Desde que António Costa anunciou que iria ser aplicado um cordão sanitário às freguesias de São Teotónio e de Almograve, em Odemira, no Alentejo, devido à elevada incidência de casos de covid-19, sobretudo em trabalhadores do setor agrícola, que praticamente todos os dias se descobrem novos desenvolvimentos. E, na maioria das vezes, os novos desenvolvimentos são na verdade antigos.

É um problema que se sabe que não é de agora, que já existia, mas que a pandemia espoletou como uma granada diretamente numa ponta de um icebergue de direitos humanos. O Chefe de Estado, Marcelo Rebelo de Sousa declarou mesmo esta quarta-feira que "vale a pena, desde já, começar a refletir sobre algumas lições de Odemira". O seu sumário:

A lição n.º 1. A importância dos emigrantes na economia nacional e regional

"De vez em quando, ouvimos umas vozes muito contra os imigrantes. Ora, o que se veio a descobrir e já sabíamos é que há milhares e milhares de imigrantes que estão a contribuir para a economia portuguesa, subterrâneos, legalizados ou clandestinos. Essa é a realidade", sublinhou o Presidente da República.

A lição n.º 2. Portugal tem mais clandestinos do que se pensava

"Infelizmente, pode haver mais clandestinos do que pensávamos. Temos de apurar o que há de ilegal e se há algo de criminoso. Não podemos explorar a mão de obra imigrante, temos de a tratar de forma humana, com dignidade que nossa Constituição dita", indicou Marcelo Rebelo de Sousa.

A lição n.º 3. As condições precárias em que muitos vivem

"Tem que ver com as condições de habitação, não são só de imigrantes mas também de muitos portugueses em Portugal que depois tem efeitos sanitários", realçou o Chefe de Estado, recordando que já no último verão, na zona periférica de Lisboa, muitas pessoas, a maioria imigrantes, nunca confinou e viviam em situações de sobrelotação. 

"[Para alguns] é muito bonito dizer que imigrantes não, mas depois descobrem que imigrantes sim quando dão jeito para fazer o que os portugueses não fazem. Mas já não dão jeito para terem os direitos que deviam ter. Temos de apurar se em relação a essa imigração de maior rotação há legalidade ou não", rematou Marcelo Rebelo de Sousa.

A situação de Odemira, como se disse no início desta crónica, tem levantado inúmeras questões e tem exposto muitas outras. Por exemplo, de que a maioria dos imigrantes asiáticos paga cerca de 10 mil euros para chegar ao Alentejo ou que o diretor da PJ diz que situação em Odemira não é só do foro criminal. É fácil de concluir que há muito a ser feito e por descobrir.

A presidente do Observatório dos Direitos Humanos e das Prisões do Conselho Regional de Évora da Ordem dos Advogados, a advogada Carla Marques Pinto, chegou mesmo a dizer à Agência Lusa que as condições dos trabalhadores agrícolas em Odemira "envergonham" o Estado. Mais, acrescenta que "as condições degradantes e miseráveis" em que vivem são "conhecidas, há muito, do poder político e das instituições".

Um estudo financiado pelo Fundo de Asilo, Migrações e Integração, do Alto Comissariado para as Migrações, de acordo com o Público, sugere que a "falha está no Estado", porque não se conhece a realidade na sua totalidade; ou seja, sem regulamentação, há excesso de oferta de mão-de-obra e está aberto o caminho ao descontrolo. E, em Odemira, segundo o presidente da Câmara Municipal, José Alberto Guerreiro, o descontrolo é igual a que dos 13 mil trabalhadores agrícolas do concelho, permanentes e temporários, seis mil não tenham condições de habitabilidade.

No entanto, o autor do estudo sugere que a criação de albergues para os trabalhadores sazonais poderá ser uma solução para resolver parte do problema. E, num problema que se está a revelar maior e além de uma necessidade de contenção sanitária em prol da saúde pública, parece ser pelo menos um caminho. Resta saber se é exequível ou se há vontade de o levar a cabo.