Um painel de especialistas nacionais e internacionais consultado pela Lusa conclui que a Al-Qaeda pode estar mais fragilizada, mas não deixa de constituir um risco de segurança, no momento em que se reorganiza em África e no Médio Oriente, com um novo modelo de liderança e aproveitando a saída das forças internacionais do Afeganistão.
Tom Copeland, especialista em contraterrorismo do Centennial Institute, um ‘think tank’ do Colorado (EUA), diz-se preocupado com a ausência de mecanismos de vigilância sobre células da Al-Qaeda no Afeganistão, agora que as forças norte-americanas abandonam o território, por aquilo que isso significa em termos de incapacidade para detetar a evolução desta organização terrorista.
“A retirada dos Estados Unidos do Afeganistão é a melhor notícia que os novos dirigentes da Al-Qaeda poderiam ter recebido. Sem as tropas internacionais e com os talibãs no poder, não demorará muito a que este grupo, perigoso e bem organizado, volte a ter capacidade de ameaça ao Ocidente”, disse Copeland à Lusa.
Este especialista considera que a ausência de embaixadas, “antenas” da CIA e bases militares norte-americanas no Afeganistão vão deixar os Estados Unidos “cegos” relativamente à inevitável reconstituição de células da Al-Qaeda na região, dando-lhe possibilidade de recuperar o prestígio e a influência que a organização teve na altura dos ataques de 11 de setembro de 2001.
Nuno Lemos Pires, brigadeiro-general e professor na Academia Militar, defende que a Al-Qaeda de há 20 anos e a de hoje é, ao mesmo tempo, diferente e igual.
“É muito diferente porque praticamente não tem ‘terreno controlado’ em lado nenhum e tem uma rede muito dispersa com grandes dificuldades de concertação operacional. Mas continua muito igual porque as ideias radicais que defende e os meios que estão dispostos a usar para atingir os seus objetivos mantêm-se, praticamente, inalteráveis”, disse Lemos Pires em declarações à Lusa.
Para o brigadeiro-general, um fator que introduz diferença na Al-Qaeda de hoje relativamente à de 2001 foi a emergência do Estado Islâmico (EI), “que obriga (esse grupo terrorista) a mostrar políticas e estratégias muito distintas, para que não se confundam nem as mensagens nem os métodos”.
Recentemente, numa conferência de imprensa, o Presidente dos EUA, Joe Biden, desvalorizou a relevância da Al-Qaeda no Afeganistão, alegando que o grupo terrorista deixara de ter força naquele país.
“Para que deveríamos permanecer no Afeganistão, se a própria Al-Qaeda já abandonou o país?”, interrogava-se o Presidente norte-americano, para justificar a retirada dos soldados internacionais.
Contudo, um dia depois, Biden foi desmentido pelo Pentágono, que emitiu um comunicado referindo que a Al-Qaeda tem “existência” no Afeganistão, embora um seu porta-voz, John Kirby, numa entrevista televisiva, não tenha sido capaz de referir uma estimativa de número de operacionais do grupo terrorista na região.
Lemos Pires conclui, neste contexto, que “o que se passou agora no Afeganistão dá visibilidade e alento aos ‘jihadistas’ internacionais, tanto no Ocidente como dentro do próprio país”, considerando que a Al-Qaeda vai tentar “explorar este ‘momentum’”.
Também Felipe Pathé Duarte concorda que, nestes últimos 20 anos, a Al-Qaeda adaptou-se.
“Transformou-se numa organização descentralizada, passando o seu centro de gravidade da estrutura para a ideologia. E isso permite que, em teoria, qualquer um que beba da ideia, possa ser um ‘jihadista’. ‘Liberalizou’ o acesso à ‘jihad’ global. Portanto, tornou a ‘jihad’ global num ecossistema muito complexo”, disse à Lusa este professor da Nova School of Law e especialista em segurança internacional.
“Há 20 anos a Al-Qaeda era uma organização estruturada, verticalizada e articulada com cadeias de comando. Tinha objetivos político-militares bem definidos. E cumpriu-os. Basta ler o documento Cavaleiros sob a Bandeira do Profeta - escrito por Ayman al-Zawahiri, em julho de 2001”, explicou Pathé Duarte.
A situação hoje é mais difícil para a organização terrorista, como lembrou à Lusa Diogo Noivo, consultor de Risco Político, alegando que a intervenção militar internacional iniciada em 2001 enfraqueceu a Al-Qaeda, forçando o seu núcleo a dispersar-se por redutos frágeis e exíguos e obrigando a um novo posicionamento.
“Consciente das adversidades, a Al-Qaeda reposicionou-se: dedicou-se a criar elos com comunidades locais em África e na Ásia, colmatando carências sociais desatendidas pelos Estados, em detrimento de campanhas terroristas na Europa e nos Estados Unidos. Enquanto Washington procurava ganhar ‘hearts and minds’ no Afeganistão, a Al-Qaeda fê-lo noutras paragens”, defende Diogo Noivo.
Este especialista refere-se a esta nova fase como a era da “paciência estratégica” e lembra que, para além da sua nova implantação em África e na Ásia, no Afeganistão a organização terrorista cuidou dos laços que os unem aos talibãs.
“De acordo com relatórios da ONU, a Al-Qaeda tem presença significativa em 14 das 34 províncias afegãs e funcionou como um multiplicador de força dos talibãs (comunicações, informações e operações de combate) na recente reconquista territorial. A causa comum, a lealdade curtida em combate e, recentemente, uma política de casamentos entre membros dos dois grupos (muito relevantes num país onde laços tribais e de clã constituem a base do tecido social), mostraram-se suficientes para resistir aos últimos 20 anos”, conclui Diogo Noivo.
Hoje, a organização sofre ainda de problemas de liderança (que em 2001 estava entregue ao carismático Ossama Bin Laden) e reinventa-se também nesta área.
“Atualmente o que se verifica é que não só a liderança de Al-Zawahiri é menos carismática, como a Al-Qaeda tem menor capacidade de execução e operacionalidade”, defende Ana Isabel Xavier, especialista em política internacional.
“Daí que, neste momento, a Al-Qaeda se assemelhe mais à uma espécie de conselho de administração que aconselha, apoia e inspira, com algumas limitações, vários movimentos afiliados que vão desde o Magrebe à África subsariana e, naturalmente, o Médio Oriente”, concluiu esta especialista, referindo que o EI também retirou espaço mediático àquela organização terrorista.
*Por Ricardo Jorge Pinto, da agência Lusa
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