O jornal A Semana, propriedade da Nova Editora e com 26 anos, suspendeu em dezembro a sua edição impressa, mantendo apenas a presença online, uma reestruturação que deixou perto de uma dezena de jornalistas no desemprego e sem seis meses de salário.
“Estamos a passar por uma situação difícil. Não é fácil sair da empresa e ir para casa e ficar à espera dos seis meses de salário e da indemnização que nunca vem”, desabafa à agência Lusa Carina David Lopes, 31 anos, que trabalhava na delegação do jornal na ilha de São Vicente.
A jovem jornalista, natural de Santo Antão e formada em Comunicação Social, vertente jornalismo pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, Brasil, sustenta que foram “erros de gestão” que ditaram a atual situação do jornal, num país com poucos leitores e um mercado publicitário limitado.
Carina David é apenas um exemplo de vários jornalistas cabo-verdianos que ficaram no desemprego após o fecho recente de outras publicações privadas, como o A Voz e o Ocean Press.
À situação de desemprego junta-se a falta de proteção social, uma vez que o subsídio do desemprego só entrou em vigor no ano passado em Cabo Verde.
A jornalista defende que a comunicação social cabo-verdiana, especialmente a privada, está a atravessar um “momento difícil”, considerando que a sua sustentabilidade deve ser repensada.
No mesmo sentido, o jornalista veterano Hermínio Silves considera que a imprensa cabo-verdiana está num “círculo vicioso” e há um “plano inclinado” que desfavorece os órgãos privados em detrimento dos públicos, financiados pelo Estado.
Hermínio Silves, que já trabalhou em órgãos como A Semana, A Voz, A Nação e Inforpress e que também está desempregado, criticou “a discriminação”, dando como exemplo o facto de o país ter beneficiado por duas vezes do fundo norte-americano Millenium Challenge Account, mas sem nunca a comunicação social ter sido contemplada.
“A imprensa continua de fora dos planos, o que é caricato, já que para haver boa governação, também é necessário boa democracia e quem a garante, fiscaliza e ‘controla’ são os órgãos de comunicação social”, diz.
Hermínio Silves nota que o mercado é exíguo e que há pouca publicidade, mas salienta que é preciso mais formação dos jornalistas, mais especialização e mais recursos para os órgãos de comunicação social, especialmente os privados.
A presidente da Associação Sindical dos Jornalistas Cabo-verdianos (AJOC), Carla Lima, diz à Lusa que a instituição que dirige está a acompanhar a situação da imprensa cabo-verdiana “com muita preocupação”, notando que são sempre os privados que têm mais problemas.
Considerando que a AJOC “muito pouco pode fazer” para salvar os jornais, a jornalista da Rádio de Cabo Verde (RTC) diz, porém, que o Estado deve repensar os mecanismos de apoio à imprensa.
Por seu lado, o ministro da Cultura e das Indústrias Criativas, Abraão Vicente, que tutela a Comunicação Social, considerou que a situação da imprensa cabo-verdiana “é preocupante”, mas salientou que são projetos privados, aos quais o Governo não pode atribuir subsídios, mas garantiu que está atento para perceber como é que pode ajudar.
O ministro diz que o fecho de alguns jornais e a possibilidade de fecho do A Semana é “algo devastador” e um “perigo iminente” para a liberdade de imprensa e garante que o Governo vai “tudo fazer” para que isso não aconteça.
Mesmo com um mercado exíguo, jornais a fechar e jornalistas no desemprego, as universidades cabo-verdianas contam com cinco cursos de comunicação social, que todos os anos lançam muitos jovens no mercado.
O ministro e a presidente da AJOC mostram-se preocupados com este cenário e consideram que as universidades devem repensar a sua estratégia para os cursos de comunicação social.
“Temos de repensar essa questão. Concentrar na qualidade e não estar a abrir cursos sem nenhum estudo, sem perspetivas de mercado, levando as famílias a fazer investimento que depois não terão retorno porque a pessoa não consegue empregar-se”, diz Carla Lima.
“Acho que as universidades têm que repensar a sua estratégia, não só do curso da comunicação social”, considera Abraão Vicente, dizendo que o Governo tem de sentar à mesa com as universidades para ver se deve haver um limite e um período de carência para alguns cursos, para não criar “expetativas erradas” nos jovens.
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