O documento descreve os recursos existentes no SNS para a gestão da doença oncológica em 2022, baseando-se em questionários a mais de 40 instituições hospitalares, que reportaram 48.515 novos diagnósticos oncológicos, uma estatística que os técnicos acreditam sobrestimar a real incidência cumulativa, pois ”o mesmo doente poderá ter sido registado em mais do que uma unidade”.
O relatório sublinha a existência de “assimetrias assistenciais” e o “elevado rácio de primeiras consultas por médico especialista” e admite que “é possível que os doentes oncológicos estejam expostos a um risco superior ao esperado”, em consequência da maior pressão assistencial de algumas instituições e do risco de perda de capacidade de resposta clínica no SNS.
Indica que, globalmente, os recursos humanos na área da oncologia médica, radioncologia, e dos físicos médicos “estão subdimensionados para a atividade clínica das instituições” e sublinha a ausência de médicos em presença física nalgumas unidades de hospital de dia.
Refere ainda que a estrutura dos recursos humanos identificada pelas instituições não apresenta diferenças relevantes por comparação com os valores de 2020.
Em declarações à Lusa, o diretor do Programa Nacional para as Doenças Oncológicas, José Dinis, chamou a atenção para a necessidade de definir redes de referenciação oncológica nacional, lembrando que pretende ter como base “a reformulação dos cuidados prestados”.
"Reformular a rede dos tratamentos oncológicos em Portugal é, para mim, uma prioridade e está alinhada, neste momento, com as grandes bandeiras europeias e as grandes recomendações que vêm da Comissão", afirmou, acrescentando que “pode haver no futuro acesso a fundos europeus para estas redes e isto tem de estar formalizado”.
Para o responsável, o que em está “em causa não é só o tempo que demora a cirurgia”, mas também “todo o seguimento do doente desde que se levanta a suspeita”.
Lembrou que esta situação já ocorre, por exemplo, no cancro pediátrico, em que “só quatro hospital é que o executam”, e recorda que a pressão sobre os hospitais "não é de agora".
O relatório hoje divulgado lembra que as doenças oncológicas representam a segunda causa de mortalidade e a principal causa de perda de anos de vida ajustados para a morbilidade em Portugal, sublinhando que a “gestão otimizada” da doença oncológica obriga à constituição de equipas multidisciplinares “que integrem o conhecimento das múltiplas áreas da medicina e de outras áreas técnicas e cientificamente associadas”.
Na análise dos recursos dedicados à oncologia, conclui que a sua distribuição “não acompanha a pressão assistencial das diferentes instituições”, quer quando se considera o volume de novos casos, quer no volume de primeiras consultas.
No que diz respeito à atividade clínica em oncologia, o documento aponta igualmente “desigualdades marcadas na atividade médica”.
Apesar da concentração da atividade em radioncologia em 11 centros, três foram responsáveis por mais de metade (55%) das primeiras consultas de radioncologia (IPO Lisboa, IPO Porto, IPO Coimbra), contudo, só dispõem de 48% dos radioncologistas identificados, sublinha.
Quanto à Oncologia Médica, o relatório aponta para ”desigualdades assistenciais marcadas”.
Ainda no que se refere aos meios humanos de suporta à atividade da radioncologia, o documento refere que Portugal (com 4,1/ milhão de habitantes) tem um número de físicos médicos inferior às recomendações europeias (18/ milhão de habitantes) e admite que esta situação poderá condicionar a capacidade de cumprimento da legislação sobre proteção radiológica, o controlo de qualidade dos aparelhos e dos tratamentos, bem como o desenvolvimento de investigação clínica nesta área.
Em comparação com os dados de 2020, os de 2022 revelam que se mantém o agravamento da carga assistencial (reportada em primeiras consultas por médico especialista) em três instituições (IPO Lisboa, IPO Coimbra e Hospital de Santarém) e a redução em quatro centros (IPO Porto, Centro Hospitalar Universitário Lisboa Norte, Centro Hospitalar Barreiro Montijo, e Centro Hospitalar Trás-os-Montes e Alto Douro).
Segundo o relatório, o Hospital de Évora - que não reportou dados em 2020 - é a segunda instituição com a carga assistencial mais elevada, a seguir ao IPO Lisboa.
DGS preocupada com hospitais que realizam poucas cirurgias oncológicas
O baixo número de cirurgias oncológicas em 2022 nos hospitais de Évora, Figueira da Foz e Nordeste, com menos de uma por dia, preocupa a direção do Programa Nacional para as Doenças Oncológicas, que alerta para a falta de recursos.
No terceiro relatório que caracteriza a capacidade instalada no Serviço Nacional de Saúde (SNS) para a gestão de doentes com cancro, neste caso relativo a dados de 2022, os especialistas apontam para a falta de critérios uniformes de distribuição dos médicos oncologistas.
“Os recursos humanos, em particular na área da Oncologia Médica estão subdimensionados e a atual distribuição territorial não parece obedecer a critérios uniformes de alocação”, refere o documento do Programa Nacional para as Doenças Oncológicas, da Direção-Geral da Saúde.
O relatório aponta para um aumento da atividade clínica em oncologia, mas levanta preocupações quanto ao reduzido número de cirurgias oncológicas em três instituições (Évora, Figueira da Foz e Nordeste).
“Se considerarmos como referência um valor de 260 cirurgias/ano (equivalente a 1 cirurgia por dia/útil) é fator de preocupação dado a reconhecida associação direta entre volume cirúrgico e resultados em Oncologia”, refere o documento, hoje divulgado.
Destaca as 79 cirurgias oncológicas num ano reportadas pelo Hospital de Évora e diz que, “apesar dos potenciais ganhos sociais pela promoção da coesão territorial e mitigação das deslocações de doentes e familiares”, é necessário “reavaliar o risco clínico que poderá ser incorrido pelos doentes pela eventual menor proficiência das equipas cirúrgicas e das equipas clínicas de apoio peri-operatório”.
Refere também que os recursos em radioterapia estão concentrados em centros de alto volume, mas alerta para uma “assimetria na distribuição da respetiva pressão assistencial”.
No que diz respeito ao tratamento médico em ambulatório, salienta a “ampla cobertura nacional (Hospital de Dia)”, mas alerta que 6% das instituições operam “sob condições de segurança não ideais”, pois não alocam um médico em presença física durante o período de funcionamento dessas unidades.
Nas recomendações, os responsáveis pelo documento avisam que a informação epidemiológica das doenças oncológicas nas instituições do SNS não é mantida ou atualizada de forma sistemática e sublinham que esta situação “deverá ser alvo de priorização”, concretizando-se a plataforma prevista na lei de 2017 que criou e regulou o Registo Oncológico Nacional.
A direção do Programa Nacional para as Doenças Oncológicas, da Direção-Geral da Saúde (DGS), recomenda ainda uma revisão das atuais redes nacionais de prestação de cuidados em oncologia médica, cirurgia oncológica e radioncologia, para racionalizar a alocação de recursos e promover maior equidade no acesso e maior proximidade de cuidados à população.
Reconhece, igualmente, a necessidade de, em futuros relatórios, incluir a avaliação dos recursos do SNS em oncologia pediátrica: “De momento, não é possível, através das variáveis disponibilizadas, aferir o tempo de resposta associado a cada entidade em função dos recursos disponíveis”, refere.
O documento reconhece que a Oncologia é uma das áreas “em maior desenvolvimento clínico e tecnológico”, com volume “muito significativo” do investimento em investigação clínica.
A maioria das instituições (23/32) reporta participar em ensaios clínicos nesta área e indica ter 593 doentes incluídos em ensaios clínicos no ano de 2022. ´
Contudo, diz que esta área precisa de desenvolvimento pois o número de doentes incluídos em ensaios clínicos é inferior ao potencial de recrutamento do país “se atendermos ao número de novos doentes identificados por ano e o volume de doentes incluídos noutros países da União Europeia de igual dimensão”.
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