A primeira sessão está marcada para as 09:30 no Juízo Central Criminal de Lisboa e tem lugar quatro anos e três meses depois de ser conhecida, em julho de 2020, a acusação do Ministério Público (MP), que, na sequência de cerca de seis anos de investigação, construiu um megaprocesso com 25 arguidos, dos quais 18 pessoas e sete empresas.
Desde então decorreu a fase de instrução, que confirmou praticamente na íntegra a tese do MP. Essa fase processual chegou a juntar mais alguns arguidos, mas que foram entretanto afastados deste processo, enquanto alguns dos arguidos acusados em 2020 acabaram por se livrar das acusações e outros morreram durante este período, como o antigo administrador José Manuel Espírito Santo.
Assim, vão responder em tribunal um total de 18 arguidos, alegadamente responsáveis pela prática de mais de 300 crimes entre 2009 e 2014. Eis os arguidos e crimes em causa no julgamento do processo BES/GES:
Ricardo Salgado
Atualmente com 80 anos, o ex-banqueiro foi o principal rosto do Grupo Espírito Santo (GES) e liderou durante mais de duas décadas o BES, até ser forçado a sair da presidência da instituição por pressão do Banco de Portugal, em junho de 2014. Dois meses depois, em agosto, foi anunciada a resolução do BES, seguindo-se o colapso de um grupo presente em quase todos os setores da economia.
O fim do BES marcou o início dos problemas judiciais para Ricardo Salgado, que hoje se debate com a doença de Alzheimer, segundo os relatórios médicos apresentados pela defesa. O ex-banqueiro é a figura central do designado Universo Espírito Santo, entretanto dividido em sete processos, e já foi condenado noutros dois casos: o processo extraído da Operação Marquês, no qual recorre de uma pena de oito anos de prisão, e o caso EDP, do qual saiu com uma condenação a seis anos e três meses de prisão.
No processo BES/GES, Ricardo Salgado foi acusado de 65 crimes, mas três crimes prescreveram antes do início do julgamento, pelo que já só responde em tribunal por 62 crimes. Entre estes contam-se um crime de associação criminosa, 12 de corrupção ativa no setor privado, 29 de burla qualificada, cinco de infidelidade, um de manipulação de mercado, sete de branqueamento de capitais e sete de falsificação de documentos.
Francisco Machado da Cruz
Conhecido como “comissaire aux comptes” no seio do GES, Francisco Machado da Cruz foi o contabilista do grupo entre 2002 e 2014, tendo-lhe sido imputada a falsificação das contas da Espírito Santo International (ESI). A situação de insolvência da sociedade seria do seu conhecimento desde 2009, atuando alegadamente com instruções de Ricardo Salgado para ocultar a dívida e manipular as informações financeiras.
Apesar de ter colaborado com as autoridades, Francisco Machado da Cruz foi acusado em 2020 da prática de 36 crimes, dos quais três já viram declarada a prescrição, restando assim 33 crimes: um de associação criminosa, um de corrupção passiva no setor privado, 20 de burla qualificada, cinco de branqueamento, quatro de manipulação de mercado e dois de falsificação de documento.
Amílcar Morais Pires
Após desempenhar vários cargos desde que entrou em 1986, Amílcar Morais Pires foi administrador financeiro do BES no período entre 2004 e 2014 e passou a ser uma espécie de ‘braço direito’ de Ricardo Salgado, que o chegou a indicar para o substituir à frente do banco.
O MP imputou-lhe um total de 25 crimes, mas um crime de infidelidade já prescreveu, pelo que responde no julgamento por um total de 24 crimes: um de associação criminosa, um de corrupção passiva no setor privado, 11 de burla qualificada, sete de branqueamento, dois de falsificação de documento, um de infidelidade e um de manipulação de mercado.
Isabel Almeida
Antiga auditora na PwC, Isabel Almeida entrou para o BES em 1995 e só cessou a sua ligação ao grupo em 2016. No banco chegou a diretora do departamento financeiro, de mercados e de estudos e passou em 2009 a assessora do Conselho de Administração do BES, reportando nas suas funções a Morais Pires.
Começou por ser acusada de 21 crimes, mas dois caíram ainda na decisão instrutória. A única mulher acusada neste processo principal do Universo Espírito Santo vai ser julgada por 19 crimes, entre os quais um de associação criminosa, um de corrupção passiva no setor privado, um de manipulação de mercado, cinco de branqueamento e 11 de burla qualificada.
António Soares
António Soares entrou para o BES em 1991 como ‘trader’ no Departamento de Mercados Monetários e Tesouraria. Chegou em 2005 a diretor do departamento financeiro, de mercados e de estudos, cargo no qual ficou quase até ao colapso do banco em 2014 e que acumulou entre 2012 e 2014 com o papel de membro do conselho de administração da BES Vida.
O MP acusou-o em 2020 de 17 crimes, acabou pronunciado por 15, nomeadamente um de associação criminosa, um de corrupção passiva no setor privado, um de manipulação de mercado, seis de branqueamento e outros seis de burla qualificada.
Paulo Ferreira
Antigo diretor do departamento financeiro, de mercados e de estudos do BES, onde também teve responsabilidades nas áreas de emissão de dívida e de mercado monetário do banco, Paulo Ferreira assumiu ainda a tutela sobre os serviços de back-office daquele departamento, reportando a Isabel Almeida.
Em tribunal vai ter de responder pela alegada prática de sete crimes: um de associação criminosa, um de corrupção passiva no setor privado, um de manipulação de mercado, um de branqueamento e três de burla qualificada.
Pedro Almeida e Costa
Foi como assistente da direção do departamento financeiro, de mercados e de estudos que integrou o BES, em 1998. Trabalhou nas áreas de desintermediação e de crédito da BES Vida e passou em 2005 para a comissão executiva da sociedade ESAF SGPS, reportando a Ricardo Salgado e a Morais Pires.
A acusação do MP imputou 10 crimes a Pedro Almeida e Costa, que acaba por responder em julgamento por apenas sete: um de corrupção passiva no setor privado, um de manipulação de mercado, dois de branqueamento e três de burla qualificada.
Cláudia Boal Faria
A entrada no BES ocorreu em 1996 na área de Grandes Empresas e Internacional, passando em 2000 para o departamento financeiro, de mercados e de estudos, do qual viria a ser diretora-adjunta entre 2009 e 2013.
A Cláudia Boal Faria foram imputados seis crimes, mas apenas vai ser julgada por um total de cinco, entre os quais um de associação criminosa, um de corrupção passiva no setor privado, um de manipulação de mercado e dois de burla qualificada.
Pedro Cohen Serra
O antigo subdiretor do departamento financeiro, de mercados e de estudos tinha como responsabilidade intervir no mercado de ações e nos mercados globais, no âmbito da gestão da própria carteira de títulos do BES.
Pedro Cohen Serra vai responder por sete crimes, contando-se entre estes um de associação criminosa, um de corrupção passiva no setor privado, um de manipulação de mercado, um de falsificação de documento, um de branqueamento e dois de burla qualificada.
Nuno Escudeiro
Nuno Escudeiro entrou no BES em 1998, rumo ao back-office da sala de mercados, na qual tinha de verificar a conformidade de operações ordenadas pelos outros elementos do departamento. Em 2010 assumiu o papel de subdiretor e assumiu atos de gestão das carteiras de produtos oferecidos na banca de seguros em nome da BES Vida, além da gestão das carteiras do BES, na área de risco de crédito.
O MP acusou-o de cometer oito crimes, continuando a ter de responder em julgamento sobre a suposta prática de um crime de associação criminosa, um de corrupção passiva no setor privado, um de manipulação de mercado, um de falsificação de documento, dois de branqueamento e dois de burla qualificada.
Pedro Pinto
A admissão de Pedro Pinto no BES ocorreu em 1999, para o departamento financeiro, de mercados e de estudos, trabalhando diretamente com mais arguidos. Em 2009 passou a exercer funções na gestão discricionária de carteiras que o BES ofereceu aos clientes.
O MP considerou que Pedro Pinto seria responsável pela prática de 18 crimes. No entanto, será julgado por apenas 17, em virtude da prescrição de um crime de infidelidade, sobrando um crime de associação criminosa, um de corrupção passiva no setor privado, um de manipulação de mercado, um de falsificação de documento, um de infidelidade e seis de branqueamento e seis de burla qualificada.
Manuel Fernando Espírito Santo
Primo de Ricardo Salgado e o único membro da família Espírito Santo a ir a julgamento além do ex-presidente do BES, Manuel Fernando Espírito Santo liderava um dos cinco ramos no GES. Foi administrador durante duas décadas no BES e presidente da sociedade não financeira Rioforte nos últimos dois anos.
Em causa no julgamento para Manuel Fernando Espírito Santo encontram-se oito crimes, todos de burla qualificada.
João Martins Pereira
Antigo responsável de ‘compliance’, João Martins Pereira era auditor na PwC antes de entrar para a instituição bancária em 2003 para exercer funções de assessor do Conselho de Administração do BES. Vai ser julgado por três crimes de burla qualificada, todos em coautoria com diversos arguidos.
Etienne Alexandre Cadosch
Cidadão suíço, Etienne Alexandre Cadosch entrou para a esfera do GES em meados dos anos 90 do século passado e alguns anos depois esteve envolvido no processo de constituição de um conjunto de sociedades com a designação Eurofin, tornando-se acionista da Eurofin UK e membro da administração de várias subsidiárias.
O tribunal vai julgar 18 crimes relativamente a Etienne Alexandre Cadosch, entre os quais um de associação criminosa, um de corrupção passiva no setor privado, um de manipulação de mercado, um de infidelidade, um de falsificação de documento, seis de burla qualificada e sete de branqueamento.
Michel Charles Creton
Também com nacionalidade suíça, Michel Creton iniciou funções antes de 2006 na EUROFIN UK, sociedade da qual se tornou acionista em 2008. Dois anos depois, passou a acionista da Eurofin Holding, conquistando assento no conselho de administração desta sociedade, e assumiu a presidência da sociedade Europfin Capital.
O tribunal vai julgar este suíço por 17 crimes, designadamente um de associação criminosa, um de manipulação de mercado, um de falsificação de documento, um de infidelidade, seis de burla qualificada e sete de branqueamento.
Empresas Rio Forte Investments, Espírito Santo Irmãos, SGPS e Eurofin
Há três empresas acusadas de crimes para este julgamento: a Rio Forte Investments, que responde por um total de sete crimes – um de associação criminosa e seis de burla qualificada; a Eurofin, à qual são imputados 15 crimes, como um de associação criminosa, um de corrupção passiva no setor privado, um de falsificação de documento, seis de burla qualificada e seis de branqueamento; e, finalmente, a Espírito Santo Irmãos, SGPS, pronunciada por dois crimes, como associação criminosa e burla qualificada.
Comentários