São perto de uma centena, os manifestantes que pelas quatro e meia em ponto da tarde de sábado, dia 4 de junho, se juntam em frente ao Campo Pequeno, palco de outras lutas (anti-touradas), que têm tudo a ver com a que agora se inicia. Representam várias sensibilidades da defesa dos animais, e saem pouco depois das cinco horas – a hora, por excelência, da tourada – rumo à Assembleia da República. A polícia, em número razoável no local, tem a vida facilitada. Não há qualquer espécie de anti-manifestação.
Explicam o que são. Anti-carnistas – ou seja, pela abolição do consumo de carne – e anti-especistas – que o mesmo é dizer, contra a supremacia do "animal-humano" sobre os outros. Mas reivindicam-se, se não todos pelo menos uma boa parte, de irmandades várias, que vão desde a "imposição coerciva do veganismo através da força legal do Estado", até outras lutas que consideram como definidoras do "progresso da humanidade", onde esta se insere, a saber: "o aborto livre pago pelo Estado, o casamento gay, a adopção de crianças por pares de invertidos (sic], a procriação medicamente assistida para toda a gente, a legalização das "barrigas de aluguer" e a legalização da eutanásia". "Chegou o momento dialéctico de avançarmos na nossa luta pelo progresso da humanidade", lê-se no manifesto que convoca a manifestação de hoje à tarde. E esse é o da abolição de matadouros.
Quisémos saber se, ao falarem de matadouros, deixavam de fora a criação particular – vulgarmente, o galinheiro da aldeia, ou mesmo a caça. "Podemos ter alguma compreensão pela falta de informação dessas pessoas, mas o movimento é totalmente abolicionista do carnismo, que é uma forma de opressão ligada ao sexismo e ao capitalismo", diz-nos Beatriz Costa, da organização da manifestação. No entanto, há uma vertente que reprova, de forma mais dura, a "exploração agro-industrial tipicamente capitalista".
Depois de deambular por grupos maioritariamente jovens e – digamos – com aspecto alternativo, juntamo-nos ao único pequeno grupo passível de se identificar com a razoável profusão de cabelos brancos do jornalista. Sérgio é veganista completo há apenas ano e meio, mas antes já foi macrobiótico. "Comia peixe, ovos, mas depois deixei", refere. Um outro manifestante – não identificado – revela-se asmático desde nascença, mas tem estado muito melhor desde que deixou "suplementos alimentares e qualquer fonte de proteína animal, incluindo o leite, que faz um mal terrível". "Então em Portugal, onde uma couve tem muito mais cálcio que o leite, isso não é preciso para nada", sustenta. Teme pelo esqueleto das galinhas, "obrigadas a pôr muito mais ovos do que é natural, e que com isso perdem cálcio"
Outros manifestantes alertam para as "más condições" em que vivem os animais de abate. Mas confrontados, pelo jornalista, com o touro bravo que tem uma qualidade de vida muito superior à dos animais de criação, logo referem que a luta "não é só contra as más condições, mas sim pelo abolicionismo".
Por outro lado, não são só os seres humanos que devem ser em muito menor número. Também os porcos e os bovinos, por exemplo. "Há muita poluição criada pelos animais de abate, e se deixarmos de comer carne eles serão muito menos; os restantes poderão ficar em reservas para animais selvagens, como acontece actualmente com os veados e os alces, por exemplo", defende outro manifestante.
Há todo um estilo de vida saudável e uma ética por detrás destes manifestantes. Mas também uma ideologia, com laivos de revisionismo de ideias vulgarmente aceites. "O ser humano é essencialmente um herbívoro que deixou de ruminar quando se inventou a propriedade privada", refere o manifesto que apela à abolição dos matadouros. Segundo a mesma fonte, foram os homens, "de raça branca e heterossexuais", que colocaram uma vedação num terreno e que "convenceram outras pessoas que o terreno era seu". Quando começaram a criar gado "isso foi um grande retrocesso para a humanidade", refere o mesmo texto.
O Movimento para a Abolição dos Matadouros (MAM-Portugal), que encabeçou a manifestação ao lado da bandeira da bissexualidade, foi criado em Janeiro deste ano - esta foi a sua primeira manifestação em Lisboa – com o objectivo de combater esta "forma de opressão" que é o especismo, que iguala em malefícios aos "demais sistemas de opressão" – sexismo, capitalismo, sionismo, imperialismo, etc.
Mas o jornalista tem de confessar que o "etc." ficava aqui bem e lhe dava jeito, mas iludiria uma parte da verdade, a qual se prende com a sua muita ignorância. Ao ler o rol das opressões que impendem sobre o mundo actual, incluindo sobre os 55 mil milhões de seres terrenos sencientes – os animais-humanos e os animais-não humanos, só aqui sendo contabilizados os terrenos, pela manifesta impossibilidade de contar os que por mar e ar fazem a sua vida -, especou com uma palavra que não conhecia.
Trata-se do cissexismo, que até a porcaria deste corrector ortográfico sublinha a vermelho, considerando que não existe. O cissexismo, fiquei hoje a saber, é um conjunto de noções discriminatórias que estabelecem que as pessoas "trans" estão abaixo dos dois géneros comuns - masculino e feminino. É mais grave que a transfobia, e manifesta-se até em militantes LGBT. No novo tempo, estes manifestantes são contra a noção de género e alertam mesmo para o cissexismo que é usar pronomes pessoais e identidades. Finalmente, são a favor da geração de Quimeras, ou seja, animais sem sexo ou oriundos do cruzamento de várias espécies.
Não tenham pena de mim. Aprendi, com um cozinheiro brasileiro, como se faz "Alho-francês à Braz". Vou experimentar.
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