As alterações a que se refere o também professor catedrático convidado da Universidade Católica de São Paulo e da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará, bem como da Universidade de S. Bernardo do Campo, em São Paulo, "foram feitas ao sabor de uma circunstância", de uma crise económica e política, e "mantiveram-se no tempo".

Essas leis limitaram a acção do poder executivo do Presidente, transferindo competências para um congresso de deputados que hoje está fragmentado como nunca na história recente do país.

"E isto é um problema das leis, diz-se quando entram em vigor mas nunca quando cessa a sua vigência. As leis deviam ter uma dimensão no tempo", defendeu aquele que foi também, vários anos, o presidente do Instituto Brasileiro da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa e que continua a exercer funções de coordenação de investigação na área do direito luso-brasileiro.

Algumas das alterações legislativas "são feitas para enfrentar determinadas circunstâncias, acabando, depois, por determinar algo que vai ser feito fora da circunstância que as criou. É o caso das leis do tempo do Collor, que agora acabam por afetar estes novos tempos", afirmou.

Eduardo Vera Cruz, referia-se às alterações que permitiram o "impeacheament" do ex-presidente brasileiro Collor de Mello, o primeiro "impeachement" de um presidente do Brasil e de toda a América Latina.

Mas na opinião do jurista não é a única dificuldade que Bolsonaro enfrentará na sua governação. Há "outros perigos" para o Presidente brasileiro e para o Brasil.

O problema estrutural, e não circunstancial, da Constituição brasileira leva a muitos perigos, admite.

Mas a herança de uma campanha muito "feita pelo insulto, que é um reflexo da sociedade brasileira atual", também vem dificultar "em muito", a tarefa do novo presidente "nas negociações no Congresso".

"No fundo é um presidente que se não tiver a possibilidade de reunir deputados suficientes para fazer passar as suas medidas, acaba por ficar numa situação muito complicada, que é o que já aconteceu com presidentes anteriores", afirma.

"É verdade que o poder atrai muito, e portanto vai ser uma questão de negociar, o que o novo presidente estiver disposto a ceder, e o que as maiorias parlamentares, nomeadamente o Partido dos Trabalhadores, estão dispostas a que o presidente faça. Mas isso vai ser difícil", afirmou.

Na verdade, disse Eduardo Vera Cruz Pinto, "o Brasil sempre encontrou soluções”,pelo que serão necessárias “alianças e coligações, mas estas vão colocar o governo numa grande insegurança".

Para o jurista, no contexto atual do Brasil, "haverá necessariamente coligações e alianças de partidos”.

“Temos aqui um problema estrutural que não vai ser resolvido com acordos de circunstância, que não vai poder ser resolvido com pessoas muito diferentes, de espetro ideológico completamente diverso. Os governos assim constituídos acabam sempre por ser de gestão de circunstância".

Porque, "ao contrário do que dizem alguns que estão no poder no Brasil, a ideologia é a bússola do Governo", afirmou.

O catedrático de direito considera que enquanto a Constituição brasileira continuar a obrigar a ir constantemente ao Congressos buscar "diferentes sensibilidades para trazer para dentro da governação, a governação será sempre igual".

"Pode ser mais espetacular em determinados aspetos, pode fazer o Brasil caminhar para um sentido ou para outro, mas acabará sempre por ficar numa grande nebulosa ideológica e programática, e isso é uma consequência das leis", defende.

O Congresso brasileiro, formado pela Câmara dos Deputados (câmara baixa) e o Senado (câmara alta), vai ficar mais fragmentado este ano.

De acordo com o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), na câmara baixa o número de partidos com deputados eleitos passou de 25 para 30, depois da tomada de posse dos novos parlamentares eleitos.

No senado, câmara alta, destacaram-se os partidos Rede Sustentabilidade, que tinha um senador e ficou com cinco, o PSL, que não tinha nenhum representante e conquistou quatro lugares, e o Democratas, que elegeu quatro novos nomes e tem uma bancada de sete membros.