Precisamente um semana depois da catástrofe, que já provocou mais de 200 mortos, na Beira cortam-se árvores que caíram nas ruas, e se durante o dia é o barulho de motosserras e de zinco a ser pregado que impera, à noite sobrepõe-se o de geradores.
A cidade ainda não tem luz e água apenas aparece nas torneiras quando se ligam geradores, embora se possam encontrar alguns restaurantes abertos e haja pequeno comércio à beira das estradas, das tradicionais barracas com bolos fritos e bolachas à venda avulsa de fruta.
Mas nenhum supermercado funciona, nem o mercado do peixe nem há frutas e legumes. Na manhã de hoje, junto a um armazém que não foi destruído, uma situação que se tem vindo a repetir na Beira nos últimos dias, a tentativa de saque. Algumas centenas de pessoas a protestar e uma dúzia de militares, a guardar sacos de arroz.
“Já foram milhares de pessoas aqui, há umas duas horas, mas agora muitas já se foram embora”, disse o comandante à Lusa, em frente de algumas centenas ainda, muitos homens jovens mas também mulheres e crianças.
Pedindo para não ser identificado o militar explicou que tem sido assim por toda a cidade nos últimos dias: quando as pessoas, “oportunistas”, descobrem um armazém juntam-se para o roubar.
Mas depois suaviza o discurso, diz que compreende, que as pessoas não têm nada para comer, que a situação é caótica na Beira. E no fim, em jeito de lamento, quando é questionado sobre o que vai acontecer a seguir: “se calhar vamos ficar aqui até amanhã”.
A situação é caótica, de facto, nalguns locais da cidade, especialmente nos bairros mais pobres, especialmente pela falta de água potável e pelo excesso de água nas casas. Mas os últimos dois dias, de sol, têm permitido que se seque roupa, que se façam algumas obras, que se cubram alguns telhados com chapas de zinco.
E que se olhe para o resto da região, onde na última semana muitas pessoas voltaram a subir às árvores por causa das cheias.
É uma região com 125 quilómetros de comprimento, 25 quilómetros de largura e 11 metros de altura de água nalguns locais, entre a Beira e a bacia dos rios Buzi e Pungue. “É qualquer coisa do tamanho do Luxemburgo”, resume à Lusa o coordenador de emergência do Programa Alimentar Mundial, Pedro Matos.
Questionado sobre quantas pessoas estão ainda nessa região, a precisar de ajuda, a resposta foi lacónica: “a nossa preocupação é salvá-las, não conta-las”.
Além dos meios aéreos o Programa está a usar 18 barcos. Mas há outros meios que estão a ser utilizados na busca e salvamento, por uma equipa sul-africana de resgate, e por outra ainda acabada de chegar da Índia, além dos meios locais.
Tudo é coordenado a partir de duas grandes salas no aeroporto da Beira, um cartaz escrito à mão, à entrada da primeira a dizer “Idai response”. Lá dentro, em grande frenesim, dezenas de organizações não governamentais, agências da ONU, organismos do governo. A UNICEF a um lado a “Air Operations Centre” do outro, o moçambicano Instituto Nacional de Gestão de Calamidades mais ao fundo.
E nas ruas, entre as mais e menos preservadas muitas pessoas a caminhar, várias com bidões amarelos, em busca de água potável, outras afastando com as mãos os cabos elétricos caídos, outras desviando-se de árvores tombadas, outras ainda carregando às costas chapas de zinco.
É raro ver-se, muito raro, mas há também quem passe na rua carregando um saco de arroz.
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