Ao entrar na sala para a sessão de hoje, a juíza de instrução criminal Carina Santos nem deu inicio aos trabalhos, comunicando aos presentes que o testemunho da procuradora do Ministério Público (MP) Alexandra Catatau no anterior processo impede a sua participação no debate instrutório, pelo que é necessário uma substituição para continuar os trabalhos.

A juíza disse esperar que este impedimento não atrase em mais de uma semana a marcação do debate instrutório (fase final da instrução do processo, que define quem vai ou não a julgamento e em que moldes). A sessão foi interrompida na tentativa de se arranjar de imediato o nome do magistrado do MP substituto.

À entrada para o tribunal, a equipa de advogados que representa a família do cidadão ucraniano que morreu em março de 2020, nas instalações do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) no aeroporto de Lisboa, tinha manifestado a expectativa da viúva de que os arguidos sejam levados a julgamento.

Em declarações aos jornalistas, Anna Hutsul, da equipa de advogados, disse que a saúde de Oksana Homeniuk nunca mais foi a mesma desde a morte do marido e acrescentou que "o que a viúva pretende é que neste momento as pessoas envolvidas direta ou indiretamente no homicídio sejam punidas".

A instrução do segundo processo foi pedida por dois arguidos: António Sérgio Henriques, ex-diretor de Fronteiras do SEF, e Manuel Correia, vigilante do espaço equiparado a centro de instalação temporária (EECIT) do aeroporto.

António Sérgio Henriques - afastado do cargo pelo Ministério da Administração Interna em março de 2020, após a morte de Ihor Homeniuk - responde por denegação de justiça e prevaricação. Já os inspetores João Agostinho e Maria Cecília Vieira são acusados de homicídio negligente por omissão, enquanto aos vigilantes Manuel Correia e Paulo Marcelo são imputados os crimes de sequestro e exercício ilícito de atividade de segurança privada.

Quanto ao ex-diretor de Fronteiras do SEF, o MP entendeu que o arguido agiu "com o propósito concretizado de, com a sua conduta, omitir que os inspetores Duarte Laja, Bruno Sousa e Luís Silva procederam à algemagem de Ihor Homeniuk com as mãos atrás das costas e assim foi aquele deixado entre o período compreendido entre as 08:40 e as 16:40".

Em relação aos inspetores Maria Cecília Vieira e João Agostinho, o MP concluiu que sabiam que o cidadão ucraniano estava algemado com as mãos atrás das costas durante oito horas e sem vigilância, não tendo comunicado isso aos respetivos superiores nem retirado as algemas quando Ihor Homeniuk estivesse mais calmo.

O MP acusa ainda os vigilantes Manuel Correia e Paulo Marcelo de imobilizarem Ihor com fita adesiva à volta dos tornozelos e dos braços, considerando que "agiram de mote próprio, sem ordem ou autorização para recorrer àquela forma de constrição de movimentos".

O primeiro processo sobre a morte de Ihor Homeniuk levou à condenação a nove anos de prisão dos inspetores do SEF Duarte Laja, Luís Silva e Bruno Sousa por ofensa à integridade física grave qualificada, agravada por ter resultado na morte da vítima.

Os três inspetores apresentaram-se em agosto na prisão de Évora para cumprir os quase seis anos que lhes restam, após terem estado desde 2020 em prisão domiciliária.

Segundo a acusação do MP no primeiro processo, Ihor Homeniuk morreu por asfixia lenta, após agressões a pontapé e com bastão perpetradas pelos inspetores, que causaram ao cidadão ucraniano a fratura de oito costelas. Além disso, tê-lo-ão deixado algemado com as mãos atrás das costas e de barriga para baixo, com dificuldade em respirar durante largo tempo, o que terá causado paragem cardiorrespiratória.