Felipe Luis Codesal abriu o portão para um campo de três hectares na sua quinta em Zamora, no noroeste espanhol, e relata: "Foi aqui que aconteceu".

O resto da história contou-a à BBC. Em novembro, uma matilha de lobos atravessou a cerca que rodeava o campo durante a noite e atacou as suas ovelhas — muitas das quais prenhas. Na manhã seguinte, quando chegou ao local, deparou-se com 11 animais mortos. Nos dias posteriores, outros 36 morreram devido aos ferimentos sofridos nesse ataque.

O receio deste agricultor passa pelo medo de que este tipo ataques se tornem mais frequentes se uma proposta de alteração às leis de proteção do lobo-ibérico entrar em vigor — o governo espanhol pretende impedir que a espécie seja alvo de caça, classificando-o como uma espécie ameaçada e em vias de extinção. A mudança da lei ainda não foi implementada, mas pode trazer mudanças. 

"É como uma discoteca quando há um fogo. Há uma debandada e as pessoas são espezinhadas e feridas. Isto é o mesmo", explicou Codesal à emissora britânica para depois afirmar que não teve direito a qualquer compensação financeira estatal, além de estimar que as perdas se situam entre os 12 e 14 mil euros. Mas ressalva que o pior nem é o lado económico. "Não se trata sequer do dinheiro. É emocional porque os animais fazem parte da minha família", conta.

"Um dia histórico"

Castela e Leão é o habitat natural da maioria dos lobos de Espanha. De acordo com a BBC, que cita dados recolhidos pelo governo local, a espécie ameaçada matou 3.774 ovelhas e vacas na região em 2019.

A quinta de Felipe Luis Codesal fica a norte do rio Douro — local onde até agora tem sido legal caçar lobos sob um rigoroso sistema de quotas, uma vez que é nessa área que são mais prevalecentes. A sul do "Duero", onde os números são inferiores, os lobos são protegidos por lei.

Grupos ligados ao ambiente e à preservação da natureza classificaram a medida de proibição de caça do lobo-ibérica anunciada em fevereiro como um marco. A organização Ecologistas en Acción até classificou a ocasião como sendo um "dia histórico".

Mas Codesal, que é membro da UPA (União de Pequenos Agricultores e Criadores de Gado), adverte que a mudança vai prejudicar os proprietários de gado ao permitir que a população de lobos vagueie pela região de forma descontrolada — a associação não está convencida com as medidas incluídas no plano para subsidiar a instalação de vedações e a utilização de cães de guarda.

O lobo-ibérico esteve perto de ser declarado extinto em meados do século XX, mas nos últimos anos tem existido um ressurgimento paulatino da espécie devido aos regulamentos de caça introduzidos nos anos 70 — e a migração de espanhóis para longe das zonas rurais ajudou.

O fluxo migratório também se alterou: os lobos mudaram-se para outros locais como as montanhas de Guadarrama, a norte de Madrid e perto da cidade de Ávila. A BBC dá números dos estimados 2.500 lobos ibéricos: cerca de 2.000 estão em Espanha (a maior fatia da população da Europa Ocidental) e o resto está no nosso país. 

Em Portugal, o lobo-ibérico é uma espécie protegida e possui, desde 1990, o estatuto de ameaça de "em perigo".

A situação portuguesa

O presidente do Instituto de Conservação da Natureza e Florestas (ICNF) disse hoje, em Montalegre, que estão regularizados todos os pedidos de indemnização feitos em consequência de ataques de lobos, uma espécie protegida em Portugal.

"Neste momento, todos os pedidos de indemnização que foram instruídos pelos proprietários e pelos lesados estão regularizados", afirmou Nuno Banza, após uma reunião na Câmara de Montalegre para discutir o problema dos incêndios rurais fora da "época quente".

Recentemente a autarquia do Norte do distrito de Vila Real alertou para um alegado ataque de lobos que terá matado vários vitelos numa propriedade de São Mateus e cujo proprietário pediu "ajuda para minorar o prejuízo".

"Nós queremos pagar os prejuízos do lobo e queremos pagá-los para garantir que o lobo, como espécie relevante para este ecossistema, continua a ter condições de conservação", garantiu Nuno Banza.

Sem especificar valores, o responsável referiu que foram pagos "dezenas de milhares de euros no país todo", o que considerou, "apesar de tudo, um valor muito baixo" e que "também mostra que muitas das indemnizações não são sequer pedidas".

"Porque, provavelmente, do lado dos pastores também não estão cumpridas as necessárias medidas de cuidado que seriam naturais ter com os rebanhos, as medidas de proteção, de vigilância, de acompanhamento diário ou periódico. Isso também gera muitas vezes uma disfunção e não é isso que nós queremos", referiu.

Para este responsável, "falar do lobo também é falar da forma como as pessoas hoje tratam os rebanhos".

"O que nós queremos é que o lobo tenha um mecanismo de pagamento dos prejuízos, uma ferramenta que possa ser utilizada pelas pessoas", frisou.

O presidente do ICNF referiu que os pedidos que chegam ao ICNF são "de muitos tipos" e às vezes em "circunstâncias onde existem matilhas de cães assilvestrados, onde se abandonam os rebanhos e há inevitavelmente conflitos de interesses, que não têm diretamente a ver com o lobo".

"Estamos falar de sistemas que têm várias variáveis e aquilo que nós tentamos fazer é separar essas variáveis", referiu.

Recentemente, em Montalegre, também foi notícia a morte de um lobo, encontrado em Xertelo, freguesia de Cabril, e em circunstâncias que estão a ser investigadas pelo Serviço de Proteção da Natureza e do Ambiente (SEPNA), da GNR.

* com agências