No verão de 1992, comprei um bilhete de avião para Paris e um Renault em segunda mão e pus-me a caminho de Kiev, com um amigo, ao longo de centenas de quilómetros de más estradas soviéticas. Tivemos de parar muitas vezes. Os pneus rebentavam nos buracos, por vezes não encontrávamos gasolina, e muitos camponeses e condutores de camiões queriam espreitar por baixo do capô para ver o motor de um carro ocidental. Na estrada de uma faixa entre Lviv e Kiev, visitámos a cidade de Zhytomyr, um centro da vida judaica, na antiga Zona de Residência, onde, durante a Segunda Guerra Mundial, Heinrich Himmler, o arquiteto do Holocausto, instalara o seu quartel-general. Mais a sul, em Vinnytsia, ficava a Toca do Lobo, o complexo onde Hitler tinha o seu próprio quartel-general.

A região fora em tempos um verdadeiro campo de jogos nazi, em todo o seu horror. Com o objetivo de construir o seu império de mil anos, Hitler chegou a esta área fértil da Ucrânia – o muito cobiçado celeiro da Europa – com legiões de construtores, administradores, seguranças, ≪cientistas raciais≫ e engenheiros para colonizar e explorar a região. Os alemães avançaram com grande rapidez para leste; em 1941, devastaram o território conquistado e posteriormente abandonaram-no numa marcha de derrota na direção contrária, em 1943 e 1944. Quando o Exército Vermelho voltou a ocupar a região, os responsáveis soviéticos apoderaram-se de inúmeras páginas de relatórios oficiais alemães, ficheiros de fotografias e jornais e caixas de bobinas de filmes. Estes despojos de guerra foram depositados e classificados em arquivos centrais e regionais que ficariam por trás da Cortina de Ferro durante várias décadas. Fui à Ucrânia porque queria ler este material.

Nos arquivos de Zhytomyr, muitas das páginas que encontrei tinham marcas deixadas por botas que as haviam espezinhado ou cantos queimados pelo fogo. Os documentos tinham sobrevivido a dois ataques diferentes: a política de terra queimada, de que fez parte incinerar provas comprometedoras, e a destruição da cidade durante os combates de novembro e dezembro de 1943. Nos ficheiros havia trocas de correspondência intermitentes, pedaços de papel rasgados e com tinta a perder a cor, decretos com assinaturas pomposas e ilegíveis, deixadas por funcionários nazis insignificantes, e relatórios de interrogatórios da polícia assinados por rabiscos incertos de camponeses ucranianos aterrorizados. Não foi a primeira vez que vi documentos nazis, em geral, confortavelmente instalada na sala de leitura de microfilmes dos U. S. National Archives, em Washington, D. C. Nessa altura, no entanto, sentada nos próprios edifícios que haviam sido ocupados pelos alemães, descobri algumas coisas além da crueza dos documentos que consultava. Para minha surpresa, encontrei igualmente referências a jovens mulheres alemãs que tinham estado ativas na região ao serviço dos planos de construção do império de Hitler. Apareciam em listas aparentemente inocentes, burocráticas, de professoras de escola primária. Com estas pistas em mãos, regressei aos arquivos nos Estados Unidos e na Alemanha e comecei a procurar de forma mais sistemática documentação acerca das mulheres alemãs que haviam sido enviadas para leste, e, especificamente, acerca das que tinham testemunhado e participado no Holocausto. Os ficheiros começaram a engrossar e as histórias a ganhar forma.

João Pedro Vala junta-se ao É Desta Que Leio Isto no próximo encontro, marcado para dia 21 de março, uma quinta-feira, pelas 21h00. Consigo traz "Campo Pequeno", o seu último livro, editado pela Quetzal.

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Quando investigava o conteúdo dos processos levantados depois do fim da guerra, percebi que centenas de mulheres tinham sido chamadas a testemunhar e muitas se tinham mostrado complacentes, uma vez que os procuradores pareciam mais interessados nos crimes horrendos dos seus colegas do sexo masculino, ou dos seus maridos, do que nos delas. Muitas continuaram a mostrar-se insensíveis e arrogantes na forma como contavam o que acontecera. Uma antiga professora de jardim infantil na Ucrânia, por exemplo, referiu ≪aquela coisa com os judeus que aconteceu durante a guerra≫. Ao atravessar a fronteira entre a Alemanha e os territórios ocupados a leste, em 1942, ela e as colegas tinham recebido algumas indicações quanto ao que as esperava. Recordava-se, entre outras coisas, de um responsável nazi, com um ≪uniforme de um castanho-dourado≫, que as tranquilizara e lhes explicara que não havia razão para ficarem assustadas se ouvissem tiros – eram ≪só uns judeus que estavam a ser mortos≫.

Os tiros contra os judeus podiam não ser razão para alarme durante a guerra, mas como e que estas mulheres reagiram quando, de facto, chegaram aos seus postos? Voltavam a cara ou queriam ver e fazer mais? Li alguns estudos de historiadoras pioneiras nesta área, como Gudrun Schwarz e Elizabeth Harvey, que confirmaram as minhas suspeitas sobre a participação de mulheres alemãs no sistema nazi, mas deixavam algumas questões em aberto quanto a uma culpa mais profunda e generalizada. Gudrun Schwarz descobrira algumas mulheres de SS violentas. Falou de uma, em Hrubieszow, na Polónia, que tirou a pistola da mão do marido e matou vários judeus durante um massacre num cemitério local. Ainda assim, a historiadora não mencionou o nome desta assassina. Elizabeth Harvey mostrara que havia professoras ativas na Polónia que ocasionalmente visitavam guetos e roubavam objetos pertencentes a judeus. O âmbito da participação das mulheres nos massacres nos territórios orientais não foi, no entanto, esclarecido. Tive a impressão de que ninguém vasculhara os documentos do período da guerra e dos anos imediatamente posteriores com estas questões em mente: teriam as mulheres alemãs vulgares participado no fuzilamento em massa de judeus? Teria elas, em lugares como a Ucrânia, a Bielorrússia e a Polónia, participado no Holocausto de um modo que não haviam admitido depois da guerra?

Nas investigações realizadas na Alemanha, em Israel e na Áustria houve mulheres alemãs identificadas por sobreviventes judeus como perseguidoras e não apenas como observadoras coniventes, antes como torturadoras violentas. Ainda assim, de uma maneira geral, os nomes destas mulheres não eram conhecidos dos sobreviventes, ou então tinham-nos mudado quando se casaram depois da guerra, por isso, não foi possível encontrá-las. Apesar das limitações do acesso às fontes, com o tempo, fui percebendo que a lista de professoras e outras mulheres do Partido Nazi, que encontrara na Ucrânia, em 1992, era apenas a ponta do icebergue. Centenas de milhares de mulheres alemãs tinham estado no leste nazi – isto e, na Polónia e nos territórios ocupados do que foi durante muitos anos a União Soviética, incluindo a Ucrânia hoje, a Bielorrússia, a Lituânia, a Letónia e a Estónia – e fizeram, de facto, parte da maquinaria de destruição de Hitler.

Uma destas mulheres foi Erna Petri. Descobri o nome dela, no verão de 2005, nos arquivos do United States Holocaust Memorial Museum. O museu conseguira negociar a aquisição de cópias microfilmadas dos ficheiros da antiga polícia secreta da Alemanha de Leste (Stasi). Entre os documentos estavam os interrogatórios e os processos judiciais contra Erna e o marido, Horst Petri, ambos condenados pelo tiroteio de judeus na sua propriedade na Polónia ocupada pela Alemanha nazi. Erna Petri descreve com um pormenor credível os miúdos judeus seminus que choramingavam enquanto ela sacava da pistola. Quando foi pressionada pelo interrogador para explicar como fora possível, sendo ela mesma mãe, ter assassinado aquelas crianças, Erna referiu o antissemitismo do regime e o seu próprio desejo de se fazer respeitar pelos homens. Os seus crimes não foram os de uma pessoa socialmente excluída. Pelo contrário, pareceram-me uma personificação do regime nazi.

Até certo ponto, os casos registados de mulheres assassinas são representativos de um fenómeno muito mais amplo e que fora suprimido, menosprezado e pouco investigado. Tendo em conta a doutrinação ideológica da jovem corte de homens e mulheres que se fizeram adultos durante o Terceiro Reich, a sua mobilização em massa para a campanha de leste e a cultura de violência genocida impregnada na colonização e conquista da Alemanha, deduzi – como historiadora, não como acusadora – que houve muitas mulheres a matar judeus e outros ≪inimigos≫ do Reich, muito mais do que havia sido documentado durante a guerra ou fora objeto de acusações posteriores. Embora os casos diretos de assassínios documentados não sejam muitos, devem ser levados bastante a sério e não postos de lado como se constituíssem anomalias. As Fúrias de Hitler não eram sociopatas marginais.

Acreditavam que os seus crimes eram atos de vingança justificados contra os inimigos do Reich, ou seja, achavam que se tratava de expressões de lealdade. Para Erna Petri, nem os miúdos judeus que fugiam de uma carruagem com destino a câmara de gás eram inocentes; antes aqueles que por pouco tinham escapado. Não foi por acaso que os nazis e os seus colaboradores levaram a cabo os assassínios em massa na Europa de Leste. Historicamente, era ali que vivia a maior população de judeus, muitos dos quais, de acordo com o ideário nazi, perigosamente bolchevizados. Os judeus da Europa Ocidental eram deportados para áreas remotas da Polónia, Bielorrússia, Lituânia e Letónia para serem fuzilados ou mortos em câmaras de gás em plena luz do dia.

A história do Holocausto está relacionada com a conquista imperial nazi da Europa de Leste, que mobilizou todos os alemães. Na linguagem nazi, fazer parte da Volksgemeinschaft, isto é, da comunidade do povo, significava participar em todas as campanhas do Reich, incluindo o Holocausto. As instituições mais poderosas, incluindo as SS e a polícia, eram os principais executores, e estas instituições podiam ser controladas pelos homens, mas delas faziam igualmente parte mulheres.

Na hierarquia governamental, as mulheres de carreira e as mulheres casadas com homens de poder tinham, por seu lado, um poder considerável, incluindo sobre os sujeitos mais vulneráveis do Estado. As mulheres colocadas em posições de apoio militar para que os homens ficassem disponíveis na frente de combate tinham autoridade para dar ordens a subordinados, e a hierarquia nazi estava cheia, de alto a baixo, de mulheres em posições deste tipo.

Entre a comitiva de Hitler no leste estavam mulheres como as suas secretárias – por exemplo, Christa Schroeder, que datilografava os textos do Führer no seu bunker, nas proximidades de Vinnytsia. Depois de viajar pelas regiões rurais da Ucrânia, onde se divertiu com os chefes alemães locais e visitou as colónias de alemães étnicos (Volksdeutsche), ponderou o futuro do novo Lebensraum (espaço vital) alemão numa carta em período de guerra:

O nosso povo, quando emigra para aqui, não tem pela frente uma tarefa fácil, mas há muitas possibilidades de realizar grandes feitos. Quanto mais tempo passamos nesta região imensa e melhor reconhecemos as oportunidades de desenvolvimento, mais razões temos para nos perguntarmos quem será o encarregado destes grandes projetos futuros. Chegamos a conclusão de que os povos estrangeiros [Fremdvolk] não são adequados por várias razões e em particular, porque ao longo de sucessivas gerações haveria uma mistura de sangue entre os estratos mais poderosos, o elemento alemão, e o povo estrangeiro. Isto seria uma violação fundamental da nossa forma de compreender a necessidade de preservar a herança racial nórdica e o nosso futuro acabaria por seguir um curso semelhante, por exemplo, ao do Império Romano.

Livro: "As Fúrias de Hitler- Mulheres Nazis nos Campos do Holocausto"

Autor: Wendy Lower

Editora: Casa das Letras

Data de Lançamento: 12 de março de 2024

Preço: € 18,90

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Christa Schroeder tinha uma posição muito invulgar entre os mais poderosos, como é evidente, mas as suas palavras confirmam
que as secretárias no terreno reconheciam o seu papel imperial, e que a sua compreensão da missão nazi se articulava com o tipo de terminologia racista e colonialista em geral atribuída aos conquistadores e governantes do sexo masculino.

Enquanto autoproclamadas governantes de nível superior, as mulheres alemãs no leste nazi beneficiavam de um poder sem precedentes sobre os que designavam como ≪sub-humanos≫. Tinham por isso a possibilidade de maltratar e até de matar aqueles que consideravam, como afirmaria depois da guerra uma secretária que trabalhou perto de Minsk, a escumalha da sociedade. Estas mulheres estavam muito próximas do poder da maquinaria de destruição maciça do Estado. Além disso, estavam perto dos locais do crime; não havia grande distância entre as pequenas cidades onde executavam as tarefas da sua vida diária e os horrores dos guetos, dos campos e das execuções em massa. Não havia divisão entre a frente doméstica e a frente de batalha. Essas mulheres podiam decidir a qualquer momento participar na orgia de violência.

As Fúrias de Hitler eram administradoras, ladras, torturadoras e assassinas zelosas. Alistaram-se às centenas de milhares – pelo menos meio milhão – para o leste. Os números bastam para mostrar o peso das mulheres alemãs no sistema de genocídio e de poder imperial nazi. A Cruz Vermelha Alemã treinou 640 mil durante este período e cerca de 400 mil foram postas no serviço de apoio a frente. A maior parte destas mulheres foram enviadas para a retaguarda ou para perto de zonas de combate nos territórios do leste. Trabalhavam em hospitais de campanha do exército ou nas Waffen-SS, em plataformas de estações de comboios, a servir bebidas e alimentos a soldados e refugiados, e em centenas de residências para soldados, onde socializavam com as tropas alemãs na Ucrânia, Bielorrússia, Polónia e países bálticos. O exército alemão treinou mais de 500 mil jovens mulheres para colaborarem em missões de apoio – como operadoras de rádio, administradoras de arquivos, assistentes de registo de voos e operadoras de telégrafo – e 200 mil destas mulheres estiveram na Frente Leste. Eram as secretárias que organizavam, acompanhavam e distribuíam as enormes quantidades de fornecimentos necessários para manter a máquina de guerra em andamento. Uma infinidade de organizações apoiadas pelo Partido Nazi (por exemplo, a Associação de Ajuda Nacional-Socialista) e o Gabinete Racial e de Apoio a Deslocação de Populações, chefiado por Himmler, recrutavam mulheres e jovens como assistentes sociais, examinadoras raciais, conselheiras de deslocação e reinstalação, educadoras e formadoras. Os líderes nazis colocaram milhares de professoras numa região da Polónia ocupada onde houve uma experiência de ≪germanização≫. Mais algumas centenas – incluindo as jovens professoras mencionadas nos ficheiros que encontrei em Zhytomyr – foram enviadas para outros enclaves coloniais do Reich. Enquanto agentes da construção imperial nazi, estas mulheres foram encarregadas de pôr em prática o processo civilizador alemão. Acontece que as práticas construtivas e destrutivas de conquista e ocupação nazis eram inseparáveis.

Horrorizadas pela violência da guerra e do Holocausto, a maior parte das testemunhas do sexo feminino encontraram maneiras de se distanciar e de minimizar os seus papéis de agentes de um regime criminoso. No entanto, para as 30 mil mulheres certificadas pelas SS de Himmler e pela polícia como auxiliares em departamentos da polícia, quartéis da Gestapo e prisões, o distanciamento psicológico não era propriamente uma possibilidade e a probabilidade de participação direta no assassínio em massa era elevada. Na administração civil dos governadores e comissários coloniais nazis havia mais de 10 mil secretárias espalhadas entre as capitais e os distritos do leste europeu, em Rovno (atualmente Rivne), Kiev, Lida, Reval (atualmente Talin), Grodno, Varsóvia e Radom. Os seus departamentos foram responsáveis pela destruição de populações locais, incluindo de judeus, muitos dos quais haviam sido colocados em guetos e em campos de trabalhos forçados administrados por estes burocratas do sexo masculino e feminino. As Fúrias de Hitler não eram sempre agentes do regime nazi. Eram muitas vezes mães, namoradas e mulheres, que iam ter com os maridos ou os filhos a Polónia, a Ucrânia, a Bielorrússia, aos países do Báltico e a Rússia. Algumas das piores assassinas fizeram parte deste grupo.

Entre esta massa mobilizada houve mulheres que se distinguiram. Algumas secretárias com funções muito variadas foram ao mesmo tempo assassinas de secretaria e sádicas. Houve as que não se limitaram a datilografar ordens de liquidação, mas participaram também em massacres em guetos ou assistiram a fuzilamentos em massa. A função das mulheres e das amantes dos SS não era apenas consolar os companheiros quando estes regressavam do seu trabalho sujo; nalguns casos também sujaram as próprias mãos. De acordo com a maneira de pensar nazi, prender e matar judeus durante horas a fio era um trabalho duro, de maneira que o consolo proporcionado pelas mulheres ia além de oferecer santuário moral em casa: também punham a mesa e serviam comida e bebidas aos seus homens perto de lugares de execução em massa e de pontos onde se reuniam as pessoas a deportar. Numa pequena cidade da Letónia, uma jovem estenógrafa distinguiu-se não só como pessoa alegre e bem-disposta mas também como atiradora e executora.

Quando li os ficheiros percebi a maneira como intimidade sexual e violência se mesclavam, mas de formas mais mundanas do que nas cenas descritas em pornografia do pós-guerra.

Um passeio romântico pelo bosque podia levar dois amantes a um contacto visceral com o Holocausto. Li por exemplo a
historia de um comissário alemão e da secretária que era a amante que organizaram uma caçada de inverno na Bielorrússia. Como não encontraram animais, dispararam sobre alvos judeus que se moviam lentamente na neve.

As mulheres com papéis oficiais no Reich de Hitler – como Gertrud Scholtz-Klink, a mulher com maiores responsabilidades no Partido Nazi – podem ter tido muita visibilidade, mas eram em grande medida apenas figuras decorativas, com pouco poder político num sentido formal. A contribuição de outras mulheres em muitos papéis diferentes tem pelo contrario sido em grande medida ignorada. Este ângulo morto da história e especialmente notável no que diz respeito aos territórios ocupados do leste.

Era exigido a todas as mulheres alemãs que trabalhassem e contribuíssem para o esforço de guerra, tanto em funções
remuneradas como noutras. E as mulheres administraram lares em que os homens estavam ausentes, quintas familiares e empresas. Cumpriam horário em fábricas e em edifícios de escritórios modernos. Dominaram na agricultura e nas profissões mais ≪femininas≫ de enfermeiras e secretárias. Entre 21 e 30 por cento dos professores na República de Weimar e na Alemanha nazi foram mulheres. Com a expansão do aparelho de terror do Reich abriram-se novos percursos profissionais para as mulheres, incluindo em campos de concentração.

Embora as carreiras e o comportamento das guardas de campos tenham sido analisados tanto por jornalistas como por académicos, o papel das mulheres em áreas tradicionalmente mais femininas – ou seja, em que não tinham sido formadas para ser cruéis – e que por acaso ou escolha pessoal acabaram ao serviço da crueldade do regime e muito menos conhecido.

Professoras, enfermeiras, secretárias, assistentes sociais e esposas – foram estas as mulheres nos territórios de leste, onde ocorreu a maior parte dos crimes do Reich. Para as jovens ambiciosas era no império nazi emergente que se encontravam as possibilidades de ascensão. Deixavam para trás as leis repressivas, os costumes burgueses e as tradições sociais que tornavam opressiva a vida na Alemanha. As mulheres nos territórios de leste ocupados testemunharam e cometeram atrocidades num sistema mais aberto, o que fez parte do que viveram como uma possibilidade profissional e uma experiência libertadora.

As Fúrias de Hitler centra-se nas transformações de mulheres individuais nos mecanismos internos e nas paisagens exteriores do Holocausto – nos escritórios, entre a elite e nos campos de morte. Muitas vezes as que pareciam menos prováveis de se envolverem nos horrores do Holocausto foram as mais responsáveis. As mulheres de que fala este livro vem de regiões muito variadas – a Vestefália rural, a Viena cosmopolita e a Renânia industrializada –, e têm elas próprias origens muito diversas, mas coletivamente formam uma geração (17 a 30 anos de idade). Todas se tornaram adultas durante a ascensão e a queda de Hitler.