Questionado sobre o acordo que rejeitou com Rui Rio, referente ao estatuto de autonomia do Ministério Público, o primeiro-ministro sublinhou que não está arrependido e elogiou esse estatuto como sendo um dos grandes exemplos da Europa. Reiterando ser um homem de convicções, que não mudam de acordo com as circunstâncias, o primeiro-ministro demissionário frisou ser “um dos maiores defensores do Ministério Público”, respondeu António Costa na entrevista que deu esta noite à TVI/CNN.

Esta segunda-feira, o país parou para ver a primeira grande entrevista do primeiro-ministro depois de apresentar demissão no dia 7 de novembro quando se soube que o seu nome estava sob investigação.

“Naquela hora, sabia que estavam a decorrer buscas, pela comunicação social, entendi que devia avaliar a minha posição e então quis ouvir o presidente da República”, lembra António Costa, quando desafiado pelo jornalista Nuno Santos se queria falar sobre essa manhã.

“A senhora Procuradora-Geral da República colocou o meu nome nessa investigação, nesse parágrafo, então entendi pedir a demissão”, resumiu Costa.

“Entendo que um primeiro-ministro não pode ter a mínima suspeita e por isso apresentei a saída do governo”, acrescentou.

Durante a entrevista, António Costa afirmou que nada sabe sobre o caso, “ainda hoje não sei qual é a suspeita que recai sobre mim”, desabafou ao reconhecer que não fosse aquele parágrafo onde consta o seu nome, não teria apresentado a demissão.

“A PGR decidiu integrar o meu nome nesse parágrafo, dizendo que há uma suspeita sobre o primeiro-ministro, sem esse parágrafo teria aguardado”, afirmou.

Mas houve outra situação em que o primeiro-ministro admitiu que poderia ter motivado a sua demissão: O dinheiro que foi encontrado nas buscas efetuadas na sala de trabalho do seu ex-chefe de gabinete Vítor Escária, na residência oficial de São Bento, onde foi encontrado mais de 75 mil euros em dinheiro.

António Costa frisou que só soube que esse dinheiro tinha sido encontrado no dia seguinte ao da sua demissão do cargo de primeiro-ministro.

“Depois houve factos novos, que eu não conhecia naquela altura e que podiam ter contribuído seriamente para que eu tivesse tomado esta decisão independentemente do comunicado" emitido na véspera pelo gabinete de imprensa da Procuradoria Geral da República.

“Esse é um facto que só é conhecido no dia seguinte. Poder-me-ia ter levado a tomar esta decisão", disse.

“Agora é aguardar, tenho a consciência tranquila, sei o que fiz e o que não fiz e penso que este caso vai dar num não caso”.

O primeiro-ministro demissionário diz que está magoado com o que lhe aconteceu e espera que o caso fique esclarecido “para bem de todos” e sobretudo para “a imagem do país”.

“Espero que este caso seja esclarecido, porque é bom para todos. Para a imagem do país também. Estou conformado, magoado, mas conformado e aguardo serenamente sobre o que a justiça vai fazer, se vou ser constituído arguido ou não”, declarou.

“No momento em que o comunicado saiu, falei com a minha mulher, e ela disse-me o óbvio, que era o que tinha de fazer, e comuniquei ao senhor presidente da República”, lembrou Costa que aguarda de “consciência tranquila” que a justiça faça o seu trabalho e sublinhou que o PS se deve focar no essencial, que são as eleições e não o processo da justiça.

Confrontado com as escutas a João Galamba e se queria comentar a suspeita que recai sobre o seu antigo secretário de Estado e ex-ministro das Infraestruturas, António Costa não quis comentar as mais de 80 mil escutas (4 anos de escutas por parte do MP) sobre o agora deputado e frisou que Galamba exerceu as suas funções de forma exemplar.

E apontou novamente para o “essencial” que são as próximas eleições. “Espero que das eleições resulte uma situação estável”, disse. “Temos uma população que está saturada de crises políticas”, concluiu.

Sobre a decisão do presidente da República, perante o desenrolar da Operação Influencer, António Costa reforça que Marcelo esteve mal e que podia ter evitado esta crise política. “Acho que o presidente da República fez uma avaliação errada [quando dissolveu a assembleia]. Perdeu-se uma boa oportunidade para gerir a estabilidade”, disse Costa.

“Sempre entendi que tínhamos alternativas para assegurar um bom governo até ao termo da legislatura, não foi esse o entendimento do presidente. Nem sequer o Conselho de Estado apoiou a proposta do senhor presidente da República (houve um empate)”, lembrou Costa.

O primeiro-ministro nunca pensou que, “ao fim de 30 anos na política” fosse sujeito às suspeitas levantadas pela PGR e reforçou que “a última coisa que as pessoas querem é ir para eleições”, disse, considerando ser “normal que esse era o desejo dos restantes partidos”.

“Espero que saia das eleições uma solução estável e a única que acredito é uma solução do Partido Socialista”, disse Costa em tom de campanha, prontamente identificada pelo diretor de informação da TVI, Nuno Santos.

“Espero que não se repitam as coligações que aconteceram nos Açores”, lembrou Costa. “Aquilo nem sequer durou três anos, a direita organizou barafunda nos Açores”, atirou ainda o primeiro-ministro demissionário.

Ainda antes de terminar, António Costa lembrou o maior desafio do país que é a execução do PRR. E lembrou que o seu governo “virou a página da austeridade”, reduzindo o défice e libertando o país da dívida pública.

“A maior derrota da direita, foi nunca conseguirem acertar as contas públicas”. O ex-primeiro-ministro lembrou que o seu governo “aumentou salários e pensões, criou um fundo de reserva e que tem aumentado o investimento público”, disse Costa, acrescentando ainda que o seu governo entrega um país onde os portugueses têm hoje escolha sobre o seu futuro. “O excedente orçamental dá escolha de decisão”, disse Costa, depois de lembrar que o salário mínimo subiu 72% durante o seu governo.

"Subimos o salário mínimo, mudámos o paradigma", sublinhou António Costa, em jeito de balanço ao fim de oito anos de governo.

"Questão do Aeroporto é um grande teste para a credibilidade do PSD"

Sobre o novo aeroporto de Lisboa, António Costa lembrou que, por várias vezes, o PSD alterou a decisão.

“Desde o tempo de Cavaco Silva (quando era presidente) que um estudo da CIP concluiu que nem Ota nem Rio Frio, mas Alcochete. O senhor José Sócrates insistiu em Alcochete e reuniu-se um consenso nacional para Alcochete. Quando o governo mudou, chegou-se à conclusão que não ia haver aeroporto nenhum, com o governo de Passos Coelho. Quando cheguei ao governo tive a humildade de aceitar a decisão tomada pelo governo anterior (Montijo, proposto pelo PSD) e quando dois municípios quiseram vetar a decisão Montijo, o PSD,  já com o senhor Rui Rio, tirou-nos o tapete”, descreveu Costa.

“Quando veio Luís Montenegro, mesmo com a maioria absoluta, podia tomar a decisão que entendesse, decidi não avançar sem o consenso. Estamos a falar de um projeto para 50 anos. Então propusemos uma comissão independente, a escolha da presidente foi feita por três individualidades independentes. Apenas uma pessoa era do governo, todas as outras foram indicadas pelo Conselho de Reitores (CRUP). Uma comissão independente”, sublinhou António Costa, lembrando que o relatório da comissão está muito completo e vai caber ao PSD tomar a decisão.

“Estou à espera que o PSD não me desiluda”, disse Costa.