Em entrevista à agência Lusa, a ex-eurodeputada socialista defende que a proposta do Governo de Orçamento do Estado para 2021 “vai no bom sentido”, espera que não haja crise política na atual conjuntura de crise sanitária, económica e social, mas entende que a presente situação de tensão negocial entre as forças políticas de esquerda não existiria se houvesse um acordo sólido de legislatura.
“Não critico o professor Cavaco Silva por ter feito essa exigência [de um acordo escrito em novembro de 2015]. Acho que foi positiva no sentido de ter ajudado a que se criasse a solução parlamentar de base estável que a que todos chamamos ‘geringonça'”, sustenta a ex-eurodeputada socialista.
O atual Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, segundo Ana Gomes, pelo contrário, “devia ter mostrado a seguir às eleições legislativas de outubro de 2019 muito mais empenho na procura de uma solução governativa de base parlamentar sólida”.
“Uma solução que teria certamente preparado muito melhor o país, não só para fazer face a esta crise por causa da pandemia, mas também para fazer as reformas de fundo que obviamente o país necessitava”, advoga a antiga dirigente do PS.
Interrogada como vê a atual situação de impasse negocial no Orçamento do Estado entre o Governo e os parceiros parlamentares à sua esquerda, Ana Gomes diz esperar que a” tentação de agitar o espetro de uma crise política já tenha sido engavetada”.
“Espero que não haja crise política, porque os portugueses não querem e não precisam de crise política num momento em que já estão a braços com uma tremenda crise sanitária e económica, social e, no fundo, de segurança coletiva. Acho que o Orçamento vai no bom sentido, porque tem havido a capacidade de o Governo justamente fazer uma negociação à esquerda, refletindo, de resto, aquilo que é a clara indicação que vem do eleitorado nas últimas eleições”, defende.
Ana Gomes elogia mesmo “o esforço negocial que o Governo tem feito e que está refletido no Orçamento, indo ao encontro de muitas das sugestões dos partidos da esquerda”.
“Há ainda caminho para fazer e algumas das exigências que são feitas pelos partidos à esquerda são pertinentes, por exemplo a da proibição dos despedimentos nas empresas que têm apoio do Estado, ‘lay-off’ e não só”, aponta.
Questionada sobre o que espera da reunião da Comissão Nacional do PS do próximo dia 31, que decidirá o posicionamento deste partido em relação às eleições presidenciais, a ex-eurodeputada socialista alega que é atualmente apenas uma “mera militante de base”.
“Não vou lá estar nessa reunião e não quero interferir na decisão dos órgãos próprios do partido. Um partido democrático não pode estar refém de um ou de um punhado de homens. Existe para refletir em conjunto. Confio que os militantes socialistas são livres e sabem pensar pela sua própria cabeça”, salienta.
Interrogada se partilha a crítica do antigo porta-voz do PS e seu apoiante Paulo Pedroso de que há um culto do chefe no partido liderado por António Costa, Ana Gomes refere apenas que essa é a perceção de Paulo Pedroso.
“Ele conhece melhor o partido do que eu, porque foi dirigente mais tempo e tem muitos contactos com a própria máquina partidária, o que não é o meu caso. Certamente que é uma opinião com conhecimento de causa, mas é dele, não é minha”, diz.
Neste capítulo relativo ao posicionamento dos socialistas perante os vários candidatos na corrida a Belém, a ex-eurodeputada socialista prefere antes recorrer à história das eleições presidenciais para argumentar que sempre que o seu partido teve uma posição clara de apoio a um candidato em eleições presidenciais “o PS fez a diferença, tal como aconteceu com as eleições do general Ramalho Eanes, de Mário Soares e de Jorge Sampaio”.
“Quando o PS não foi a jogo ou se dividiu, então o candidato de direita foi eleito. É importante que os socialistas tenham isto em mente quando tomarem a sua decisão”, contrapôs.
Em relação aos socialistas críticos da sua candidatura, como o ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva, que sugere Ana Gomes não tem perfil para ser apoiada pelo PS, a diplomata opta pela desdramatização, contrapondo que tem “muitos socialistas a apoiarem-na e a encorajarem-na para avançar.
“Penso que tenho as características necessárias para ser eleita Presidente da República. A moderação, o papel de árbitro do Presidente da República, é realmente muito importante. E tenho até pela minha formação de diplomata demonstradas essas qualidades que nunca se sobrepuseram a outras qualidades que também acho necessárias, em particular no topo do Estado, como seja zelar pelo regular funcionamento das instituições democráticas”, frisa.
Nesta entrevista, Ana Gomes diz ainda contar a presença ativa do atual presidente do Conselho Económico e Social, Francisco Assis, na sua campanha, observando que se trata de uma pessoa que no espetro do próprio PS estará certamente à sua direita.
No que respeita a outros apoiantes, a ex-eurodeputada socialista afirma estar aberta a todos os apoios provenientes do campo democrático, mas “não àqueles que têm claramente uma agenda antidemocrática”, como o partido Chega.
“Esse partido representa a extrema direita fascista, à semelhança das formações europeias a que está associado e que são do pior e de pior memória histórica que os europeus não devem perder”, acusa.
Interrogada se tem falado com o anterior secretário-geral do PS, António José Seguro, que apoiou em eleições primárias neste partido contra o atual líder, Ana Gomes conta que esteve muitos anos sem o ver, desde que ele abandonou a liderança do PS no final de setembro de 2014.
“Mas há cerca de dois meses estive com ele em Penamacor. Foi um prazer voltar a estar com ele e nessa altura eu ainda não tinha decidido se iria apresentar ou não a minha candidatura. Gosto de falar com ele. É uma pessoa séria que muito prezo. Acho que foi líder numa fase muito complicada da vida do PS, logo a seguir a José Sócrates”, refere.
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