O investigador Boaventura de Sousa Santos rejeitou, em entrevista à Lusa, as acusações relacionadas com assédio que lhe foram imputadas no capítulo de um livro e assegurou que está inocente e em condições de o demonstrar em lugar onde seja possível defender-se.
“As acusações são falsas, efetivamente, e tenho boas condições de poder demonstrá-lo, mas tenho de o demonstrar em lugar onde seja possível defender-me”, sublinhou, em entrevista à agência Lusa.
Três investigadoras que passaram pelo Centro de Estudos Sociais (CES) de Coimbra denunciaram situações de assédio num capítulo do livro intitulado “Má conduta sexual na Academia - Para uma Ética de Cuidado na Universidade”, o que levou a que os investigadores Boaventura de Sousa Santos e Bruno Sena Martins acabassem suspensos de todos os cargos que ocupavam no CES, em abril de 2023.
O CES acabou por criar, uns meses depois, uma comissão independente para averiguar as supostas, tendo divulgado o seu relatório a 13 de março, quase um ano depois, onde confirmou a existência de padrões de conduta de abuso de poder e assédio, por parte de pessoas em posições hierarquicamente superiores, sem especificar nomes.
“Há 15 meses que sou atacado com base nesse capítulo e depois em tudo o que se seguiu. Sou atacado na imprensa e nas redes sociais, sem nunca me ter podido defender, porque não é na praça pública que podemos averiguar temas tão sérios”, alegou Boaventura de Sousa Santos.
O sociólogo considera que há mais de um ano foi envolvido “numa guerra mediática”, onde logo na primeira semana foi levado a cabo “um assassinato de caráter”.
“Penso que não seja aí que uma pessoa se deva defender, portanto, tenho aguardado, ao longo de todo este tempo, em silêncio. Realmente pensei sempre que era nas instituições que me devia defender e onde este tema devia ser tratado”, justificou.
Segundo Boaventura de Sousa Santos, durante estes 15 meses nunca foi ouvido pela direção, conselho científico ou assembleia-geral do CES, nem pelos tribunais, sobre esta matéria.
Apenas foi ouvido pela comissão independente em 04 de dezembro de 2023, onde entregou “cerca de 600 páginas de documentos” e o nome de várias testemunhas que "nunca chegaram a ser ouvidas".
O relatório que a comissão independente divulgou, afirma, faz um diagnóstico sociológico, mas “nunca fala de vítimas”, apenas em “pessoas denunciadas e denunciantes”, apontando “contradições, fazendo um diagnóstico geral e propondo resoluções para o futuro”.
“Pensei que tudo tinha terminado ali, mas poucos minutos antes de o relatório ser publicado, a direção e o conselho científico do CES publicaram uma carta a pedir desculpa às vítimas, boicotando e contradizendo o que estava no relatório da Comissão, com uma leitura unilateral que procurava fazer validar a narrativa das denunciantes e não com a imparcialidade que era necessária no momento”, diz o sociólogo, acusando o CES de “má-fé”.
Boaventura de Sousa Santos solicitou ao Ministério Público ser constituído arguido e interpôs uma ação judicial contra a direção do CES
Para tentar limpar o seu bom nome, Boaventura de Sousa Santos anunciou que solicitou ao Ministério Público para ser constituído arguido no âmbito do inquérito aberto após relatório de comissão independente, para além de ter interposto uma ação judicial contra a direção do CES, com vista a ter acesso a depoimentos e meios de prova para se poder defender.
A par destas ações, decidiu ainda instaurar ações de tutela de personalidade contra todos os que puseram em causa o seu direito fundamental ao bom nome.
Segundo Boaventura de Sousa Santos, as acusações de assédio tiveram “um impacto terrível” na sua vida pessoal, reputação e “no domínio dos convites”. “Foi um ataque brutal à minha reputação internacional, que provocou cancelamentos”, especialmente “depois do erro que afinal não foi um erro”.
“Foi uma intenção malévola de transformar a minha auto-suspensão em suspensão. Não foi a minha auto-suspensão que levou aos cancelamentos, foi dizer-se que eu estava suspenso, porque quando uma pessoa é suspensa é porque é suspeito de qualquer coisa”, apontou.
Afirma não ter dúvidas de que vai conseguir limpar o seu nome, pois confia na justiça portuguesa e no contraditório.
“Confio na justiça e é a ela que recorro neste momento. Não se pode pôr em causa o bom nome de um dos cientistas sociais mais conhecidos no mundo em língua portuguesa, destruir a sua reputação da forma que tem sido feita em Portugal nos últimos 15 meses, de uma maneira impune”, concluiu.
"Se [o CES] fosse uma instituição política, diria que houve um golpe de Estado, com aparência democrática"
“Se [o CES] fosse uma instituição política, diria que houve um golpe de Estado, com aparência democrática. Obviamente que não vou de maneira nenhuma pôr em causa a legalidade da direção e do conselho científico, que foram democraticamente eleitos. Mas ponho em causa a legitimidade do conselho científico, porque era o mesmo que estava naquele momento [da denúncia] e não trataram imparcialmente, não o fizeram, e estão a fazê-lo desta forma para fazer valer aquela narrativa que é a narrativa das denunciantes e não uma narrativa que seja imparcialmente avaliada”.
Boaventura de Sousa Santos considera ter sido transformado num bode expiatório e, de alguma maneira, como a origem do mal de uma “instituição de excelência, de uma instituição inclusiva”.
“Em 2020, o CES tinha 17% dos doutoramentos da Universidade de Coimbra. Há um estudo que mostra que as mulheres estão em maioria nos órgãos de gestão e de coordenação do CES. 81% dos projetos de produção científica são de mulheres, 61% da coordenação dos nossos projetos são de mulheres. Portanto, temos uma instituição inclusiva extremamente avançada e extremamente exigente”.
E esta exigência, defendeu o investigador titular de 21 doutoramentos honoris causa, levou a que muitos não conseguissem acompanhar a investigação ali criada.
Boaventura de Sousa Santos encontra, por isso, duas razões principais para este “golpe de Estado” e para estas acusações mediáticas, que o tiveram como alvo.
“A minha própria orientação científica não é do agrado de muita gente dentro do CES. Mas o CES sempre foi um espaço em que se respeitou o pluralismo. E isto indigna-me e é um a situação extremamente preocupante”.
"Estão interessados em silenciar a minha voz, mas não é fácil, porque a minha voz é internacional e eu continuo a publicar os meus textos"
Boaventura Sousa Santos aludiu ainda à sua condição de "intelectual público de esquerda".
“Todos sabemos, mas não tenho igreja, nem partido. Portanto, sou um alvo fácil para uma guerra mediática, porque sou incómodo nas minhas posições independentes. Desde que rebentou a guerra na Ucrânia, que sempre me insurgi. Sempre fui adepto das independências. Portanto, critiquei e defendi a paz. Mas, neste momento, em Portugal, lutar pela paz é quase um insulto, porque realmente, como vê as notícias, são todas para que os orçamentos dos Estados aumentem mais os seus gastos militares”.
Ora isto, defendeu, se os investimentos vão para os gastos militares, não vão para a educação, para a saúde, para as pensões, nem para o bem-estar das populações.
“Estamos a alimentar uma guerra infinita e a alinhar numa guerra que pode ser nuclear, que pode ser destrutiva para a própria espécie humana”, alertou.
E por isso, admitiu, foi insultado, desde os média, mas também nas redes sociais.
“Há muitos interesses em Portugal, sobretudo na faixa dos grupos de direita e de extrema-direita. Estão interessados em silenciar a minha voz, mas não é fácil, porque a minha voz é internacional e eu continuo a publicar os meus textos”.
Maria Cristina Marques e Sérgio S. Soares (texto)
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