Os movimentos de cidadãos são críticos dos investimentos e contestam a forma como a descarbonização está a ser implementada, enquanto a população vê com expetativa os projetos previstos. Já os autarcas temem uma retração, nomeadamente na área do hidrogénio verde.
No café São Torpes, paredes meias com a antiga central termoelétrica de Sines da EDP, encerrada desde janeiro de 2021, suspira-se por melhores dias para o negócio que tem estado parado desde o encerramento da fábrica.
“Nessa altura foi bom. Durante a montagem e por aí fora. Piorou quando eles fecharam”, conta Luís Amador, que se refugia atrás do pequeno balcão depois de servir uma sopa ao único cliente do café.
Questionado pela agência Lusa sobre investimentos como o Data Center, também a poucos metros do seu estabelecimento, diz que são bem-vindos, “desde que não seja para prejudicar a saúde à malta”.
“E que não estraguem o que já está feito, pelo menos uma parte. Com tanto espaço que têm aí para construir, escusavam de construir em cima de certos terrenos que serviam para outras coisas mais úteis. Isso aqui eram terrenos todos cheios de poços e nascentes”, afirma.
No centro da cidade de Sines, entre os poucos populares que quiseram falar à Lusa, é Maximiano Ferreira que revela a sua frustração em relação à estagnação desta região e até do país que, no seu entender, tem de “andar para a frente”.
“Se for um bom investimento, acho que tem de ser aceite e andar para a frente”, considera, dando o exemplo da Autoestrada (A) 26, cujo investimento continua por concretizar.
“Se as empresas não conseguirem investir aqui, conforme querem, com a rapidez que é, se for um bom investimento, acho que tem de ser aceite e tem que andar para frente”, acrescenta.
Com os acontecimentos das últimas semanas que levaram à detenção do presidente da Câmara de Sines, Nuno Mascarenhas, e à demissão do primeiro-ministro, António Costa, ainda frescos na memória, o vereador eleito pelo movimento de cidadãos MAISines, António Brás, diz que a magnitude dos projetos afasta qualquer possibilidade de estes não avançarem.
“Pela sua magnitude, pelos postos de trabalho, pela importância que têm, não só a nível regional, como nacional e até europeia, pela agenda da transição energética, nem sequer colocamos a possibilidade de [estes projetos] se poderem deixar de concretizar”, frisa.
No entanto, o autarca, eleito nas últimas eleições autárquicas, acredita que poderão existir adiamentos nos investimentos previstos.
“Neste momento, e já é mais do que sensação é que vai haver aqui um ‘delay’ [atraso] sobre os projetos, eventualmente, pode haver algumas alterações nos empreiteiros e até algum repensar de alguns projetos”, vaticina.
E este atraso “pode ser dramático” para a região, considera o autarca do MAISines, que aplaude “a diversificação dos investimentos”, tendo em conta que Sines sempre esteve dependente do ciclo dos combustíveis fósseis.
“O projeto ALBA da Repsol, que é um projeto de uma dimensão muito considerável, continua em velocidade cruzeiro. Estou em crer que [também] o projeto que a Galp tem relacionado com o hidrogénio. O porto de Sines continua pujante. Há uma série de investimentos e de trabalhos que continuam”, exemplifica.
Questionadas pela Lusa, a Galp, Repsol e EDP, que têm projetos relacionados com o hidrogénio verde, não querem comentar este assunto.
Do outro lado da ‘barricada’ estão os movimentos que há vários anos contestam a forma como a transição energética está a ser feita em Portugal, que, dizem, hipoteca estes territórios e os seus bens naturais.
À agência Lusa, Kaya Schwemmlein, porta-voz do Juntos Pelo Cercal do Alentejo, movimento que é contra a dimensão de um parque solar naquela freguesia do concelho de Santiago do Cacém (Setúbal), faz a relação entre as energias renováveis e os investimentos do hidrogénio ou do centro de dados que a empresa Start Campus está a construir em Sines.
“Onde se vai buscar toda esta energia que será necessária para o projeto do Data Center?”, questiona, dando a resposta logo de seguida: “Isto é das centrais fotovoltaicas, hectares e hectares, milhares de hectares de centrais fotovoltaicas e eólicas que irão ser espalhadas pelo território”.
Segundo a jovem ativista, só “o Data Center tem uma necessidade 4,6 vezes maior do que o Complexo Industrial de Sines tem na sua totalidade e estes números dizem respeito a 2021”.
No concelho de Santiago do Cacém está prevista a instalação da Central Solar de Cercal do Alentejo e da Central Fernando Pessoa, da Iberdrola e Prosolia Energy, na freguesia de São Domingos e Vale de Água.
“Irá impactar milhares e milhares de sobreiros, para não falar das alterações do uso do solo, por exemplo, das consequências para a saúde humana e das consequências diretas na população”, como o desemprego, alega.
Este mês, os movimentos Juntos pelo Cercal do Alentejo e Vamos Salvar os Sobreiros, a Associação Proteger o Alentejo e o Grupo de Ação e Intervenção Ambiental (GAIA) pediram “a suspensão imediata dos licenciamentos” destas centrais fotovoltaicas e revelaram que vão constituir-se assistentes no inquérito relacionado com a Operação Influencer.
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