Em entrevista à agência Lusa, a propósito do ponto da situação do projeto de ampliação, que tem vindo a ser concretizado faseadamente desde 2015, a nova diretora disse que o espaço disponível no Convento de São Francisco "é o dobro do atual, mas não tem condições" para ser usado.

"Estamos em fase de levantamento dos espaços, em diálogo com a tutela [Ministério da Cultura] para calendarizar os procedimentos e a procurar mecenas que apoiem", indicou, acrescentando que o Comando Metropolitano PSP que ali detinha instalações, ainda não saiu completamente do edifício.

Situado no centro histórico de Lisboa, o Museu do Chiado foi fundado em 1911, como Museu Nacional de Arte Contemporânea, e o seu acervo integra mais de 5.000 peças de arte, num percurso cronológico desde 1850 até à atualidade, incluindo pintura, escultura, desenho, fotografia e vídeo.

Em julho de 2015, depois de duas décadas de negociações que passaram por vários Governos, o Museu do Chiado foi ampliado para a Rua Capelo, de onde saíram as antigas instalações do Governo Civil de Lisboa, e passou a ter duas entradas, com a da Rua Serpa Pinto.

"A coleção precisa de crescer, está estrangulada. Temos muitas propostas de doação e de depósito e não podemos aceitá-las."

A diretora, que assumiu funções faz em dezembro um ano, disse à Lusa que o museu "continua muito constrangido", porque não consegue crescer para fazer mais exposições temporárias e de longa duração, criar espaço para reservas, e um Serviço Educativo, que ainda não tem.

"A coleção precisa de crescer, está estrangulada. Temos muitas propostas de doação e de depósito e não podemos aceitá-las", disse Emília Ferreira à Lusa.

Questionada se, pelo contrário, houve colecionadores que tenham pedido para retirar peças, tal como aconteceu em fevereiro deste ano, quando Isabel Vaz Lopes retirou um importante conjunto de fotografia portuguesa contemporânea em depósito no museu, fazendo críticas à entidade, Emília Ferreira disse que não voltou a suceder, "antes pelo contrário, há vários que querem entregar".

As obras retiradas pela colecionadora Isabel Vaz Lopes viriam, mais tarde, a ser vendidas em leilão, e o Ministério da Cultura acabou por comprar algumas fotografias, por proposta do museu, através da Direção-Geral do Património Cultural.

"Do lado da Rua Capelo, as salas são pequenas e as portas também. São espaços que não foram criados para servir como museu e não cabem as obras grandes que também queríamos mostrar", apontou Emília Ferreira, sobre as novas instalações, recebidas em 2016.

Recordando que o Museu do Chiado “é o único Museu Nacional de Arte Contemporânea do país, com mais de cem anos de história, e uma coleção única, numa zona histórica, no coração de Lisboa", Emília Ferreira indicou que estão a fazer diligências para melhorar a sinalética e torná-lo mais visível para o público.

Questionada sobre as negociações com o Grupo Sonae, principal mecenas do Museu do Chiado, sobre o protocolo que termina este ano, indicou que estão ainda em conversações.

Sobre a programação para o próximo ano, disse à Lusa que já está fechada, mas escusou-se a revelá-la, por enquanto, porque falta uma aprovação formal da tutela.

No entanto, avançou que pretende mostrar artistas menos conhecidos do grande público, nomeadamente algumas mulheres artistas, como a pintora Sarah Afonso (1899—1983) e a pintora, ilustradora, cenógrafa e figurinista Maria Adelaide de Lima Cruz (1908-1985).

"São artistas que merecem, não só pela relevância do trabalho, mas também pelo desconhecimento que o público tem delas", justificou, acrescentando que, "em muitos casos, as mulheres artistas foram apagadas historicamente, culturalmente e socialmente".

O objetivo é, segundo a responsável, "realizar mais investigação sobre os artistas e a sua obra, que beneficiem o conhecimento sobre a coleção, ampliar o conhecimento sobre os artistas e o papel que tiveram no seu tempo".

Museu do Chiado tem de ter mais meios para ser "a casa dos artistas"

Emília Ferreira, defende que aquela entidade deve ter meios para ser "a casa dos artistas" plásticos, dando razão às críticas do grupo que entregou uma carta reivindicativa ao Governo.

"Os artistas têm razão. O Museu do Chiado não tem capacidade de apoiar a classe artística contemporânea", disse a responsável à Lusa, questionada numa entrevista à agência Lusa sobre aquela missiva que um grupo de 200 artistas entregou este mês ao primeiro-ministro, António Costa.

Na carta, os artistas lamentavam a falta de apoios nesta área, e o respetivo impacto negativo na vida dos artistas e na arte contemporânea portuguesa, criticando também aquele museu.

Segundo a responsável, "não tem havido meios, situação que vem de há anos, mas há vontade política de mudar", declarou, mostrando-se crente no diálogo, "embora Portugal nunca poderá vir a adquirir muitas obras de arte, porque não é um país rico".

"Mas há formas de se fazer mais do que se tem feito, e isso é urgente", defendeu, na primeira entrevista que dá desde a nomeação para a direção do Museu do Chiado, há cerca de um ano.

"O Museu do Chiado deve ser a casa dos artistas vivos, porque os outros museus trabalham com artistas mortos, que já não precisam de ajuda."

O Museu do Chiado foi fundado em 1911, como Museu Nacional de Arte Contemporânea, e o seu acervo integra mais de 5.000 peças de arte, num percurso cronológico desde 1850 até à atualidade, incluindo pintura, escultura, desenho, fotografia e vídeo.

"Tal como esses artistas disseram [ao primeiro-ministro], o Museu do Chiado deve ser a casa dos artistas vivos, porque os outros museus trabalham com artistas mortos, que já não precisam de ajuda, e este é o único museu nacional de arte contemporânea", anuiu.

Emília Ferreira recordou os problemas estruturais do museu, que têm a ver com a falta de espaço, pese embora ter sido alargado ao espaço da Rua Capelo, nos recursos humanos e financeiros, assinalando que há poucos meios para adquirir novas obras.

A responsável disse, na entrevista, que pretende seguir neste museu uma filosofia de "trabalhar para atrair o público, sem perder a qualidade", e sem ter de recorrer a exposições 'blockbusters', como foi a dedicada a Amadeo de Sousa-Cardoso, no ano passado, que fez aumentar muito os visitantes do museu.

Nesse sentido, Emília Ferreira pretende conquistar público de forma inclusiva, criando exposições com conteúdos, "que divulguem artistas menos conhecidos, também alvo de investigação, e despertem o interesse dos especialistas e do público, sem terem de ser apresentadas de forma simplista".

"O nosso foco será na coleção do museu e dá-la a conhecer cada vez mais. Uma relação nem sempre é um amor à primeira vista. Pode ser construído, e o público pode vir regularmente ao museu conhecer os seus amigos, que são os artistas. Pode eleger algum da sua preferência e descobri-lo de vez em quando", sugeriu.

Paula Rego, Helena Almeida, Amadeo de Sousa-Cardoso, Jorge Pinheiro "e tantos outros artistas merecem ser vistos pelo público e disponibilizarem-se a sentir emoções com as suas obras, que estão nos museus”.

"Portugal é conhecido pelo turismo de praia e pela gastronomia, mas está na altura de investir no turismo cultural"

A diretora do Museu do Chiado vai mais longe e defende mais apoio para a cultura, uma área que, no seu entender, vai ser cada vez mais importante no futuro.

"Portugal é conhecido pelo turismo de praia e pela gastronomia, mas está na altura de investir no turismo cultural. A cultura vai ser a grande indústria do século XXI, e é esse barco que temos de apanhar", defendeu, rejeitando as opiniões de que os artistas querem viver de subsídios.

"Não faz sentido que as pessoas aceitem pagar preços elevados por bilhetes de futebol, e depois não queiram consumir cultura, que é a sua identidade"

Para Emília Ferreira "não faz sentido que as pessoas aceitem pagar preços elevados por bilhetes de futebol, e depois não queiram consumir cultura, que é a sua identidade".

"A cultura é algo que nos define, que nos salva e que nos perde. Não podemos dizer que a beleza e a perturbação vinda das obras de arte não servem para nada. Os artistas têm essa função de nos maravilhar, de nos manter alerta e de nos perturbar", salientou à Lusa.

Considera que “se Portugal quer progredir como país, tem de apoiar o que mais o distingue, que é a cultura, as artes, a música, a literatura, a dança e a gastronomia".

Licenciada em Filosofia pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, Emília Ferreira é mestre e doutora em História da Arte Contemporânea, pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa (FCSH/UNL).

A sua tese de doutoramento, intitulada “Lisboa em Festa: a Exposição Retrospetiva de Arte Ornamental Portuguesa e Espanhola, 1882. Antecedentes de um Museu” foi recentemente publicada em livro, no âmbito da coleção Estudos de Museus, uma parceria DGPC/editora Caleidoscópio.

Trata-se de uma obra sobre o “primeiro sucesso maciço de público” em Portugal, acontecimento que esteve na génese do Museu Nacional de Arte Antiga.

É investigadora do Instituto de História da Arte (UNL) e investigadora associada na Universidade de Victoria, Canadá.

Curadora de exposições de artes plásticas, educadora e também escritora de ficção, colabora com o Centro de Arte Moderna da Fundação Calouste Gulbenkian, desde 1997, e foi membro da Casa da Cerca – Centro de Arte Contemporânea, em Almada, de 2000 a 2017.