Numa carta divulgada hoje, que toma como mote as palavras de S. Paulo aos Coríntios — “Um membro sofre? Todos os outros membros sofrem com ele” —, o Santo Padre refere-se ao “sofrimento vivido por muitos menores por causa de abusos sexuais, de poder e de consciência cometidos por um número notável de clérigos e pessoas consagradas. Um crime que gera profundas feridas de dor e impotência, em primeiro lugar nas vítimas, mas também em suas famílias e na inteira comunidade, tanto entre os crentes como entre os não-crentes”, pode ler-se.

“Olhando para o passado, nunca será suficiente o que se faça para pedir perdão e procurar reparar o dano causado. Olhando para o futuro, nunca será pouco tudo o que for feito para gerar uma cultura capaz de evitar que essas situações não só não aconteçam, mas que não encontrem espaços para serem ocultadas e perpetuadas. A dor das vítimas e das suas famílias é também a nossa dor, por isso é preciso reafirmar mais uma vez o nosso compromisso em garantir a protecção de menores e de adultos em situações de vulnerabilidade”.

Na carta, o Papa Francisco refere um relatório divulgado — sobre o estado da Pensilvânia, nos EUA — que detalha “aquilo que vivenciaram pelo menos 1.000 sobreviventes, vítimas de abuso sexual, de poder e de consciência, nas mãos de sacerdotes por aproximadamente setenta anos”. Com isto, o Sumo Pontífice refere que é conhecida “a dor de muitas vítimas”, o que leva a “ condenar veementemente essas atrocidades, bem como unir esforços para erradicar essa cultura da morte”, acrescentando ainda que as feridas “nunca prescrevem”.

Francisco refere ainda que a Igreja demonstra “vergonha e arrependimento”. “Assumimos que não soubemos estar onde deveríamos estar, que não agimos a tempo para reconhecer a dimensão e a gravidade do dano que estava a ser causado em tantas vidas. Nós negligenciámos e abandonámos os pequenos”.

Contudo, o Santo Padre acrescenta que reconhece agora “o esforço e o trabalho que são feitos em diferentes partes do mundo para garantir e gerar as mediações necessárias que proporcionem segurança e protejam a integridade de crianças e de adultos em situação de vulnerabilidade, bem como a implementação da ‘tolerância zero’ e de modos de prestar contas por parte de todos aqueles que realizem ou encubram esses crimes. Tardámos em aplicar essas medidas e sanções tão necessárias, mas acredito que elas ajudarão a garantir uma maior cultura do cuidado no presente e no futuro”.

No fim da carta, Francisco deixa um apelo a todos os católicos. “Através da atitude de oração e penitência, poderemos entrar em sintonia pessoal e comunitária com essa exortação, para que cresça em nós o dom da compaixão, justiça, prevenção e reparação”, referindo ainda ser necessário expressar a “decisão de lutar com coragem” contra este tipo de crimes.

O caso de abusos na Pensilvânia

Um relatório do Grande Júri da Pensilvânia, publicado na terça-feira, 14 de agosto, revelou abusos sexuais praticados por mais de 300 "padres predadores" e o seu encobrimento pela Igreja Católica neste estado, onde pelo menos mil meninos e meninas foram vítimas destes atos desde os anos 50.

Não é a primeira vez que um júri popular publica um relatório a revelar escândalos de pedofilia dentro da Igreja católica americana, mas nunca tantos casos haviam sido revelados.

"Padres violentaram meninos e meninas, e os homens da Igreja que eram os seus responsáveis não fizeram nada. Durante décadas", escreveram os membros do júri no relatório.

O Vaticano reagiu afirmando levar "muito a sério" o relatório e assegurou que "duas palavras podem expressar o que se sente diante destes crimes horríveis: vergonha e dor".

"Os abusos descritos no relatório são criminosos e moralmente reprováveis. Estes atos traíram a confiança e roubaram das vítimas a sua dignidade e a sua fé", diz o comunicado.

A Santa Sé lembra, no entanto, que a maior parte dos casos mencionados é anterior ao começo dos anos 2000, quando a revelação de vários escândalos levou a Igreja americana e realizar "reformas".