O EIXO UCRANIANO: POR QUE RAZÃO A OTAN* É MAIS CRUCIAL DO QUE NUNCA?

A crise na Ucrânia pôs de novo o mundo na onda da história criada em agosto de 1914. A Primeira Guerra Mundial teve grandes batalhas terrestres entre a Alemanha e a Rússia. A frente mais sangrenta da Segunda Guerra Mundial também foi no Leste, mais uma vez entre a Alemanha e a Rússia. Durante a Guerra Fria, a Europa Ocidental e os Estados Unidos enfrentaram a Rússia sob a forma de União Soviética. Agora, a Europa Ocidental e os Estados Unidos enfrentam de novo a Rússia.

Há pouco mais de um século, o brilhante historiador americano Henry Adams afirmou que o problema central da Europa era e seria sempre a Rússia e o modo de integrar finalmente a Rússia no «consórcio atlântico».

Literalmente, nada mudou. No seu famoso ensaio de 1904, «The Geographical Pivot of History»**, o grande geógrafo britânico Halford Mackinder afirmou que o eixo do destino da geopolítica mundial assenta na «heartland» do supercontinente eurasiático, imprecisamente identificada como a região da Ucrânia, uma vasta área geralmente localizada entre as esferas de influência europeia e russa. No seu livro de 1919, Democratic Ideals and Reality, Mackinder declarou que a batalha entre a Alemanha e a Rússia e, por extensão, entre a Europa Central e a Rússia não ficou decidida com a Primeira Guerra Mundial. Ao dizê‐lo, Mackinder previu, na prática, a Segunda Guerra Mundial e a Guerra Fria. O drama geopolítico relacionado com a heartland era crítico para o destino daquilo a que Mackinder chamou «Ilha Mundial» afro‐eurasiática, essencialmente o hemisfério oriental. E o único concorrente à centralidade da «Ilha Mundial» era o seu «satélite» norte‐americano, isto é, os Estados Unidos.

Mas a história não fica por aqui. A Mackinder seguiu‐se outro grande pensador geopolítico, o estratega neerlando‐americano de Yale, Nicholas Spykman. Em 1942, apresentou o que viria a ser conhecido como a tese da Rimland ***, sugerindo que, em vez do heartland interior do supercontinente eurasiático, eram as costas e periferias da Eurásia – principalmente a Europa e a Ásia Oriental – que constituíam a base do poder geopolítico.

Dos Moonspell para a literatura. Fernando Ribeiro traz "Café Kanimambo" ao É Desta Que Leio Isto de junho

Fernando Ribeiro junta-se ao É Desta Que Leio Isto no próximo encontro, marcado para dia 22 de junho, pelas 21h.

O livro escolhido para leitura é "Café Kanimambo", que chegou às livrarias a 29 de maio e assinala o regresso do vocalista dos Moonspell à literatura, depois de publicar o seu primeiro romance, "Bairro sem saída", em 2021.

Além da análise da obra, esta conversa permitirá também traçar a relação entre música e literatura, aproveitando a experiência do músico em palcos por todo o mundo, com a banda portuguesa de heavy metal.

"Entre o thriller e a narrativa hardcore, 'Café Kanimambo', segundo romance de Fernando Ribeiro, é a confirmação do autor como uma das vozes mais acutilantes da nova ficção nacional, num livro perturbante que não deixará ninguém indiferente", pode ler-se na apresentação da obra.

Pode ler também um excerto deste livro aqui.

Para se inscrever no encontro basta preencher o formulário que se encontra neste link. No dia do encontro receberá um e-mail com todas as instruções para se juntar à conversa.

Subscreva a Newsletter do É Desta que Leio Isto aqui e receba diretamente no seu e-mail, todas as semanas, sugestões de leitura, notícias e acesso a pré-publicações. Além disso, pode ficar a par de tudo o que acontece no clube de leitura através deste link.

Juntem‐se as duas teorias e temos a crise atual: o satélite norte‐americano e as orlas costeiras da Europa e da Ásia Oriental contra as grandes potências da heartland da Ásia interior – Rússia e China –, com a Ucrânia como eixo e ponto de ignição desta grande disputa. Desde 1914, esta rivalidade foi interrompida pelo enfraquecimento da Rússia, que se seguiu à queda do Muro de Berlim, dando aos europeus uma falsa sensação de segurança na década de 1990. A essa interrupção seguiu‐se rapidamente outra, a farsa do 11 de Setembro, que iludiu os Estados Unidos, levando‐os a pensar que o terrorismo islâmico era o principal perigo geopolítico, quando, de facto, a Rússia e a China já estavam de novo em ascensão.

Com o regresso à onda da história de agosto de 1914, é a OTAN que aparece como mais importante. A OTAN, que se expandiu para incluir a maioria da Europa na década de 1990 e se tornou problemática durante a guerra contra o terrorismo, une a rimland europeia na oposição à Rússia. A Alemanha, que se encontra virada para leste e para ocidente e está desesperada para pôr definitivamente termo à sua história moderna de guerra com a Rússia, é o principal ponto de interrogação da OTAN. A Rússia procura minar a unidade da OTAN, atraindo a Alemanha com o engodo do gás natural. O combate pode ser na Ucrânia, mas a batalha estratégica subjacente é sobre o destino da aliança ocidental e da rimland europeia. Se a OTAN de algum modo se fraturasse, isso significaria uma vitória do presidente Vladimir Putin, por mais confusa que se tornasse a situação militar na Ucrânia. Manter a OTAN unida durante a Guerra Fria foi mais fácil, porque a Europa praticamente não tinha transações comerciais com a União Soviética e enfrentava, em vez disso, o espectro da guerra termonuclear. Mas agora, numa era de globalização, com a Europa economicamente integrada com a Rússia e a China, as alianças são empresas mais problemáticas.

Mas se a OTAN conseguir manter‐se firme, sejam quais forem as vicissitudes desta crise, a rimland europeia e o seu satélite norte‐americano podem acabar por triunfar. Drama similar está a desenrolar‐se a leste, onde a China tenta minar as alianças da América no Pacífico Ocidental, traduzidas em tratados separados. Taiwan é o equivalente na rimland leste‐asiática ao eixo ucraniano e, se alguma vez se tornar óbvio que Taiwan não pode ou não será defendida pelos Estados Unidos, todos os aliados dos EUA, desde o Japão, a norte, até Singapura, a sul, começarão a fazer acordos paralelos com a China. Este processo pode ocorrer fora dos cabeçalhos dos jornais, mas minará, de qualquer modo, o controlo da rimland da Ásia Oriental pelo satélite norte-americano.

Esta disputa global pode não ser decidida nos próximos dias ou semanas na medida em que a crise da Ucrânia (e, por extensão, a crise de Taiwan) terá naturalmente sucessivas fases de arrasta‐ mento. Outras regiões ajudarão a afetar o resultado. O Médio Oriente, em virtude das persistentes operações navais da América no golfo Pérsico e as atividades da China para estabelecer entre‐postos comerciais, energéticos e logísticos para a Nova Rota da Seda ao longo da Península Arábica e do Levante constituirão uma extensão da rivalidade heartland‐rimland. Afinal, a Nova Rota da Seda é a tentativa da China de se tornar uma potência da heartland, que já é, e uma futura potência da rimland, dominando o oceano Índico. Qualquer convulsão política no Irão, localizado entre a heartland da Ásia Central e a rimland do golfo Pérsico, será crucial para este drama.

Livro: "A Vingança da Geografia"

Autor: Robert D. Kaplan

Editora: Clube do Autor

Data de lançamento: novembro de 2022

Preço: € 22,00

Subscreva a Newsletter do É Desta que Leio Isto aqui e receba diretamente no seu e-mail, todas as semanas, sugestões de leitura, notícias e acesso a pré-publicações.

Recorde‐se que não foi um acontecimento internacional que pôs termo à Guerra Fria, a qual, pelo contrário, terminou em função da política interna. A União Soviética começou a desmoronar‐se por dentro a partir do fim da década de 1980. Esta última fase da batalha heartland‐rimland podia, num futuro amanhã, terminar da mesma maneira. Pode tudo depender da saúde política interna da Rússia, da China e das nações do Ocidente. As tensões políticas no interior das sociedades ocidentais estão à vista; as da Rússia e da China são mais opacas, porque se trata de sociedades autoritárias. De momento, porém, muito dependerá da OTAN e da medida em que a aliança conseguir manter a sua unidade momentânea.

Robert Kaplan
Fevereiro de 2022

* Organização do Tratado do Atlântico Norte. NATO corresponde à sigla do nome em inglês – North Atlantic Treaty Organization. (N. do T.)

** «O Eixo Geográfico da História». (N. do T.)

*** Orla costeira. (N. do T.)