A equatoriana Maria Fernanda Espinosa, eleita 73.ª presidente da Assembleia-Geral da ONU a 05 junho de 2018, é a primeira latino-americana e a quarta mulher a assumir este cargo em 73 anos de história das Nações Unidas.

“Dei muito ênfase ao tema da participação política das mulheres. Porque ainda existem disparidades enormes. Dos 193 países [que integram a Assembleia-Geral] só apenas 19 têm chefes de Estado ou de Governo que são mulheres. (…) Os números falam por si. Dezanove em 193 países, 75% dos parlamentares no mundo são homens, só apenas 25% são mulheres”, diz a representante numa entrevista à agência Lusa, por ocasião da sua visita a Portugal.

Na reta final do seu mandato, que deixará em setembro, Maria Fernanda Espinosa descreve que uma das várias ações que realizou nesta área foi a organização da primeira reunião de mulheres chefes de Estado e de Governo.

“A ideia era que pudéssemos partilhar experiências e obstáculos com jovens mulheres líderes, que muitas vezes têm medo de entrar no espaço da política por causa da própria discriminação, por causa dos níveis de violência política contra as mulheres. E isso eu conheço pessoalmente, eu sei como funciona, é um sistema muito violento, que exige em dobro às mulheres que estão em cargos de tomada de decisões”, afirma a diplomata e antiga ministra dos Negócios Estrangeiros e da Defesa do Equador.

Também conta que ao longo do último ano “em cada painel, em cada reunião de alto nível, em cada espaço de diálogo” que organizou na ONU a paridade de género foi sempre alcançada.

E neste campo, segundo afirma, contou um parceiro importante: o secretário-geral da ONU, António Guterres.

“Eu sempre digo, e repito, o secretário-geral é um feminista convicto. Ele conseguiu num curto espaço de tempo que todas as posições de liderança, os mais altos cargos no secretariado-geral da ONU, estejam ocupadas por mulheres e que exista paridade total na alta administração da ONU. Isso é um feito histórico e isso se faz com a decisão política de um líder feminista como é António Guterres”, realça.

Maria Fernanda Espinosa reconhece, porém, que nem todas as suas iniciativas neste campo tiveram êxito e que “há muito ainda por fazer”.

“Acredito que isto está também diretamente ligado com a necessidade de uma profunda mudança cultural, porque não estamos a fazer bem as coisas para reduzir a violência contra as mulheres, para reduzir a discriminação. E estamos no século XXI e estas coisas já não deveriam acontecer. Já não deveríamos ter sistemas de quotas. Fui uma pessoa tradicionalmente contra as quotas, mas agora me dou conta que as quotas são necessárias, são um passo necessário até a uma igualdade plena”, afirma.

Mas não é só na questão da paridade que Maria Fernanda Espinosa quer lançar um alerta, lembrando que “dolorosamente a violência contra as mulheres e as jovens aumentou”.

“Se virmos o histórico de feminicídios, por exemplo, é algo inaceitável”, diz a líder da Assembleia-Geral da ONU, enumerando ainda, entre outras formas de violência e de discriminação que afetam atualmente mulheres e jovens no mundo, a exclusão de milhões de meninas que não podem ir à escola ou a negação a mulheres do direito de aceder a serviços de saúde sexual e reprodutiva.

"Os tempos políticos e o tempo da natureza lamentavelmente se contrapõem"

A presidente da Assembleia-Geral da ONU lamenta que "os tempos políticos e o tempo da natureza" não estejam em sintonia, alertando que a comunidade internacional está "a ficar sem tempo" para responder e para lutar contra as alterações climáticas.

créditos: ANTONIO PEDRO SANTOS/LUSA

“O fator tempo na luta contra as alterações climáticas é decisivo. Porque estamos a ficar sem tempo para responder. Lamentavelmente, acho que os tempos políticos, o tempo de agir, e o tempo da natureza às vezes se contrapõem. Diria que há uma falta de sintonia entre esses tempos”, afirma Maria Fernanda Espinosa, numa entrevista à agência Lusa, por ocasião da sua visita a Portugal, que terminou no domingo.

E reforça: “O que temos de fazer é sintonizar o tempo político e o tempo de agir com o tempo da natureza. (…) Já não temos tempo para adotar ações drásticas para construir economias com um baixo nível de emissões de carbono”.

Para a representante, a cimeira que o secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, organizará a 23 de setembro em Nova Iorque para reforçar a ação climática a nível mundial, a fim de alcançar o objetivo do Acordo de Paris (nomeadamente os esforços para limitar o aumento da temperatura a 1,5 graus Celsius acima dos níveis pré-industriais), vai ser um momento crucial para essa sintonia.

“A cimeira (…) vai ser um momento político que irá colocar à prova o sistema multilateral e que nos irá dizer se realmente podemos adotar ações drásticas, aumentar a nossa ambição e colocar os nossos compromissos em cima da mesa”, defende.

Com água pelos joelhos, o secretário-geral da Nações Unidas, o português António Guterres, surgiu recentemente na capa da revista norte-americana Time, numa edição dedicada às alterações climáticas, a alertar que salvar o planeta “é a batalha das nossas vidas”.

A fotografia da capa foi captada na costa de Tuvalu (na Polinésia), uma das zonas mais vulneráveis do planeta, devido ao aumento do nível das águas do mar.

“Temos de aumentar a nossa ambição na redução de emissões (…). É absolutamente prescindível que as grandes economias, que são responsáveis pelas maiores emissões, tomem ações drásticas, drásticas na forma de produzir, na forma de consumir, uma mudança profunda de padrões de produção e de consumo”, diz Maria Fernanda Espinosa, destacando que a comunidade internacional tem ao seu dispor importantes aliados, como o conhecimento científico e as novas tecnologias, para atingir este desígnio global.

“Mas temos uma dificuldade em agir com a rapidez que é necessária”, lamenta.

Perante a pergunta se a ação global contra as alterações climáticas ainda é possível quando existem líderes mundiais que negam o impacto destas, a líder da Assembleia-Geral da ONU admite que existem alguns que têm dificuldade em reconhecer que é um fenómeno global, “que há responsabilidades comuns, mas diferenciadas para enfrentá-lo”, preferindo, porém, focar atenções em outros intervenientes.

“É importante ver o que estão a fazer os governos locais (regionais), nas cidades, nos estados individualmente, assumindo o Acordo de Paris como uma responsabilidade que têm de cumprir. Às vezes um governo central decide não o fazer, mas os governos locais têm um papel e uma função muito importante também”, conclui.