"Há falta de sedimento por causa de barragens, muito por causa de construções, há imensa areia que está presa em estradas, presa em edifícios, e que devia estar no sistema costeiro, e essa falta de sedimento não há obra que compense", disse a bióloga portuguesa à Lusa.
Ana Bio falava a bordo de um barco que saiu do porto de Vilanova de Arousa, na Galiza, em Espanha, para circular pela ria de Arousa, junto a uma estação de medição do projeto RadarOnRaia, utilizada também pelo projeto MarRisk, ambos cofinanciados pelo programa Interreg da União Europeia, cujo evento anual decorre esta semana em Santiago de Compostela.
O projeto, que decorreu até 2021, consistiu "na avaliação dos riscos, de vulnerabilidades, a criação de ferramentas para mitigar os efeitos das alterações climáticas na costa da Galiza e do Norte de Portugal, e cobria praticamente tudo", explicou a investigadora do CIIMAR (Centro Interdisciplinar de Investigação Marinha e Ambiental da Universidade do Porto).
"Desde a monitorização, que se quer contínua, porque precisamos muito de monitorização para saber quais são as dinâmicas, para saber alimentar os nossos modelos, até à modelação, que precisamos para poder fazer previsões, por exemplo, do que vai acontecer quando houver alterações, e até produtos", detalhou.
As medições consistiram em avaliações à qualidade da água, temperatura, salinidade, indicadores bioquímicos e microbioma, tendo existido também uma "monitorização da morfologia costeira".
Sobre a faixa costeira portuguesa, entre Caminha e Espinho, há "alguns pontos que são 'hotspots' [pontos nevrálgicos] de erosão", como Esposende, e "zonas que estão mais protegidas", algo que depende do tipo de costa, se mais rochosa ou mais arenosa, e da "proteção costeira", que existe mais nuns locais e menos noutros.
"No geral há uma regressão, pelo menos a médio prazo, mas há zonas que estão bastante estáveis", disse sobre a costa do Norte de Portugal.
Em detalhe, em Aveiro "uma das piores zonas da costa portuguesa, a regressão nos anos 60 e 70 foi bem pior do que é agora", estando menos grave agora graças à manutenção humana, afirma Ana Bio, mas mais a Norte "está pior agora um pouco, e isso já deve ser mais por causa das alterações climáticas".
"A intervenção humana pode ser benéfica até certo ponto, por exemplo obras de proteção, embora as obras de proteção muitas vezes não funcionem bem porque arrastam o problema para a costa mais a sul", refere.
"O problema central é a falta de sedimento", vinca a investigadora, frisando que já foram calculados prejuízos de 300 milhões de euros na costa do Norte de Portugal caso não haja uma redução de riscos nos habitats dunares.
Depois dos projetos Radar on Raia e MarRisk, virá agora o projeto CAPTA, que "vai estar mais focado na mitigação" e na reconstrução de "sistemas que capturam carbono de maneira a conseguir traver um pouco as alterações climáticas", explicou.
Os projetos transfronteiriços MarRisk e Radar on Raia, que rondaram os 4,4 milhões de euros de investimento co-financiado na maior parte pelo Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional (FEDER), contaram com o apoio de instituições portuguesas como o Instituto Hidrográfico, o INESC TEC, o INEGI, o Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA), o CiiMAR, a Agência Portuguesa do Ambiente (APA) e as universidades do Minho, Aveiro e Porto.
Do lado espanhol, participaram a MeteoGalicia, o Centro Tecnológico do Mar (CETMAR), o Instituto Tecnoógico para o controlo do meio Marinho (INTECMAR), o Instituto de Investigações Marinhas (IIM-CSIC), as universidades de Vigo e Santiago de Compostela, o Instituto Espanhol de Oceanografia e o Conselho Superior de Investigações Científicas.
* Por Jorge Sá Eusébio, da agência Lusa
** A Lusa viajou a convite da Comissão Europeia
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