Milodanovic Pere interrompe o trabalho para uma curta conversa. Fato de treino preto com lama e cerveja na mão, lamenta não poder oferecer nada, afinal nem eletricidade tem. Dono de cinco apartamentos na pequena cidade do estado da Renânia do Norte-Vestefália, vive há quarenta anos na Alemanha. Nunca viu nada assim.
“Já tinha assistido a algumas inundações, com a água a chegar à arrecadação ou ao ‘hall’ de entrada, mas em que se conseguia bombear para o exterior. E não havia problema. Mas agora, é uma verdadeira catástrofe. Tivemos de deitar tudo fora. Tudo”, lamenta.
Recém-regressado de férias, viu a água subir em pouco tempo, alagando completamente o rés-do-chão dos edifícios, atingindo mais de um metro.
“Conto aproximadamente 30 a 40 mil euros em despesas. Tudo precisa de ser reconstruído — o chão, as paredes. A eletricidade precisa de ser refeita completamente, por exemplo, as tomadas. Todos os lugares onde houve água, há que refazer totalmente. O eletricista está a montar um novo sistema, supostamente teremos eletricidade ainda hoje”, adianta.
O trabalho começa cedo, termina tarde. Todos os dias sem descanso, “pelo menos mais 4 a 5 meses, até que tudo volte a estar como antes”, prevê.
Do primeiro andar de um desses edifícios teve de sair José Santos de bote, quando ainda estava a amanhecer. O médico, de Moita dos Ferreiros, concelho da Lourinhã, tinha chegado a Hattingen há cerca de uma semana para terminar a especialidade em neurologia, quando foi resgatado.
“Na primeira noite não dormi nada”, recorda, enquanto vai apontando para uma marca num edifício que mostra até onde o nível da água chegou a 14 e 15 de julho.
“As pessoas estão expectantes, não sabem muito bem o que vem a seguir. Há muita gente que não tem seguro e tem de arcar com todas as despesas que são bastante avultadas. Há pessoas com uma certa idade que perderam tudo, e que ainda estão a viver em hotéis. Estão muito em baixo e têm acompanhamento psicológico”, partilha.
A conversa é acompanhada de sons de obras não muito longe. Ali ao lado, o senhor Müller vai esfregando com paciência as canas de pesca, enquanto conta uns oito mil euros de despesas. A pesca, que pratica ali ao lado, no rio Ruhr, terá de esperar.
Em Hattingen, cerca de 500 pessoas foram afetadas com as cheias que apanharam as autoridades de surpresa. José Santos explica que, quase todos os anos, são feitas uma drenagem e uma limpeza completa do rio. Agora os cuidados prometem ser reforçados.
As conversas entre os vizinhos, revela Milodanovic Pere, andam sempre à volta das cheias e do valor dos prejuízos.
“Falamos disso todos os dias (…) Todos tiveram problemas com as inundações, todos precisam de limpar ou de deitar coisas fora. Ainda nem sequer conseguimos terminar com todas as limpezas”, desabafa.
A chuva, miudinha, continua a cair, mas já “não tem nada a ver” com a do mês de julho, esclarece o médico português.
“O que choveu nesses sete dias prévios à grande cheia foi brutal, era todos os dias torrencialmente e sem parar. No dia da cheia choveu tanto como no mês inteiro”, recorda.
As cheias de julho, na Alemanha, provocaram mais de 180 mortos. A justiça alemã já anunciou que vai investigar suspeitas de falhas na gestão do sistema de alertas e da retirada dos habitantes, para iniciar eventuais processos criminais.
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