Bô está enjaulada na sede do parque natural em vez de regressar à natureza e Bela vive ao cuidado das autoridades com uma corda ao pescoço.

A primeira a nascer foi Bô, resgatada há dois anos das mãos de suspeitos de tráfico de droga e hoje a viver presa numa cela improvisada numa torre de água.

Ninguém a quer ver assim, mas também ninguém foi capaz de organizar a transferência para uma reserva no Quénia, o Sweetwaters Chimpanzee Sanctuary, que já aceitou recebê-la.

Bô está entregue ao Instituto da Biodiversidade e Áreas Protegidas (IBAP) da Guiné-Bissau por mero acaso.

“Não temos competências para acolher animais resgatados”, diz Aissa Regalla de Barros, dirigente do IBAP. “Aconteceu naturalmente”. O instituto “foi quem chegou primeiro” ao animal.

Um guarda do Parque Natural de Cantanhez, sul da Guiné-Bissau, recuperou a Bô no final de 2014, alegadamente depois de um caçador matar a mãe e antes que a cria fosse vendida a redes de tráfico.

Na altura deram-lhe o nome de Tagara e o que se seguiu foi uma série de boas vontades, mas nunca a ajuda de que ela precisava.

A chimpanzé começou por viver na casa do técnico que a salvou, integrada numa família humana, na capital guineense, depois foi tentada a reintegração nas florestas de Cantanhez, mas os chimpanzés nativos não mostraram interesse nela, e por fim foi transferida para o Parque Natural das Lagos de Cufada onde está enjaulada por mau comportamento.

“Eu sinto-me mal ao vê-la assim”, mas não houve outro remédio, lamenta Joãozinho Mané, diretor do parque: rejeitada na floresta, indesejada entre humanos, a bebé “foi ficando mais irrequieta”, conta.

Ali em Buba mudaram-lhe o nome. Agora chama-se Bô, a chimpanzé que chegou em 2015 e que tanto entrava nas casas da vila, como no quartel e pegava no encontrava.

Hoje, quando um visitante se aproxima, ela olha-o nos olhos e estende a mão para fora das grades. Cumprimenta e acaricia a face de quem chega perto. Agarra qualquer comida que lhe seja oferecida.

“O dia-a-dia dela está um pouco mais duro”, relata Joãozinho Mané. Ele e um colega do parque pagam do bolso a comida da Bô, mas nem sempre dá para comprar tudo o que lhe faz falta.

Às vezes, “ela fica com fome, sofre muito. Isso é duro para ela e para nós também”.

Aissa ainda tem esperança numa transferência bem-sucedida para o Quénia, mas reconhece que faltam recursos e leis para a Guiné-Bissau poder responder a todas as exigências veterinárias e processuais que acabem com a prisão.

Carla Sorneta e Helena Foito dos Santos são duas portuguesas residentes em Bissau que se envolveram pessoalmente no caso.

“O processo tem sido extremamente lento aqui na Guiné-Bissau”, lamenta Carla que reconhece que o seu entusiasmo inicial já lá vai.

“No Quénia a situação resolveu-se rapidamente”, mas os “grandes entraves” surgem na casa de Bô, porque “não há ninguém que se responsabilize por pôr em prática” os procedimentos necessários à viagem da chimpanzé.

Mas as limitações não se encontram só ao nível da Guiné-Bissau: “os próprios programas da União Europeia (UE) defendem tudo o que é conservação ‘in sito’, mas também não sabem muito bem como abordar situações de animais resgatados”.

Bela é uma outra chimpanzé bebé que também terá sido resgatada de traficantes e que há oito meses vive presa com uma corda ao pescoço, agarrada a um tronco, à beira do que dizem ser o posto da guarda florestal de Mampata, na estrada entre Buba e Quebo, no sul da Guiné-Bissau.

Três mulheres sentadas no chão, ao ar livre, comem arroz cozido de uma grande tigela e salpicam o chão à volta de Bela que disputa cada grão com galinhas que por ali esgravatam a terra.

Bela passa os dias confinada ao pedaço de terra que a corda lhe permite alcançar, dependente da comida que lhe queiram dar.

Um guarda florestal à paisana conta-nos a história, sob anonimato, por cautela, pois há noção de que o assunto é sensível, mas sem se saber bem até que ponto.

“A nossa gente encontrou pessoas que iam vendê-la”. O animal acabou por ser confiscado, mas sem mais averiguações.

“Não temos informação correta de quem capturou a chimpanzé. Estamos sempre aqui à espera de informação correta para informar a Direção-Geral de Florestas”, referiu o guarda.

Mas falta quem saiba o que fazer. Em Bissau, questionado sobre o caso de Bela, Fai Djedjó, diretor dos Serviços de Fauna Silvestre da Guiné-Bissau, que tutelam estas matérias, limita-se a sorrir e a abanar a cabeça.

“Não tenho nada a dizer”, refere, num gabinete minúsculo, num edifício degradado e por vezes sem eletricidade, que revela uma enorme falta de meios para desempenhar qualquer tarefa, por mais básica que seja.

* Luís Fonseca/Lusa