Na primeira sessão do julgamento, Mariana Fonseca acedeu em prestar declarações ao Tribunal de Portimão, impondo como condição que a outra arguida, Maria Malveiro, saísse da sala, pedido que o tribunal aceitou.
Perante o coletivo de juízes, Mariana, enfermeira, de 24 anos, afirmou “que em momento algum” teve a ver com a morte de Diogo Gonçalves, de 21 anos, e que se pudesse “voltar atrás” teria feito “muitas coisas de forma diferente”.
A arguida reconheceu, no entanto, ter participado na ocultação do cadáver de Diogo - cujos restos mortais foram encontrados em Sagres e em Tavira -, mas alegou ter sido aliciada por Maria a fazê-lo, atribuindo-lhe, também, o desmembramento do corpo.
Segundo a acusação, as arguidas, acusadas por homicídio qualificado, profanação de cadáver, acesso ilegítimo, burla informática, roubo simples e uso de veículo, teriam como objetivo aceder aos cerca de 70 mil euros de indemnização que Diogo recebeu pela morte da mãe, atropelada em 2016.
A enfermeira descreveu em tribunal que no dia em que ocorreu o crime, em 20 de março de 2020, chegaram as duas a casa de Diogo Gonçalves, em Algoz, Silves, cerca das 14:00, tendo-se lá dirigido a pedido de Maria, de 21 anos, na altura sua companheira, para que o informático lhe instalasse umas colunas no carro.
“Fiquei no carro a dormitar enquanto a Maria foi ao interior da casa e voltou, minutos depois, a dizer que precisava de ajuda”, referiu Mariana, justificando o cansaço por ter terminado um turno no Hospital de Lagos, onde trabalhava.
Segundo a arguida, quando entrou na casa, encontrou Diogo “inconsciente” e “preso numa cadeira”, o que a fez entrar em “pânico” e ficar “sem noção” do que se estava a passar.
“Verifiquei se tinha pulso e como não tinha, reanimei-o. Estava deitado sobre a cadeira, no chão, de barriga para cima”, disse, acrescentando que após as manobras de reanimação, Diogo levantou-se e empurrou-a, tendo Maria pedido que saísse dali.
E prosseguiu: “Fui para o quarto e quando regressei à sala ele estava pálido, com marcas no pescoço e inconsciente, ao que a Maria me pediu para lhe ver o pulso, o que verifiquei, e não o vi a respirar”.
Segundo a enfermeira, Maria pediu-lhe para a ajudar a limpar o local e tirar o corpo dali, para “ninguém saber” que lá tinham estado, o que fez. Depois, a segurança “embrulhou o corpo num cobertor e levou-o para a casa de banho”, relatou.
Admitindo ter acesso fácil a medicamentos no Hospital de Lagos, onde trabalhava, Mariana negou, contudo, ter fornecido fármacos para adormecer a vítima, tal como consta na acusação, que refere ter sido utilizado diazepam para sedar Diogo.
Segundo Mariana, foi Maria quem desmembrou o corpo na garagem da casa que ambas partilhavam e para onde levaram o cadáver, no Chinicato, em Lagos. Afirmou, no entanto, desconhecer que a companheira pretendia apropriar-se do dinheiro da vítima.
De acordo com a enfermeira, foi também a segurança quem cortou “dois dedos” ao informático, de forma a aceder ao seu telemóvel para efetuar e validar transferências bancárias através de uma aplicação.
“Não queria utilizar [os cartões bancários] nem que fosse transferido dinheiro para a minha conta, mas a Maria insistiu [para fazer uma transferência] e eu acedi, o que aconteceu com cerca de 350 euros”, relatou, admitindo ainda ter feito um levantamento com o cartão do jovem no multibanco do Hospital de Lagos.
Segundo a acusação, as duas arguidas desfizeram-se do corpo no dia 25 de março, facto que a enfermeira reconheceu, dizendo ter sido aliciada por Maria a deslocarem-se a Tavira, onde depositaram partes do cadáver.
Segundo Mariana, foi a segurança quem colocou as partes do corpo do jovem “em sacos de lixo e os atirou por uma ribanceira no Pego do Inferno, em Tavira”, tendo as restantes partes do corpo sido abandonadas em Sagres, no extremo oposto do Algarve.
A arguida relatou ainda que a ex-companheira tentou matá-la, enquanto dormia, na noite em que levaram o corpo de Diogo para casa, colocando-lhe “os braços à volta do pescoço e apertando com força”, mas Maria alegou tratar-se de um “sonho”.
Advogado critica investigação da PJ
Em declarações aos jornalistas no final do primeiro dia do julgamento, no Tribunal de Portimão, João Grade considerou que a perícia efetuada à garagem da casa das arguidas “não foi feita da melhor forma, ou foi feita de maneira defeituosa”, não existindo, por isso, qualquer facto que aponte para a presença da sua constituinte, Mariana Fonseca, no local.
De acordo com a acusação do Ministério Público, terá sido na garagem da casa que partilhavam no Chinicato, em Lagos, que ambas terão desmembrado o corpo de Diogo Gonçalves, de 21 anos, em março de 2020, depois de o terem matado em Algoz, no concelho de Silves.
A posição do defensor da enfermeira foi manifestada depois de o inspetor Nuno Nunes assumir na audiência de julgamento que a PJ “não recolheu vestígios do crime na garagem”.
Questionado por João Grade como testemunha arrolada pela acusação sobre a convicção da PJ de que a garagem teria sido o local do desmembramento do corpo, o inspetor referiu que “não foram recolhidos vestígios, mas ali aconteceu alguma coisa”.
Durante a sua audição, Nuno Nunes disse ter a convicção de que as duas mulheres “tiveram a mesma participação no crime”, imputando à enfermeira o “fornecimento das drogas” para imobilizar Diogo Gonçalves.
“Mariana terá fornecido as drogas, reanimado o homem, segurado na mão [do cadáver] para o corte dos dedos, e o esquartejamento terá sido feito na presença das duas. Também estão as duas quando se desfazem dos pedaços do cadáver”, afirmou, perante o coletivo de juízes.
O inspetor disse ao tribunal que foram feitas duas reconstituições do crime, individualmente com cada uma das arguidas, tendo apenas participado numa das diligências com a arguida Maria Malveiro, segurança de profissão.
“Voluntariamente as arguidas participaram numa reconstituição, levaram-nos aos locais, a Maria descreveu os sítios onde o cadáver foi esquartejado e onde foi deixado”, assegurou.
Interpelado pelo advogado João Grade sobre o momento e local da detenção de Mariana Fonseca pela PJ, Nuno Nunes disse “não se lembrar de participar na detenção” da mulher e que a mesma “teria sido detida nas instalações da PJ em Portimão”.
Confrontado com as suas declarações, o inspetor emendou a sua posição e apontou o hospital de Lagos como o local da detenção da enfermeira, que estaria a trabalhar, como consta da acusação.
Nuno Nunes é o único inspetor da PJ arrolado como testemunha no processo, numa investigação que teve a participação de mais elementos e coordenada, segundo o próprio referiu, pelo inspetor-chefe João Carlos.
De acordo com o inspetor, a investigação da polícia conseguiu apurar que foram feitos vários levantamentos de dinheiro da conta da vítima no multibanco, “o primeiro logo na noite em que terá ocorrido a morte do homem, em 20 de março de 2020, em Portimão, no valor de 400 euros”.
“Foram verificados também levantamentos de 400 euros numa caixa automática no Hospital de Lagos e outro de montante igual em São Brás de Alportel, bem como transferências para as contas de cada uma das arguidas”, referiu.
Aquele investigador referiu ainda que as arguidas “terão usado o dedo indicador, cortado ao falecido”, para desbloquear o telefone e mandar mensagens que foram enviadas para várias pessoas, como também para a utilização de uma aplicação para a transferência de dinheiro.
(Notícia atualizada às 20:24)
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