Não é a primeira vez que o tema surge: a política e o futebol misturam-se? E podem fazê-lo? Um político pode apoiar determinado clube a título pessoal, sem que a profissão se sobreponha?

Este sábado a dúvida instala-se novamente, depois de ter sido divulgado que o primeiro-ministro, António Costa, e o presidente da Câmara Municipal de Lisboa, Fernando Medina, fazem parte da comissão de honra da candidatura de Luís Filipe Vieira às eleições do Benfica, a 25 de outubro.

A lista da comissão de honra da recandidatura já vai longa: são mais de 500 os nomes, mas são dois os que se destacam. O motivo, esse, é o óbvio: os cargos políticos de Costa e Medina.

As explicações, contudo, não tardaram a surgir. O gabinete de Costa justificou que este está na comissão de honra de Vieira "não como primeiro-ministro ou secretário-geral do PS, mas como adepto e sócio do Benfica desde 1988". Também a assessoria de Fernando Medina explicou que o autarca marca ali lugar a título pessoal, na sua condição de cidadão e sócio do Benfica.

Com isto, as vozes levantam-se para questionar o sucedido — e pode mesmo ser considerado que António Costa está a violar o Código de Conduta do Governo ao dar o seu apoio ao candidato a presidente do Benfica.

O presidente da Associação Transparência e Integridade, João Paulo Batalha, explicou à SIC que um dos artigos do Código refere que os membros do Governo devem "abster-se de qualquer ação ou omissão, exercida diretamente ou através de interposta pessoa, que possa objetivamente ser interpretada como visando beneficiar indevidamente uma terceira pessoa, singular ou coletiva". Aqui, a situação pode agravar-se porque Vieira se vê a braços com casos de justiça.

João Paulo Batalha lembrou, também, que "todos os sócios do Benfica podem votar", pelo que esse é um direito do primeiro-ministro e do presidente da Câmara de Lisboa. Mas votar e pertencer a uma comissão de honra são coisas diferentes: "uma pessoa só é convidada para uma comissão de honra em função da notoriedade que tem, do currículo que tem e das funções que ocupa".

Violando ou não o Código, as críticas vão surgindo umas atrás das outras. No Facebook, o socialista Renato Sampaio referiu que "não havia necessidade" para este apoio. "O desespero eleitoral ou judicial de Luís Filipe Vieira não justificavam o envolvimento do secretário-geral do meu partido e primeiro-ministro nas eleições de um clube de futebol. Isto entristece-me e não posso estar de acordo", afirmou, acrescentando que "ao futebol o que é do futebol, à política o que é da política".

O líder do PSD, Rui Rio, demarcou-se também hoje de António Costa e Fernando Medina."O futebol é acima de tudo emoção e a política acima de tudo tem de ser racionalidade", defendeu Rui Rio, questionado sobre o assunto pelos jornalistas, em Coimbra.

Para Rio, a ação política "não deve ser ditada por imperativos de ordem emocional ou de simpatia clubística".

"Eu sempre achei mal a mistura entre a política e o futebol profissional", respondeu, remetendo para o tempo em que liderou a Câmara Municipal do Porto, quando, devido à sua posição, várias vezes esteve envolvido em polémica com o presidente do Futebol Clube do Porto, Pinto da Costa.

Salientando que "hoje até há problemas quase de ordem judicial metidos nisto", o presidente do PSD recordou que tem essa posição "há muito anos". "Quando nós estamos em cargos políticos de algum relevo, de um modo geral, devemo-nos abster de misturar estas coisas", acentuou.

Também a coordenadora do Bloco de Esquerda criticou hoje António Costa por integrar a comissão de honra da recandidatura de Luís Filipe Vieira à presidência do Benfica, defendendo que "não pode existir cumplicidade entre a política e os negócios".

"Saber hoje que o primeiro-ministro acha normal fazer parte de uma comissão de honra de alguém que é dos maiores devedores do Novo Banco e que está implicado no problema do BES não fica bem", afirmou Catarina Martins.

A líder bloquista, que falava esta tarde em Almada, no distrito de Setúbal, durante uma sessão de ‘rentrée’ do partido, admitiu que "as paixões de futebol e outras são todas humanas e aceitáveis", mas ressalvou que "ao primeiro-ministro aquilo que se pede é o dever de reserva".

"Nada pode ser como antes e a cumplicidade entre a política e os negócios não pode ser aceite neste país", vincou.

O porta-voz do PAN, André Silva, também se manifestou. "Todas estas situações de ligação próxima da política ao futebol não são admissíveis do ponto de vista ético, porque abrem a porta a que o amor ao clube se possa sobrepor ao compromisso para com o interesse público, que deverá sempre nortear qualquer titular de um cargo político no exercício do cargo", defende.

Em comunicado, o partido fala ainda em "vários casos" da mesma ordem, e considera "que este tipo de situações não devia suceder, uma vez que um dos principais problemas da sociedade portuguesa é o excesso de promiscuidade entre a política e o futebol, e as ligações perigosas e pouco transparentes associadas a este mundo".

"De resto, essas ligações são mais do que óbvias quando a própria Europol considera a corrupção no desporto como uma das 12 principais atividades criminosas organizadas na União Europeia", acrescenta.

E se agora Costa e Medida apoiam Vieira, o contrário também já aconteceu: Luís Filipe Vieira apoiou as candidaturas de António Costa à Câmara Municipal de Lisboa e esteve na comissão de honra da Fernando Medina nas autárquicas de 2017.

Mas a lista associada ao Benfica não fica só pelas duas figuras que estão a dar que falar: os nomes do antigo ministro da Administração Interna Rui Pereira; do deputado do PSD Duarte Pacheco; do deputado do CDS Telmo Correia; e do presidente do Câmara Municipal do Seixal Joaquim Santos também fazem parte da comissão de honra da candidatura de Luís Filipe Vieira.

Não é a primeira nem será provavelmente a última vez que a junção de futebol e política levanta dúvidas e gera polémica. Resta saber se neste caso o tema fica por aqui.