"O problema que está agora a ser investigado não tem nada a ver com a EDP. Sobre esta questão, a principal interessada em clarificar o assunto é a própria EDP", afirmou António Mexia, à margem do fórum "The Sustainable Energy for All", a decorrer em Lisboa.

O ex-presidente executivo do antigo Banco Espírito Santo (BES) Ricardo Salgado foi constituído arguido no processo que investiga apoios concedidos à EDP.

O Observador noticiou na semana passada que o ex-presidente do BES seria constituído arguido num novo caso – o caso EDP – que investiga benefícios de mais de 1,2 mil milhões de euros alegadamente concedidos à principal elétrica nacional por parte de Manuel Pinho, ex-ministro da Economia do governo de José Sócrates.

Hoje, em declarações aos jornalistas, António Mexia reafirmou que "não existem rendas excessivas" e que já manifestou "total disponibilidade para clarificar este assunto".

BE formaliza pedido de inquérito sobre "rendas excessivas" na energia no período 2004-2018

O Bloco de Esquerda formalizou hoje o pedido de constituição de uma comissão parlamentar de inquérito ao "pagamento de rendas excessivas aos produtores de eletricidade", que deverá funcionar por quatro meses e abranger os governos entre 2004 e 2018.

"A existência de corrupção de responsáveis administrativos ou titulares de cargos políticos com influência ou poder na definição destas rendas" está também incluído no objeto da comissão de inquérito proposta pelo Bloco de Esquerda (BE).

De acordo com o projeto de resolução entregue na Assembleia da República, o BE pretende que a comissão de inquérito se debruce sobre "o pagamento de rendas e subsídios aos produtores de eletricidade, sob a forma de Custos de Manutenção do Equilíbrio Contratual (CMEC) ou outras".

Para o Bloco, o objeto da comissão de inquérito deverá abranger "a dimensão dos pagamentos realizados e a realizar neste âmbito, o efeito sobre os custos do sistema elétrico produzido pelas alterações legislativas e atos administrativos realizados no âmbito dos CMEC pelos governos entre 2004 e 2018" e "o efeito sobre os custos do sistema elétrico produzido pela extensão do regime de tarifa subsidiada à produção eólica".

Por outro lado, os bloquistas incluem ainda no objeto da comissão o apuramento das condições em que foram tomadas as decisões governativas neste âmbito, a existência de omissão ou falha nas obrigações daquelas entidades reguladoras, bem como "a existência de favorecimento por parte de governos relativamente à EDP, no caso dos CMEC".

Desta forma, no objeto da comissão proposta pelo Bloco ficam abrangidos os governos liderados por Durão Barroso, Pedro Santana Lopes, José Sócrates, Pedro Passos Coelho e António Costa.

De acordo com o projeto de resolução que deu hoje entrada no parlamento, "desde 2007, os CMEC representaram 2500 milhões de euros a cargo dos consumidores de eletricidade" e, segundo a Autoridade da Concorrência, "esta renda garantiu, entre 2009 e 2012, um terço dos lucros da EDP antes de impostos".

A "natureza excessiva da remuneração dos CMEC foi identificada logo em 2004, no parecer do regulador ao que viria a ser o decreto-lei do governo PSD/CDS chefiado por Durão Barroso", que os criou.

"Foi sob o Governo chefiado por José Sócrates que as referidas medidas políticas foram tomadas", recordam os bloquistas.

O então ministro da economia Manuel Pinho assinou, segundo o mesmo texto, os decretos-lei que definiram "um novo método de cálculo dos CMEC, a extensão da vigência dos contratos e as questões relativas ao domínio público hídrico".

"Já em janeiro de 2018, o Conselho Consultivo da Procuradoria Geral da República emitiu os Pareceres n.º 23/2018 e n.º 24/2018, homologados pelo governo e publicados em Diário da República, onde se definem as decisões de Manuel Pinho como ‘usurpação de poder'", justificam.

No mesmo texto pode ler-se que, "em 29 de setembro de 2017, ao comunicar a entrega ao Governo de um cálculo do valor do ajustamento final dos CMEC, a ERSE sublinhou que o regime dos CMEC possibilitou a passagem para um quadro menos exigente para os detentores de centros eletroprodutores do que o regime dos CAE, com um acréscimo de custo acumulado que se estima em cerca de 510 milhões de euros".

O BE destaca ainda que "o impacto destas rendas nos custos energéticos das famílias é uma das principais explicações dos altos níveis de pobreza energética em Portugal", o que exige "informação, esclarecimento, prestação de contas e identificação de responsabilidades políticas, de forma rigorosa, objetiva e transparente".

"As suspeitas e acusações vindas a público a partir de investigações judiciais motivam, justificadamente, apreensão acrescida. Elas recolocam de forma especialmente grave o tema das rendas excessivas no setor elétrico como o campo de decisões políticas pouco escrutinadas, em que a complexidade técnica contribui para omitir escolhas políticas com efeitos económicos bem conhecidos e de enormes consequências sociais", concretizam.

Votação da comissão de inquérito do BE sobre rendas excessivas pré-agendada para dia 11

O debate e votação da comissão de inquérito proposta pelo BE sobre o pagamento de rendas excessivas na energia foi hoje pré-agendado para dia 11, estando os bloquistas disponíveis para os contributos dos outros partidos para o texto.

"No que toca ao calendário que está pré-acordado na conferência de líderes, mediante a aceitação da comissão de inquérito pelo presidente da Assembleia da República, é que esse debate possa ser realizado no dia 11 de maio, seguido de votação e por isso de uma previsível aprovação da comissão de inquérito conforme já foi indicado pelas diversas forças políticas", disse o líder da bancada parlamentar do BE, Pedro Filipe Soares, aos jornalistas, no parlamento.

Pedro Filipe Soares falava aos jornalistas no final da conferência de líderes parlamentares de hoje, manifestando a disponibilidade por parte do BE "para a receção de contributos de outras forças políticas para o texto da comissão de inquérito", ao caso que envolve o ex-ministro da Economia.

"Como sabem o texto de uma comissão de inquérito é importantíssimo porque define o âmbito dos trabalhos, as vertentes que podem ser investigadas e fiscalizadas na comissão de inquérito. Estamos disponíveis para que outros grupos parlamentares possam precisar, adicionar, colocar também outras vertentes de fiscalização que entendam necessárias e até amanhã [quinta-feira] os restantes grupos parlamentares poderão entregar propostas de alteração", disse.

Minutos mais tarde, o porta-voz da conferência de líderes, o social-democrata Duarte Pacheco, adiantou que o BE se comprometeu a entregar o texto final do seu projeto de resolução na sexta-feira, incorporando eventuais propostas de alteração dos restantes partidos.

Segundo a mesma fonte, a presidência da Comissão caberá ao PSD e as duas vice-presidências ao PS e PCP.

Quanto à composição da comissão, o PSD terá direito a sete deputados, o PS a seis e os restantes grupos parlamentares a um cada, caso o Partido Ecologista "Os Verdes" confirme a sua disponibilidade para a integrar. Caso contrário, o PS terá direito a mais um deputado.

O líder parlamentar bloquista explicou que o presidente da Assembleia da República "tem feito a sua prerrogativa - que é natural - de validar a constitucionalidade das comissões de inquérito antes da sua aceitação".

"É isso que fará como tem feito nas anteriores. Nós estamos em crer que não há nenhum problema de constitucionalidade na proposta que demos entrada", assegurou.

Questionado sobre quem quer o BE ouvir nesta comissão, Pedro Filipe Soares prometeu que o partido não deixará "ninguém de fora de quem teve responsabilidades nas escolhas políticas que criaram o abuso das rendas da eletricidade no nosso país".

"Este sobrecusto [da eletricidade] está cimentado numa teia legislativa que tem responsáveis políticos, responsáveis técnicos. Nós não pouparemos ninguém. Ficarão preocupados os que têm consciência pesada, estarão tranquilos aqueles que não têm nada a pesar na consciência", disse apenas, considerando prematuro adiantar a lista das pessoas a ouvir.

O líder da bancada parlamentar do BE recordou que uma comissão de inquérito "tem poderes de investigação e de obrigação de permanência que uma comissão permanente não tem", sendo a proposta de duração de 120 dias.

"À pergunta se é demasiado tempo: é o tempo de vigência deste abuso, de toda a teia legislativa", justificou.

Pedro Filipe Soares destacou o "sinal positivo" que significa "os restantes grupos parlamentares, de forma tão célere e até sem conhecer o texto da comissão de inquérito já terem vindo dizer que estavam de acordo com a sua existência".

(Notícia atualizada às 14h21)