sobre si na publicação e ameaça recorrer a todos “os meios” para repor a verdade.
Também de manhã o Observador noticia que, horas depois da publicação da primeira notícia sobre o livro, António Costa enviou uma mensagem escrita a Carlos Costa sobre o tema, em que dizia ser inoportuno afastar Isabel dos Santos e desmentindo que tenha dito que não se podia “tratar mal” a filha do Presidente de um “país amigo”.
Ao final do dia, na apresentação pública, na Gulbenkian, em Lisboa, Carlos Costa reitera que o primeiro-ministro fez uma tentativa de intromissão política junto do supervisor bancário no caso de Isabel dos Santos, argumentando que o confirma na mensagem escrita que lhe enviou: “Esta semana, no mesmo dia em que anunciava um processo judicial, o senhor primeiro-ministro enviou-me uma mensagem escrita em que reconhece que me contactou para me transmitir a inoportunidade do afastamento da engenheira Isabel dos Santos. Ou seja, é o próprio primeiro-ministro a confirmar a tentativa de intromissão do poder político junto do Banco de Portugal”, afirmou.
Carlos Costa disse ainda confirmar que António Costa o “contactou por chamada” para o telemóvel no dia 12 de abril à tarde, depois de uma reunião que o antigo governador teve com Isabel dos Santos, com o sócio da empresária angolana Fernando Telles e com o diretor do departamento de supervisão Carlos Albuquerque, na qual lhe comunicou "que não se pode tratar mal a filha do presidente de um país amigo”.
Minutos antes, o antigo presidente do PSD Marques Mendes, defende que o Ministério Público deveria abrir um processo de investigação criminal à forma como foi vendido o Banif e refere que, ao mesmo tempo que “havia em curso um processo de venda do Banif” de forma pública, “de forma confidencial o Governo informava Bruxelas por carta que o banco estava em processo de resolução", pedindo explicações públicas ao primeiro-ministro sobre o caso Isabel dos Santos.
No livro, o ex-governador Carlos Costa acusa António Costa de enviar uma carta a Bruxelas durante o processo de venda do Banif e o então ministro Mário Centeno de negociar com o Santander, ambos os casos sem o seu conhecimento.
Os ex-Presidentes da República Cavaco Silva e Ramalho Eanes, o antigo primeiro-ministro Passos Coelho e o presidente do PSD, Luís Montenegro, marcam presença na apresentação do livro, onde a direita esteve ainda representada por antigos ministros do PSD como Miguel Relvas, Paula Teixeira da Cruz, Aguiar-Branco, Miguel Cadilhe e do CDS-PP António Pires de Lima. Também Teixeira dos Santos, antigo ministro das Finanças do Governo do PS chefiado por José Sócrates, e o antigo deputado socialista António Galamba estão na apresentação.
Enquanto isso, o presidente do Chega anuncia que vai propor a realização de um inquérito parlamentar às “relações obscuras” entre o primeiro-ministro e a famílias do ex-presidente angolano José Eduardo dos Santos.
Minutos depois, no Porto, o primeiro-ministro reafirma que vai processar o ex-governador do Banco de Portugal.
16 de novembro, quarta-feira
O presidente do PS rejeita, numa publicação no Facebook, pressões do primeiro-ministro ao Banco de Portugal, defende que foi António Costa quem “libertou” o BPI de Isabel dos Santos e culpa o executivo de Passos Coelho pelo processo no Banif.
Ao início da manhã, Mário Centeno (um dos principais visados da publicação, com o antigo governador a acusar o então ministro das Finanças e seu sucessor na liderança do supervisor bancário de “pressão psicológica” para provocar a sua renúncia, em concertação com o BE) critica, na conferência “A banca do futuro”, o que diz ser o “hábito de reescrever a história com os dados censurados”.
Na mesma conferência, a banca portuguesa desvaloriza o polémico livro, com alguns dos responsáveis das instituições financeiras a afirmarem que não irão ler a obra e outros que o importante é qual a resistência a pressões.
Perto da hora de almoço, o primeiro-ministro acusa Carlos Costa de ter escrito um livro com mentiras e deturpações a seu respeito e de ter montado uma operação política de ataque ao seu caráter.
Nesse dia, o Presidente da República defende o primeiro-ministro, considerando que as autoridades portuguesas atuaram em nome do interesse nacional no caso que envolveu Isabel dos Santos no caso BPI (um dos episódios mencionados no livro).
Ao final do dia, o gabinete do primeiro-ministro divulga um comunicado do Banco de Portugal, de dezembro de 2015, no qual se justifica a venda do Banif no quadro de uma medida de resolução face à posição das instâncias europeias.
O antigo coordenador do Bloco de Esquerda, Francisco Louçã, desmente as afirmações de Carlos Costa sobre a criação pelo Ministério das Finanças de um grupo de trabalho sobre as finanças públicas, sublinhando que participou sim num grupo criado pelo acordo entre o PS e o BE.
17 de novembro, quinta-feira
O líder parlamentar do PSD afirma que o partido decidirá “nos próximos dias” se avança sozinho para uma comissão parlamentar de inquérito ao caso Isabel dos Santos, e assegurou que os sociais-democratas não irão conversar com o Chega.
Paralelamente, o presidente do PSD insiste que o primeiro-ministro deve explicações políticas ao país sobre as acusações de “intromissão política” no Banco de Portugal e pediu “transparência” às autoridades europeias para que se saiba a verdade sobre o Banif.
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