“É preciso haver uma suspensão total dos despejos, porque não há qualquer tipo de alternativas”, nem no mercado, nem de respostas sociais, disse Rita Silva, da associação Habita!, que acompanhou o grupo de moradores que foi recebido pela ministra da Habitação, Marina Gonçalves.

“Não sentimos que a ministra esteja disponível para suspender os despejos”, adiantou, recordando que a medida foi adotada durante a pandemia de covid-19 e hoje “a crise não é menor”.

Marina Gonçalves acedeu a receber um grupo de representantes dos manifestantes que hoje se concentraram em frente ao Ministério da Habitação, para exigirem ser ouvidos.

Segundo um comunicado emitido depois da reunião, o Ministério da Habitação garante que “nunca recusou receber estas famílias” e que o pedido chegou em 08 de março e era “endereçado a várias entidades, não havendo um pedido concreto” a Marina Gonçalves.

Na ausência de uma resposta, as famílias despejadas dos bairros de Talude e Montemor (concelho de Loures, distrito de Lisboa), 2.º Torrão (Almada, distrito de Setúbal) e 6 de Maio (Amadora, distrito de Lisboa) — que vivem atualmente “processos de demolições e despejos muito duros”, segundo as associações — foram reclamar a reunião ‘in loco’, acompanhadas por elementos de organizações como a Habita!, a Stop Despejos e a Canto do Curió.

Não foi preciso esperar muito para que a ministra informasse que os iria receber ainda de manhã, o que acabou por acontecer por volta do meio-dia e meia, num encontro que durou até depois das duas da tarde.

“O que é que eu vejo? O Ministério do Despejo” foi uma das palavras de ordem gritada pelos manifestantes que se mantiveram na rua durante a reunião entre alguns moradores e a ministra.

Segundo relato do grupo, Marina Gonçalves ficou “incomodada” com a entrada, sem pré-aviso, no edifício do Ministério da Habitação.

“Mas, percebeu que, se for preciso, vamos voltar aqui”, transmitiu Rita Silva, à saída da reunião.

Ao grupo, composto por moradores, dois elementos da Habita! e um missionário comboniano, a ministra pediu que lhe enviasse “uma lista” das “várias dezenas” de pessoas afetadas por demolições e despejos nos quatro bairros e tomou “boa nota de todos os casos”, como é referido no comunicado do Ministério.

“Isto não nos garante que as pessoas vão ter realmente soluções concretas, mas saudamos o facto de a ministra estar disponível para receber essa lista e analisá-la”, frisou Rita Silva.

Na nota, o Ministério da Habitação garante que vai “averiguar junto de todas as entidades competentes o ponto de situação de cada um” dos casos que lhe foram reportados.

“Estas pessoas precisam de uma solução urgente, porque estão em vias de ficar na rua nos próximos dias ou porque estão em pensões em condições inaceitáveis”, por exemplo “a três horas de caminho do local de trabalho”, sublinhou Rita Silva.

As medidas “não respondem à crise e à emergência habitacional”, considera a Habita!, defendendo o controlo do mercado de arrendamento e o fim dos incentivos à compra de casa em Portugal por estrangeiros e aos fundos de investimento.

Considerando que o Governo, qualquer um, “está completamente nas mãos do setor imobiliário”, os manifestantes prometeram “continuar a lutar”, antecipando que tenham de “voltar muitas mais vezes” a “ocupar” ministérios.

“O setor da propriedade, do imobiliário é poderosíssimo neste país, não deixa fazer nada, não quer ceder um milímetro que seja. […] Vai ser uma luta longa e precisamos de toda a gente”, sublinhou Rita Silva.

O missionário comboniano José Duarte, há oito anos na paróquia de Camarate e Apelação (Loures), também integrou o grupo ouvido pela ministra, para lhe falar das “pessoas que não conseguem ter uma casa com dignidade” em “tantos bairros”.

“Apenas veio uma gotinha de água, o problema da habitação em Portugal é um mar imenso, onde a maioria das pessoas não consegue sequer pedir ajuda”, relatou à Lusa, frisando que a paróquia recebe “todos os dias” famílias que pedem “apoio para conseguir um quarto, já não pedem casa”, quarto esse que pode chegar aos 400/450 euros.

“As pessoas estão desesperadas. […] Todas trabalham, mas, com o salário mínimo, não conseguem pagar rendas de 400”, contou, criticando as “soluções de martírio” que a segurança social está a apresentar às famílias despejadas.

O missionário disse ainda ter encontrado uma ministra “consciente de que o problema é gravíssimo” e com disponibilidade para a “escuta”, esperando agora que Marina Gonçalves tenha “coragem” para resolver o problema.

“A política tem de escutar o povo. Quem trabalha na base todos os dias tem de se preocupar sobre onde vai dormir e comer”, salientou.

“Pelo menos ela [a ministra] não foi desumana, nos atendeu a todos. Cada um expôs os seus problemas e ela comprometeu-se a tentar […] resolver. Acho que ela vai tentar fazer alguma coisa, não sei, vamos esperar para ver”, disse à Lusa Ivânia Quinta.

Com um bebé de três meses no regaço, Ivânia tinha uma casa no bairro do Talude, demolida na semana passada. Mãe e filho estão alojados numa pensão desde quinta-feira, onde não há máquinas de lavar, nem condições para cozinhar.

Ivânia não sabe quanto tempo vai ficar na pensão, nem quando vai poder juntar-se com os outros quatro filhos, que ficaram a cargo do pai.

A Habita! acompanha “várias centenas de famílias” na mesma situação.

“Fomos pedir que as demolições e os despejos acabem e também que haja uma solução para todas as pessoas que ficaram numa situação de sem-abrigo porque têm sido despejadas por parte das câmaras municipais”, disse Rita Silva.

“Estamos neste momento a viver uma emergência habitacional gravíssima neste país”, enfatizou.

Ao som do lamento “tanta casa vazia, tanta gente sem casa”, os bairros prometeram “resistência”.

Andreza foi despejada do bairro 6 de Maio em 2013 e até agora está à espera de uma solução.

“Estamos a trabalhar no território português, estou a descontar no território português. Porquê que pessoas que vêm de fora, da guerra e isto mais aquilo, têm direito a casa e nós aqui não temos direito? Estou a trabalhar há 20 e tal anos […], tenho documentos, tenho filhos a estudar. Fico aqui a trabalhar das cinco da manhã às dez da noite, o salário mínimo é 700 e tal, uma pessoa não pode alugar uma casa por 500 euros”, lamentou.