Logo no dia seguinte à convenção de 28 de maio da qual saiu como sucessora de Catarina Martins após ser eleita coordenadora do BE, Mariana Mortágua deixou claro que a sua liderança não iria representar “uma guinada política” no partido, o que foi confirmado pelos primeiros 100 dias no cargo.

O partido manteve o foco em temas como a habitação, saúde, educação, banca ou direitos, e a agenda de Mariana Mortágua foi em muito semelhante à que era feita por Catarina Martins, também com a presença junto de trabalhadores em greve nos diferentes setores.

A nova líder assumiu “as despesas” dos principais debates na Assembleia da República com a presença do primeiro-ministro, António Costa, sendo as críticas à maioria absoluta socialista uma constante nas intervenções dos últimos três meses.

Desde a convenção nacional, de acordo com os dados disponibilizados pelo partido, aderiram ao BE três centenas de novos militantes, mantendo as diferentes sondagens sinais de recuperação em relação ao desaire eleitoral das últimas legislativas, na qual o partido ficou reduzido a cinco deputados.

À agência Lusa, André Azevedo Alves, do Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica, identifica nestes 100 dias uma “continuidade, mas também algum refrescamento”.

“Há continuidade do ponto de vista programático, ideológico, mas houve algo muito importante para o BE, e que com Catarina Martins me parecia muito difícil, que é um refrescamento em termos de imagem”, detalhou, recordando que a antiga coordenadora tinha nos seus ombros “a herança da geringonça” e os recentes maus resultados eleitorais.

Na opinião do politólogo, Mortágua “tem uma grande vantagem em política e ainda mais em partidos pequenos que é de assumir a liderança com níveis de notoriedade que já não seriam muito inferiores” aos de Catarina Martins, sendo este um “benefício substancial face a Paulo Raimundo [PCP] ou a Rui Rocha [IL]”.

Para André Azevedo Alves a transição na liderança do BE foi até agora bem-sucedida para partido e “eleitoralmente mais interessante do que a do PCP”.

“Para as próximas europeias, parece-me que o BE está claramente melhor posicionado do que o PCP, à esquerda, para recuperar. Os dois fatores mais fortes são a penalização do PCP pela questão da Ucrânia e a nova liderança, que no caso do BE tem algum efeito positivo”, comparou.

Já António Costa Pinto, do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, refere que em termos de programa e estratégia “nada mudou”, o que é natural tendo sido uma sucessão “programada pela elite dominante do BE”.

“O BE é um partido que não é estritamente dominado pela sua liderança nem por alterações significativas de estilo político dos seus líderes, tem um eleitorado de classe média, que já votou PS, que olha mais para a mensagem política do que para o estilo político da sua liderança. O BE não é o Chega”, salientou.

Apontando um “estilo político” diferente de Mariana Mortágua em relação a Catarina Martins, Costa Pinto vê uma “mensagem política mais fresca” sobretudo tendo em conta o desgaste da anterior liderança.

Para o politólogo, “à medida que uma parte do eleitorado de esquerda esquece o derrube do Governo” devido ao chumbo do Orçamento do Estado, “o efeito punição do Bloco tenderá a esbater-se”.