Onze locais foram hoje alvo de buscas na sequência de uma investigação relacionada com as vendas de seis barragens do Douro – Miranda, Picote, Bemposta, Foz-Tua, Baixo Sabor e Feiticeiro – a um consórcio francês integrado pela Engie, Crédit Agricole Assurances e Mirova (Grupo Natixis). Em causa está a suspeita da prática de crime de fraude fiscal. Os elementos das autoridades estiveram em Lisboa, Porto, Amadora e Miranda do Douro.

Assim, esta manhã, inspetores da Autoridade Tributária e os procuradores do Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP), segundo nota publicada online, realizaram buscas em instalações das barragens, na sede da EDP, em escritórios de advogados, sociedades ligadas ao setor hidroelétrico e ainda na Agência Portuguesa do Ambiente (APA). A EDP foi a primeira a confirmar ter sido alvo de buscas, tendo informado em comunicado que estaria a “prestar toda a colaboração com as autoridades”.

Por sua vez, a APA, um instituto público integrado na administração indireta do Estado, com tutela do Ministério do Ambiente e da Ação Climática e que é a entidade responsável pela implementação das políticas de ambiente em Portugal, confirmou também ter recebido "uma diligência processual por mandado do Ministério Público" e ter disponibilizado as informações solicitadas.

A suspeita de fraude fiscal advém da referida venda de seis barragens do Douro, em dezembro de 2020 a um consórcio francês, negócio que foi anunciado pela EDP no final de 2019 e demorou cerca de um ano a concretizar-se. No fim, houve um encaixe de mais de dois mil milhões de euros e sem lugar ao pagamento de imposto de selo — o consórcio teria de pagar aproximadamente 110 milhões de euros ao Estado por esta aquisição.

O caso foi denunciado através do movimento Cultural Terra de Miranda. Assim, no dia 4 setembro de 2020, na sequência de uma reunião presencial, o movimento enviou um documento ao Ministério do Ambiente em que alertava para a possibilidade de o negócio ser alvo uma manobra de "planeamento fiscal" com o objetivo de "evitar o pagamento dos impostos normalmente devidos". Uma vez que estava em causa a passagem da concessão de bens públicos, o negócio não poderia avançar sem autorização do governo. E, desde então, encontra-se a ser investigada a possibilidade de ter ocorrido fraude fiscal.

No entanto, a EDP considera que o processo foi transparente e que a lei foi cumprida, alegando que a venda da concessão das barragens ao consórcio não beneficiou de isenção do Imposto do Selo prevista na lei desde 2020 porque a forma como a operação decorreu não está sujeita ao imposto. A EDP afirma que “não foi pago Imposto do Selo previsto na verba 27.2 da TGIS [subconcessões e trespasses de concessões feitos pelo Estado, pelas Regiões Autónomas ou pelas autarquias locais, para exploração de empresas ou de serviços de qualquer natureza, tenha ou não principiado a exploração sobre o seu valor], aplicável ao trespasse de concessões do Estado, na medida em que a operação não se traduziu num trespasse ou venda de ativos, mas antes na alienação da totalidade do capital social de uma sociedade (Camirengia)” — num processo de cisão.

Se se questiona a que cisão se refere a EDP, eis que em agosto de 2020, a EDP transferiu a exploração das seis barragens para uma nova empresa, a Camirengia, que foi, pouco depois, vendida à Águas Profundas – que viria a mudar de nome para Movhera I –, constituída pelo consócio liderado pela Engie, e que passou a explorar as barragens que pertenciam à EDP.

Sobre estes novos desenvolvimentos, Catarina Martins relembrou que "o Bloco de Esquerda, desde a primeira hora, denunciou o negócio da EDP" e considerou que a atuação do Governo na venda das barragens da EDP é "incompreensível". A líder do BE defendeu ainda que a EDP deve ser obrigada a pagar o imposto de selo pela venda das seis barragens. Por sua vez, o PCP defende que o negócio que envolve a EDP é "acima de tudo uma questão de opções políticas" e que o Governo "sabia o que estava a fazer".