Recém-licenciado em Psicologia, Christian chegou a Portugal depois do seu pai, um advogado venezuelano que estava cá de férias, pedir asilo como refugiado quando estala nova crise política em Caracas.

“O meu pai veio de férias a Portugal quando se deu uma crise política em Caracas… houve uma mudança na constituição do país. A situação política ficou muito má e a economia afundou… foi um caos”, recorda Christian Useche, em conversa com o SAPO24.

O pai de Christian chegou a Portugal em 2016, por essa altura, a situação política e económica na Venezuela complicou-se.

Em 2015, depois de perder o controlo no parlamento, Maduro convoca uma Assembleia Nacional Constituinte para “esvaziar” o poder legislativo, e em 2017, anuncia uma renovação total do Estado com a redação de uma nova Constituição. A Venezuela viu, mais uma vez, uma onda de protestos violentos tomar conta do país. Mais de 120 pessoas morreram e 2 mil ficaram feridas.

Venezuela is at risk of falling back into hyperinflation
Merchandise from an informal vendor is priced in dollars in Caracas, Venezuela, 14 January 2023 (issued 19 January 2023). EPA/MIGUEL GUTIERREZ créditos: Lusa

“Eu morava numa cidade próxima de Caracas, em Lara, e o grande problema era a falta de água. O problema mantém-se, mas, naquela altura, foi mau”, recorda Christian. “Faltava comida, água e eletricidade. O dólar passou a ser a moeda utilizada, por causa do afundanço do bolívar e tudo ficou muito caro”, descreve o jovem agora com 22 anos.

“Acabei o ensino médio [secundário] na Venezuela, o meu pai já cá estava há quase dois anos e quando cheguei a Portugal, fui parar a Aveiro. O meu pai está cá com o estatuto de refugiado e eu fui integrado no seu processo”, explica Christian.

Com o secundário concluído, Christian tentou o acesso ao ensino superior. “Tentei primeiro a Universidade de Aveiro, mas eles disseram-me que não tinha os requisitos para entrar no curso”. O jovem venezuelano queria estudar Psicologia, mas as disciplinas que fez na Venezuela não preenchiam os requisitos. “Foi-me dito que não tinha os conteúdos necessários para frequentar o curso de Psicologia”, em Aveiro, “onde tem uma grande comunidade venezuelana”,  refere o jovem atualmente a residir em Coimbra.

“Procurei com o meu pai outras universidades e foi quando vim parar a Coimbra, e aí descobri que o apoio cá era muito maior do que em Aveiro”, compara Christian antes de começar a descrever os primeiros passos na Universidade de Coimbra (UC).

Nativo da língua espanhola, Christian confessa que “ao início não gostava da língua portuguesa”, mas depois de aprender a falar acabou por descobrir a sua beleza.

“Primeiro colocaram-me em aulas de português. Fiz um curso anual de A2, e depois outro intensivo de B1. Gosto muito de falar português”, reconhece agora o jovem venezuelano.

Depois de aprender a língua, iniciou o ano zero, onde teve de frequentar as disciplinas que lhe faltavam do secundário e que eram precisas para frequentar uma licenciatura em Psicologia. “O ano zero serviu também para me ambientar à Universidade. Eles pagaram tudo, por causa do estatuto de refugiado, não paguei propinas”, disse, aliviado.

Ao SAPO24, a Universidade de Coimbra declara que tudo isso é possível através de um “Fundo de Apoio a Refugiados (FAR)”, criado “com financiamento próprio”, e que  permite prestar um apoio mais alargado, nomeadamente, apoio financeiro no âmbito do pagamento das propinas e taxas académicas relativas à frequência de cursos conferentes de grau”, disse, em resposta por e-mail. “O FAR assegura também o pagamento dos cursos de língua portuguesa destes estudantes”, acrescenta a instituição.

Nos últimos dez anos, a UC apoiou “cerca de 90 estudantes refugiados através do FAR”. A mais antiga instituição de ensino superior em Portugal diz ter protocolos de cooperação com o Conselho Português para os Refugiados (CPR); o Alto Comissariado para as Migrações (ACM); a Plataforma de Apoio a Refugiados (PAR); com o Serviço Jesuíta aos Refugiados (SJR); com a Plataforma Global de Emergência no Ensino Superior (antiga Plataforma Global de Assistência Académica de Emergência a Estudantes Sírios); câmaras municipais e outras entidades que contribuem para o sucesso do programa que mereceu o reconhecimento das Nações Unidas.

A Coimbra de Hans Christian Andersen
Universidade de Coimbra. Foto: François Philipp CC BY 2.0 créditos: DR

Em julho, a Universidade de Coimbra foi apontada pela ONU como “exemplo no acolhimento e integração de estudantes refugiados”.

No ano letivo, que terminou neste verão, a instituição recebeu “78 estudantes com estatuto de estudante em situação de emergência por razões humanitárias, o número mais alto dos últimos 10 anos”, sublinha.

De acordo com os dados fornecidos pela UC, estavam inscritos este ano, estudantes com o estatuto de refugiado de 16 nacionalidades, sendo a “maioria proveniente da Ucrânia”.

Christian Useche é um desses jovens refugiados que concluiu o curso de Psicologia na Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra e diz que sempre se sentiu amparado, quer pelos professores - que conheciam a sua situação de refugiado -, como pelos serviços da faculdade. “Sempre me apoiaram”, confirma.

Na sua turma, o jovem refugiado da Venezuela recorda-se que tinha dois colegas na mesma situação que ele, “um do Irão" e outro de um país africano, disse.

Atualmente, Christian Useche vive em Coimbra com o pai num apartamento pequeno e que trabalha na restauração. A sua mãe ainda está na Venezuela e espera um dia concretizar o sonho de voltar a ter a família reunida.

Por agora, o jovem prepara-se para prosseguir os estudos e fazer uma especialização em sexologia.

(artigo corrigido às 18:38)