O Governo PSD/CDS-PP liderado por Luís Montenegro enfrenta hoje a sua primeira moção de censura, menos de 11 meses depois de tomar posse, apresentada pelo Chega e com rejeição garantida pelo parlamento.

A moção, com debate marcado para as 15h00, tem por título “Pelo fim de um Governo sem integridade, liderado por um primeiro-ministro sob suspeita grave”, e tem na origem a situação da empresa da qual Luís Montenegro foi sócio até junho de 2022 e que agora pertence à sua mulher e aos filhos de ambos.

Na quinta-feira, o líder do Chega, André Ventura, admitiu retirar a moção, caso o primeiro-ministro preste esclarecimentos ou faça chegar documentação ao parlamento.

De acordo com o Regimento, uma moção de censura pode ser retirada até ao termo do debate. Se for a votos e for rejeitada, os signatários não poderão apresentar outra durante a mesma sessão legislativa. A sua aprovação implicaria a demissão do Governo.

Qual a estrutura do debate?

A abertura do debate - com duração prevista de três horas - cabe ao líder do Chega durante 12 minutos, seguindo-se idêntico tempo para o primeiro-ministro, que tem remetido para a moção de censura todos os esclarecimentos sobre o caso.

Depois, haverá 134 minutos para pedidos de esclarecimentos dos partidos ao Governo – por ordem de inscrição -, dispondo cada bancada de cinco minutos para a primeira pergunta.

O encerramento, com dez minutos para o Governo e outros dez para o Chega, antecede a votação do documento, que tem ‘chumbo’ garantido, com a restante oposição a acusar o partido de Ventura de querer desviar a atenção dos seus próprios casos judiciais internos.

Montenegro vai mesmo falar sobre a empresa?

Na quarta-feira, ainda no Brasil onde esteve para a 14.ª cimeira bilateral, Luís Montenegro referiu-se pela primeira vez ao caso, de viva voz.

" Prestarei todos os esclarecimentos na Assembleia da República (…) Estou muito tranquilo, farei aquilo que é a minha obrigação, com toda a tranquilidade de quem honrou sempre a sua vida pessoal, profissional e política por critérios de honestidade, de tolerância e de respeito por toda a gente", afirmou.

Como se soube do caso da empresa?

O Correio da Manhã noticiou no sábado que a empresa Spinumviva da família de Luís Montenegro "poderá beneficiar com a alteração à lei dos solos aprovada pelo Governo" e que, sendo o primeiro-ministro "casado em comunhão de adquiridos com a principal sócia da firma", isso o deixará "numa situação de potencial conflito de interesses".

Em resposta por escrito ao jornal, o primeiro-ministro defendeu que não existe qualquer conflito de interesses, afirmou que desde 30 de junho de 2022 não é sócio dessa empresa, de que foi fundador e gerente, e que "nunca foi, não é e não será objeto da atividade da empresa qualquer negócio imobiliário ligado à alteração legislativa" da lei dos solos.

Luís Montenegro acrescentou que, do vasto objeto social dessa empresa, apenas teve execução a prestação de consultoria no âmbito da proteção de dados pessoais e assegurou que esta não teve contratos "nem nenhuma relação com qualquer entidade pública".

Entretanto, o Correio da Manhã noticiou que a alegada venda da quota de Luís Montenegro à mulher na empresa da família é nula, por ser proibida pelo Código Civil esse tipo de transmissão entre cônjuges.

Este jornal e outros órgãos de comunicação social foram acrescentando outros dados sobre a empresa: entre 2021 e 2023, teve uma faturação total de 718 mil euros e um lucro total de 345 mil euros, sendo o total de gastos com pessoal de 92 mil euros.

A venda de quotas pode mesmo ser nula?

Uma vez que o primeiro-ministro e a sua mulher estão casados em regime de comunhão de bens adquiridos e a empresa Spinumviva foi criada já depois do casamento, o Código Civil impede que Luís Montenegro venda as suas quotas à mulher.

Segundo o Correio da Manhã, Montenegro vendeu as suas quotas à mulher e aos dois filhos através de um contrato celebrado a 30 de junho de 2022 e, de acordo com o contrato publicado pelo mesmo jornal, o pagamento da compra das quotas terá sido feito por transferência bancária.

Como explicou Luís Menezes Leitão, “a participação de cônjuges na mesma sociedade é possível”. No entanto, “a lei vem dizer que não é possível a compra e venda entre cônjuges”.

O advogado apontou para o artigo 1714 do Código Civil, cuja segunda alínea refere que estão proibidos “os contratos de compra e venda e sociedade entre os cônjuges, exceto quando estes se encontrem separados judicialmente de pessoas e bens”.

O antigo bastonário da Ordem dos Advogados disse não ter dúvidas de que “a compra e venda é nula” quando está em causa um casamento em regime de comunhão de bens adquiridos e que “a nulidade pode ser invocada a qualquer momento, por qualquer pessoa”.

Ao contrário da venda de quotas, o que pode acontecer é, acrescentou o advogado, uma doação de quotas entre marido e mulher. “Mas tendo as quotas sido doadas, uma vez que se trata de doação de quotas entre casados, esta pode ser revogada”.

Em resposta ao Correio da Manhã, Luís Montenegro disse apenas que deixou de ser sócio da empresa Spinumviva a 30 de junho de 2022, data do contrato de cessão e divisão de quota revelado pelo mesmo jornal, que indica que o primeiro-ministro vendeu a quota de 62,5% à mulher e aos dois filhos.

*Com Lusa