Semana após semana, desde a estreia da segunda temporada, as relações entre um grupo de pessoas, que ninguém conhecia, tornaram-se tema de conversa nas redes sociais, entre amigos ou numa redação, como a do SAPO24. Dizer que é um grupo de pessoas talvez seja demasiado vago - um grupo de vários casais com a particularidade que todos casaram com alguém quem não conheciam antes de chegar ao altar e aceitaram, assim, fazer parte de uma "experiência social" que é mostrada num programa de televisão.

Se não sabe do que falamos, explicamos tudo antes de avançar no texto. “Casados à Primeira Vista” é uma versão de um formato criado na Dinamarca e depois importado por outros países, onde se destacam a versão australiana e espanhola (que pode já ter visto na SIC Mulher). O registo chegou a Portugal no ano passado assumindo-se como uma “experiência de televisão completamente inovadora”.

Em traços largos, os participantes inscrevem-se no programa para encontrar “o par ideal”. O ‘match’ entre concorrentes é feito com ajuda de quatro “especialistas do mundo do ‘coaching’ e das ciências psicológicas e neurociências”. Através de um conjunto de entrevistas e questionários individuais é escolhido o ou a ‘tal’.

Os concorrentes aceitam assim casar com um estranho que só conhecerão no altar. Durante aproximadamente dois meses o casal vai viver junto, conhece os restantes participantes e passa por um conjunto de galas, onde, a cada semana podem decidir ‘terminar’ ou ‘ficar’ na experiência. Se permanecer junto até ao final, o casal tem de tomar a derradeira decisão: ficar casado ou pedir o divórcio. A segunda edição foi para o ar a 13 de outubro e contou com sete casais — agora oito (mas já lá vamos).

créditos: SIC / DR

E quem são os casais? Comecemos pelos últimos a abandonar o programa. Liliana e Pedro começaram bem, com trocas de afeto logo no altar e frases como ‘já tivemos uma história juntos num passado qualquer’. No entanto, o amor foi sol de pouca dura e o casal foi afastando-se aos poucos até decidir, no último domingo, terminar a relação.

Ana Raquel e Paulo tiveram aquilo a que se chama de uma “separação à primeira vista”. A noiva de Aveiro viu no seu ‘par ideal’ uma figura paternal e, da lua-de-mel à primeira semana a viver juntos, foi só cumprir calendário. Já a história de António e Lurdes azedou por vinte euros emprestados para comprar um chapéu no Egito, onde passaram a sua lua-de-mel, e terminou na primeira oportunidade. No entanto, quem viu em Lurdes uma oportunidade no amor foi Paulo. Esta foi, até ao momento, uma das surpresas da presente edição. Dois participantes decidirem formarem casal por sua escolha, e não pela dos especialistas, já tinha acontecido na edição australiana, mas nunca cá. Lurdes e Paulo, recém divorciados dos seus outros pares, seguem agora como casal. Confuso? Este vídeo ajuda.

Continuando. Inês é irmã de Ana Raquel e casou-se com Hugo, mas desde que trocaram alianças que a ‘friend zone’ domina a relação. Marta e Luís não se casaram à primeira vista. Quando a jornalista chega ao altar descobriu que já tinha saído com o seu futuro marido. Uma coincidência ou verdadeiro ‘match’?

Lucas e Anabela tiveram um casamento animado, mas também a relação deste casal esmoreceu na lua-de-mel. Na primeira semana a viverem juntos Anabela desapareceu sem dar sinal e só voltou para o programa na gala de compromisso. Estão a fazer um esforço para melhorar a sua comunicação, mas até quando? Por fim, Tatiana e Bruno foram o último casal a ser conhecido, já os restantes iam na segunda semana de programa. Ele vai contando quantos beijos já deram, ela pede que não insista em mais.

Apresentados os concorrentes, resta-nos falar dos especialistas. Em equipa que ganha não se mexe e os psicólogos Fernando Mesquita e Alexandre Machado, bem como os ‘coaches’ Eduardo Torgal e Cris Carvalho, voltam a ser os ‘conselheiros’ desta edição que também repete Diana Chaves na apresentação.

(da esq. para dir.) Alexandre Machado, Diana Chaves, Eduardo Torgal, Cris Carvalho e Fernando Mesquita / SIC / DR

O gatilho para iniciar um processo de autoanálise

É exatamente um deles que nos explica o sucesso do programa e por que é que o espetador se revê nos participantes. A curiosidade no "Casados à Primeira Vista", diz ao SAPO24 Alexandre Machado, deve ser observada do “ponto de vista do comportamento e sociológico”.

“Os seres humanos gostam de compreender os seus comportamentos observando os dos outros. Por isso, acho que as pessoas se revêm muitas vezes nos comportamentos dos casais [do programa]. O que está ali a acontecer é o que acontece na casa de centenas de milhares de casais portugueses”.

Por essa razão, este especialista em comportamento acredita que o sucesso do programa passa pelo contributo que dá para a compreensão “do grande enigma das relações”. “Há determinadas situações que acontecem ali que a pessoa diz 'olha lá para a figura que a pessoa está a fazer'. Mas depois refletem um pouco e veem que eles próprios já fizeram aquela figura. É como quando vemos um bom filme”.

Ver um programa como este é suficiente para perceber o que pode ir mal com as nossas próprias relações ou pode ser um primeiro passo para recorrer a ajuda profissional, questionamos. "Não é suficiente, de todo”, responde o especialista acrescentando que “serve como um gatilho para iniciar um processo de autoanálise”. E, dependendo dos casos, para “recorrer a psicólogos ou especialistas em relacionamentos e tentar encontrar uma solução”.

E é por isso que é abordado na rua por muita gente, a maior parte das vezes em sinal de agradecimento. “Houve uma senhora que me abordou a dizer que ia tomar uma decisão, que se calhar era um erro, mas 'entretanto ouvi-o e parei para refletir um bocadinho, não tomei a decisão'. 

Insistimos no perigo do espetador poder retirar falsas conclusões no que ouve e vê. "É como em tudo na vida. Uma pessoa que esteja a ver os “Vingadores”, da Marvel, pode chegar a falsas conclusões sobre aquilo que é a realidade”, contrapõe Alexandre Machado.

Um reality show para quem não vê reality shows?

Para Alexandre Carvalho “as pessoas que vêm os Casados são aquelas que não viam reality shows”. A razão? Porque, acredita, ”o modelo que assistíamos do reality show é um modelo que está gasto”. Se noutros “as pessoas queriam simplesmente ver a tenda a arder e as pessoas no seu pior”, aqui “as pessoas procuram algumas respostas”.

Eduardo Cintra Torres, professor na Universidade Católica de Lisboa, diz, por sua vez, que este é “um reality game show como outros, mas com uma estrutura diferente”. Está, acrescenta, ”construído como um espetáculo para televisão", recorrendo a um tema "atrativo", o do casamento. E desperta o interesse porque "tem a ver com relações humanas". É um produto de entretenimento "atraente" que "em vez de ser com relações humanas entre personagens em telenovelas é entre pessoas reais".

O autor de diversos títulos na área da televisão, entre eles “Televisão do Século XXI”, ajuda a desconstruir um pouco mais este formato e o porquê de agarrar a audiência.

Uma das razões está na forma como a narrativa é criada, “como é feita a montagem, a edição, a seleção [das imagens]” ou “pelos textos que são lidos [voz off] e pelos desafios que fazem aos concorrentes". Este é um exemplo, diz, de “um guião in the making, isto é, construído à medida dos desenvolvimentos” e "para criar algum suspense e atrair a atenção dos espetadores".

Mais, ”este programa faz uso de uma característica muito antiga da televisão que é o live on tape, o gravado com as características do ao vivo. Isto é, há uma semelhança com o direto, para dar um ar de vivacidade e para não parecer datado".

créditos: SIC / DR

Enquanto houver conversa para dar, a televisão vai continuar

"Apesar da perda de poder que a televisão generalista tem tido nas últimas décadas, a televisão ainda exerce uma função social muito importante”, diz-nos Eduardo Cintra Torres. E essa função é “a de fornecer temas de conversa". 

"Temos de falar de alguma coisa com os amigos, com os colegas no emprego, no café, e falamos de quê? Da nossa vida privada? Falamos de coisas que vimos na televisão, porque são coisas que os outros também viram. E se os outros viram eu também quero ver. Se fui ao café e estavam a falar de um programa como este e eu não vi, fico fora de uma relação social".

Um programa que atrai um público de classes com menos poder de compra. E mais mulheres que homens

Citando dados da GFK Audiometria Oficial, o especialista relata que este "é um programa que atrai um público, pelo menos em números absolutos, muitíssimo superior nas classes D e E". Atrai, também "muito mais mulheres do que homens" e "vai aumentado [em números] até aos 55-64 anos, depois diminui". Nem o público mais velho nem o público jovem "tem paciência" para ver. 

O professor destaca ainda a estabilidade das audiências, tendo sido a mais elevada do dia da estreia, a 13 de outubro. Porém, o programa tem vindo a registar “uma ligeira diminuição do poder de atração" tendo "perdido um pouco de impacto, embora pouco significativo". 

De acordo com números disponibilizadas pela agência que representa a produtora dos “Casados à Primeira Vista”, a Shine Iberia, o programa de domingo, ao fim de um mês de exibição, lidera no universo dos canais generalistas com 24.9% de share e 11.2% de audiência média, o que corresponde a um milhão 64 mil e 300 telespetadores.

No mesmo período, a edição diária, transmitida antes do Jornal da Noite, está com 21.2% de share e 9.6% de audiência média, o que corresponde a 908 mil e 500 telespetadores — o "Preço Certo"na RTP, é líder neste horário. 

Já a edição extra, transmitida após a novela “Terra Brava” (23h20) lidera, no universo dos canais generalistas, com 25.3% de share e 8.5% de audiência média, o que corresponde a 808 mil e 400 telespetadores.

O que ainda podemos esperar?

"Ainda vai haver muitas surpresas”, adianta ao SAPO24 o especialista dos “Casados à Primeira Vista”, que considera esta edição melhor que a primeira.

“Acho que esta edição é melhor do que a outra porque tem mais reveses, tem mais sal, e mais contornos engraçados do ponto de vista do que é a realidade dos portugueses e daquilo que ouvimos em consulta”.

Considerando ser ainda “muito mais rica e representativa” que a primeira, Alexandre Machado destaca a presença "muito maior de outros fatores", como o da “influência sociofamiliar maior”.

“Principalmente nas mulheres, a influência do meio e das famílias foi preponderante no modelo de tomada de decisão durante o programa e depois (…) Temos os homens dispostos para uma relação e as mulheres barricadas, entre aspas, atrás de padrões muito tóxicos daquilo que é uma relação e com pouca capacidade para largar os padrões do passado”.

O programa “Casados à Primeira Vista” está em exibição na SIC, com galas semanais ao domingo e ‘extras’ diários pelas 19h20 e as 23h20.