Se tem filhos ou cuida de crianças e dispõe de um quintal em casa é provável que já se tenha deparado com alguém a dar uns chutos numa bola. Portanto, não é difícil imaginar um cenário em que um remate desferido com um bocadinho de mais força e menos direcionado, quiçá numa tentativa de imitar um livre de Cristiano Ronaldo, levasse a que o esférico acabasse no quintal do vizinho.

Pondo este cenário, imaginemos agora que o vizinho — rabugento ou apenas cansado de que a situação extrapolasse a mera rotina e fosse recorrente — recusava devolver a bola. Ora, é um acontecimento que tem tanto de plausível como de justificável, mas, na Bélgica, num futuro próximo, tal deixará de ser possível. Por lei.

É que, a partir de 1 de setembro, quem acidentalmente chutar ou atirar a sua bola para o jardim de um vizinho terá o direito legal de a recuperar e de a pedir de volta. (O mesmo vai aplicar-se aos proprietários de animais de estimação que queiram ir buscar os seus companheiros que se tenham escapulido para terreno alheio).

A explicação para tal decreto-lei teve que ver com a necessidade de esclarecer a situação legal (complicada) no país relativamente a este tópico. O professor Vicent Sagaert, que ajudou a compor as novas ordens, citado pelo The Guardian, explicou o que está em cima da mesa.

"Até agora o vizinho tinha de devolver a bola, mas o vizinho podia recusar o acesso ao seu jardim para o fazer. [Só que] a partir de 1 de setembro, [quem rematou tem] o direito de ir buscar a sua bola ou o seu animal de estimação, desde que tenham ido lá parar por acidente. Não é permitido apenas chutar a bola sobre o arbusto para olhar em redor. É claro que se deve usar o bom senso", começou por explicar Sagaert ao canal de rádio flamengo VRT.

"Tem de se tocar à campainha do vizinho e perguntar primeiro. Mas se eles recusarem ou não estiverem em casa, podem ir ao quintal buscar a bola", acrescentou, frisando, contudo, "apenas para procurar a sua bola ou animal, não para levar outras coisas, porque isso ainda se chama roubo".

A nova lei, no entanto, preocupa aqueles que estão a prever um surto de comportamentos pouco cívicos no que ao bem-estar da vizinhança diz respeito. Mas o juiz “da paz" Eric Dierickx, que preside a um pequeno tribunal de reclamações (o Tribunal da Paz, último na hierarquia do sistema legal belga, que lida com situações menores) em Wezembeek-Oppem, na província flamenga de Brabante, frisou que a aplicação da lei seria acompanhada de perto.

"As pessoas não podem simplesmente começar a entrar no jardim de qualquer um. Os abusos também serão sancionados. Temos de estar vigilantes quanto à privacidade”, disse.

Esta alteração à lei vai permitir que as pessoas tenham o direito de andar por terras privadas, mas apenas desde que não sejam vedadas, cultivadas ou lavradas. Porém, entrar no jardim de um vizinho para montar uma escada ao cortar uma sebe ou limpar uma sarjeta será de lei. "Esse direito será agora alargado às obras de construção", reiterou Sagaert. "É também um direito temporário, e os vizinhos podem também pedir uma compensação pelo incómodo causado".

Sagaert indicou que não acredita que a lei possa afetar o direito à privacidade porque é "óbvio que terceiros não podem utilizar os bens das pessoas". "Estamos a falar de situações em que uma bola acabou no jardim do vizinho por causa de um acidente", frisou ao Brussels Times.