“É proibida a prática de assédio”. A frase parece óbvia, mas só entrou no Código do Trabalho há dois anos (a prática de assédio já antes estava prevista na legislação, mas só em 2017 é que a sua proibição foi explicitada desta forma).

Menos óbvia é, para muitas pessoas, a identificação das situações de assédio no trabalho.

A presidente da CITE, Joana Gíria, em entrevista ao SAPO24, assume que às vezes, por exemplo, “é difícil distinguir um conflito laboral de assédio”. “Um conflito laboral, uma resposta indelicada não é necessariamente assédio”, mas, “se ofender a integridade, se for um comportamento reiterado, se puser em risco a saúde da pessoa, isso pode ser considerado” assédio.

O “esvaziamento de funções” e a “alteração das condições de trabalho” são dois exemplos concretos de situações a que os trabalhadores devem estar atentos, em particular quando acontecem “sem uma explicação que seja credível”, explica a responsável.

“A pessoa chegar [ao trabalho] e haver um dia, dois, três, quatro em que não tem nada para fazer. Depois não tem computador, a seguir o telefone não funciona... Isso é assédio”, descreve Joana Gíria, referindo-se ao esvaziamento de funções.

Também é um sinal de alerta se “a pessoa está no quinto andar a vender roupa e a receber comissões e de repente passa para o armazém” ou para um posto num andar inferior “às escuras”.

“Dá margem para a pessoa se interrogar se aquilo é ou não uma atitude degradante, humilhante, discriminatória”, considera.

Mas "as pessoas não conseguem ainda discernir muitas vezes o seu direito a não serem assediadas”, reforça.

“Sentimos que há trabalhadoras e trabalhadores que se subalternizam em relação àquilo que acham que é o poder de direção do empregador. É quase como se fosse um poder universal”, afirma.

Para a presidente da CITE, esta visão ganha uma “carga” maior ainda no caso dos “trabalhos precários”, porque as pessoas precisam do “seu salário para fazer face a compromissos e têm receio”.

O que é, então, o assédio?

“Na generalidade, é um comportamento reiterado, ofensivo, humilhante”, explica Joana Gíria, acrescentando que o conceito está bem definido no Código do Trabalho.

Vamos consultar, e lá está ele. Artigo 29.º, ponto 2: “Comportamento indesejado” praticado com o “objetivo ou o efeito de perturbar ou constranger a pessoa, afetar a sua dignidade, ou de lhe criar um ambiente intimidativo, hostil, degradante”.

Uma vítima de assédio tem direito a indemnização e as testemunhas ou denunciantes não podem ser alvo de sanção disciplinar, acrescenta a lei.

Embora muitas vezes o assédio seja conotado com uma natureza sexual, esta não é a única forma de assédio que existe.

O assédio sexual é quando há comportamentos indesejados com um “caráter sexual”, como é o caso de “convites ou envio de mensagens de teor sexual, tentativa de contacto físico constrangedor, chantagem para obtenção de emprego ou progressão laboral em troca de favores sexuais, gestos obscenos, etc.”, esclarece a CITE em comunicado.

Mas o assédio também pode ser moral, se existem “ataques verbais de conteúdo ofensivo”, ataques físicos, “atos mais subtis” ou “violência psicológica”, “visando diminuir a autoestima da vítima e, em última análise, a sua desvinculação ao posto de trabalho”, continua a nota.

A CITE só trata dos casos de assédio discriminatório em função do sexo. Aqui estão incluídas as situações de discriminação na sequência da utilização de um direito relativo à maternidade ou à paternidade, tal como o gozo da licença parental, referidas como muito comuns pela presidente da Comissão.

Uma pessoa que tenha dúvidas sobre se está ou não a ser alvo de assédio ou que queira apresentar uma queixa desta natureza, pode fazê-lo junto da CITE, nomeadamente através de email ou da linha verde.

“Tolerância Zero ao Assédio no Trabalho”

A campanha, lançada hoje, tem por objetivo “sensibilizar as pessoas para a necessidade de toda a sociedade se comprometer com a defesa do direito à dignidade no trabalho e com o dever de não aceitar o assédio”, anuncia a CITE.

Nesse sentido, a Comissão está a divulgar novamente o Guia para a elaboração de código de conduta para a prevenção e combate ao assédio no trabalho, um documento que “visa auxiliar as entidades empregadoras na conceção de um instrumento de gestão facilitador da política de tolerância zero ao assédio”, explica a entidade.

Os dados de um inquérito realizado a 1801 pessoas, em 2015, a nível nacional, pelo CIEG-Centro Interdisciplinar de Estudos de Género do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas, revelam que 16,5% da população ativa inquirida já viveu pelo menos uma situação de assédio moral no trabalho, enquanto que os casos de assédio sexual são reportados por 12,6% dos inquiridos. As mulheres são as principais vítimas de assédio moral (16,7% das inquiridas) e sexual (14,4%) no local de trabalho, mas os homens também estão sujeitos a estas formas de assédio (15,9% e 8,6%, respetivamente).

A campanha “Tolerância Zero ao Assédio no Trabalho” é lançada na data em que se assinala o Dia Municipal para a Igualdade.