Em conferência de imprensa no Santuário de Fátima, D. Edgar Cunha, bispo de Fall River, no estado norte-americano de Massachusetts, que preside à peregrinação aniversária de agosto, respondeu a questões dos jornalistas sobre o tema dos abusos sexuais na Igreja Católica, nomeadamente no que diz respeito à investigação dos casos.
"A Igreja Católica já estabeleceu um método, uma estrutura, que agora igrejas protestantes, escolas e outras instituições estão a seguir. Creio que a Igreja Católica foi a pioneira nisso, porque realmente fomos a primeira instituição a ser castigada por causa disso e respondemos com responsabilidade e com seriedade", lembrou, frisando que tudo isto foi "um exemplo para outras instituições".
O bispo lembrou ainda que "a questão do abuso não é uma questão da Igreja Católica", mas sim "da sociedade em geral".
"Acontece nas famílias e acontece em todos os grupos e instituições. A Igreja Católica foi a primeira a ser colocada diante da realidade e respondemos, mas acho que, agora, outras instituições estão acordando para isso e veem o que nós fizemos e somos um espelho para outros", acentuou.
"Um tema difícil para a Igreja", dos EUA a Portugal
O bispo de Fall River assumiu também que o tema dos abusos sexuais na Igreja Católica é difícil.
"Eu sei que é um tema difícil para a Igreja, para todos enfrentarem, mas não temos uma alternativa a não ser enfrentá-lo com transparência, com abertura, com sinceridade".
Edgar Cunha foi questionado sobre as notícias das últimas semanas de alegados abusos sexuais cometidos por membros da Igreja Católica portuguesa, assim como do suposto encobrimento por parte da hierarquia, e fez a ponte para a situação vivida nos Estados Unidos.
Em Boston, no mesmo estado de Massachusetts, ocorreu um dos maiores escândalos relacionados com abusos sexuais nos Estados Unidos envolvendo elementos da Igreja Católica.
Salientando que esses factos "deploráveis destruíram a credibilidade da Igreja", D. Edgar Cunha defendeu que a instituição tem hoje de "trabalhar, e trabalhar muito", para a restaurar.
"Houve erro no passado? Houve. O entendimento do passado é muito diferente do nosso entendimento de hoje. O que nós temos é toda uma estrutura que não permite acobertar erros e crimes de quem quer que seja, não permite que as pessoas possam escapar e fazer o mal sem ser notado", assegurou.
Segundo o prelado, no caso dos Estados Unidos da América, para se trabalhar na Igreja tem de ter registo criminal limpo e assinar um contrato de conduta, além de preparação e treino em "como evitar e como reportar sinais de abuso".
Garantindo que na Diocese de Fall River, onde reside uma numerosa comunidade portuguesa originária dos Açores, tudo é feito "com a maior transparência", explicou que, perante uma acusação de abuso, a Igreja age imediatamente, tirando a pessoa suspeita da sua função enquanto é feita a investigação, e comunica-se de imediato às autoridades civis.
"Nós não fazemos nada enquanto elas não terminarem a investigação e quando elas terminarem, dependendo do resultado, nós fazemos a nossa investigação", precisou, explicando que a diocese tem uma comissão que "faz a revisão das acusações e faz a recomendação ao bispo se essa pessoa vai poder voltar ao ministério ou não".
No caso de Fall River, essa comissão “é presidida por um juiz, a vice-presidente é uma ex-diretora do FBI [polícia federal]”, notou, adiantando que nela há também psicólogos, advogados ou assistentes sociais.
"Eu acho que a Igreja nos Estados Unidos, infelizmente, foi o ‘ground zero’ [zona de impacto], onde partiu tudo isso. E, nos últimos 20 anos, a Igreja tem feito muito, muito progresso nessa parte", salientou, destacando que "os abusos hoje são, praticamente, inexistentes", comparando com o passado, embora ainda esteja a lidar com casos antigos.
D. Edgar Cunha reiterou que tem de se enfrentar "a dor, a realidade dura do que é a História", para que se possa "reconquistar e readquirir a credibilidade" que a Igreja precisa.
À pergunta sobre o impacto desta situação na comunidade portuguesa residente em Fall River, o bispo reconheceu que aquela foi também abalada pelo escândalo, mas "talvez tenha permanecido mais fiel à Igreja, não obstante tudo isso, do que algumas outras comunidades".
Dizendo não crer que muitas pessoas desta comunidade tenham deixado a Igreja por causa desta situação, Edgar Cunha justificou: "Elas veem que a fé e a Igreja não é na pessoa, mas é em Deus".
"Ir ao encontro, para ajudar e para escutar"
D. Daniel Henriques, bispo auxiliar de Lisboa também presente em Fátima, começou por dizer, quanto à questão dos abusos, que "são circunstâncias que a todos nos doem".
"Além de integrar esta Comissão [diocesana para os abusos], também sou bispo auxiliar de Lisboa, onde está o senhor Patriarca, e posso dar aqui um testemunho muito pessoal", explicou, remetendo para a recente notícia do Observador que refere que o atual Cardeal Patriarca de Lisboa "teve conhecimento de uma denúncia de abusos sexuais de menores relativa a um sacerdote do Patriarcado e chegou mesmo a encontrar-se pessoalmente com a vítima, mas optou por não comunicar o caso às autoridades civis e por manter o padre no ativo com funções de capelania", num caso que remonta a 1999.
"Sou bispo há quase quatro anos, sempre com D. Manuel Clemente como bispo de Lisboa, já lá está há mais anos, e deixo aqui este testemunho muito pessoal do cuidado que ele tem, de facto, por toda esta questão", apontou D. Daniel.
Recordando que "a Diocese de Lisboa foi a primeira a criar uma Comissão e a responder ao apelo do Santo Padre", o bispo afirmou que em causa não está apenas a criação desta entidade mas "o cuidado quotidiano".
"Um cuidado que eu vejo muito no senhor Patriarca, de ir ao encontro das vítimas. Penso que toda esta questão aconteceu exatamente num contexto destes. Ir ao encontro, para ajudar e para escutar", disse.
Referindo que "há este esforço também na Diocese de Lisboa e em todas as dioceses de Portugal, exatamente como se passa em Full River", D. Daniel Henriques lembrou que a Igreja "foi a primeira castigada e se calhar justamente, até porque se espera muito da Igreja, em termos de irrepreensibilidade e acima de tudo dos sacerdotes".
Por outro lado, o bispo auxiliar de Lisboa acentuou que tem "esperança que isto possa criar um bom tsunami social na sociedade e que muitas outras instituições, começando logo pelas do Estado mas também por todas as outras, possam ir criando este cuidado para que estas situações não aconteçam".
D. Daniel Henriques lembrou ainda que "a Igreja e as famílias não são realidades separadas", pelo que deve haver "todo um acompanhamento nas famílias, quer na prevenção, quer na denúncia" de casos de abuso sexual.
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