Amanhã o destaque será naturalmente outro — o regresso do campeonato de futebol. Mas, antes disso, é "preciso respirar" aquilo que vem do outro lado do Atlântico. Porque os protestos devido à morte de George Floyd e os cartazes com as frases I can't Breath ("Não consigo respirar"), Stop Killing ("Parem de Matar") ou Black Lives Matter ("Vidas Negras Importam") continuam a agitar os Estados Unidos — e até alguns pontos da Europa.
Pouco antes das 00h00 de ontem, Donald Trump, falou aos jornalistas num dos jardins da Casa Branca, o Rose Garden, para reafirmar a possibilidade de que poderá recorrer à força militar como resposta às manifestações. "Sou o vosso presidente da ordem e da lei e um aliado de qualquer manifestante pacífico". (Antes já tinha dito que os governadores "eram fracos"). É uma frase forte, mas que espelha aquilo que têm sido as suas intervenções relativamente a este tópico que parece não ter resolução à vista num futuro próximo.
E há duas maneiras de interpretar o modo como o presidente norte-americano tem abordado o tema: há aqueles que o apoiam e estão de acordo com a sua retórica, pois os protestos estão a ir longe demais; e há aqueles que consideram que a leviandade com que ameaça chamar os militares para controlar os protestantes é digna de alguém quem tem pouco estofo democrático. (E, para estes últimos, o facto de ter empenhado uma Bíblia na mão enquanto dizia a sua sentença, não terá certamente ajudado.)
No sábado, o meu colega António Moura dos Santos, escreveu que a situação atual dos Estados Unidos era um "barril de pólvora à espera de rebentar no que à instabilidade concerne", pois é um país que já se "encontrava a ser fustigado por uma pandemia descontrolada e caminhava para uma situação económica negra". Porém, "a morte de George Floyd foi o que acendeu finalmente o rastilho". Hoje, acrescentaria que os críticos de Trump consideram que as suas declarações funcionam como napalm adicional a esse rastilho. (Nancy Pelosi pediu mesmo ao presidente que não "atice as chamas" com a Bíblia na mão.)
Independentemente do lugar de cada um de nós neste âmbito, o dia começou com a luta contra o racismo. Porque se Portugal adormeceu com novas declarações fortes de Trump, o mesmo Portugal acordou com relatos, vídeos e fotografias de manifestantes em vários pontos dos Estados Unidos que se ajoelharam durante os protestos, por vezes acompanhados por polícias.
Mas são cada vez cada vez mais as vozes, incluíndo celebridades ou futebolistas, que se manifestam contra a discriminação racional. Ontem, tinha sido o plantel do Liverpool a ajoelhar-se em Anfield Road. Hoje, foram os jogadores do PSV Eindhoven, do internacional português Bruma, e dos ingleses do Chelsea seguirem o exemplo do campeão europeu. Todavia, os protestos não se ficam pelo mundo do desporto. Na cultura, editoras, artistas e serviços de streaming como o Spotify cumpriram hoje um dia de silêncio nas suas redes sociais em protesto contra o racismo e em solidariedade com as suas vítimas.
O gesto e a polémica não são de agora. Mas vistas bem as coisas parece tudo tão atual como então. Tudo remonta a 26 de agosto de 2016, quando Colin Kaepernick, jogador afro-americano dos San Francisco 49ers, equipa da NFL, se ajoelhou durante o hino nacional. Muitos consideram que se tratou de algo altamente ofensivo e desadequado para a cerimónia que antecedeu um jogo. "Não me vou levantar para mostrar orgulho por uma bandeira de um país que oprime negros e pessoas de cor", justificou Kaepernick.
No espetro político, Joe Biden, candidato democrata e opositor de Trump nas próximas eleições, fará um discurso esta noite em Filadélfia. De acordo com trechos fornecidos aos jornalistas, já é possível saber mais ou menos aquilo que vai sair dali: Biden deverá acusar o Presidente de estar mais preocupado com a sua reeleição do que com as divisões provocadas pelas manifestações violentas nos EUA.
Todavia, Trump refuta esta ideia. Tanto que, com recurso à rede social que o próprio condena pela falta de liberdade de discurso, alegou que a "sua administração fez mais pela comunidade negra do que qualquer outro presidente desde Abraham Lincoln". Se as declarações de ontem já alimentaram muita opinião, esta certamente irá dar muito material para debates vindouros.
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