“Julgo que tem que se dar início a uma iniciativa, nem que seja através de um ‘habeas corpus’ para a libertação de Maria de Jesus Rendeiro, disse Abel Marques, declarando-se “sobremaneira preocupado” com a “situação indigna e desumana” em que se encontra a mulher do ex-presidente do Banco Privado Português (BPP).
Em declarações à Lusa, o advogado explicou que apesar de já o ter feito, já não representa oficialmente Maria de Jesus Rendeiro, colocada em prisão domiciliária com vigilância eletrónica depois de ter sido constituída arguida no processo D’Arte Asas, por suspeitas de descaminho de obras de arte das quais era fiel depositária.
Explicou que a sua intervenção será de aconselhamento à atual advogada de Maria de Jesus Rendeiro.
Em relação à representação legal de João Rendeiro em Portugal, Abel Marques explicou que a sua atividade atualmente estava circunscrita a uma ação relativa a defesa de direitos humanos, entregue no Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, relativa às condenações já transitadas em julgado, alegando que o ex-banqueiro foi vítima de uma condenação em duplicado e sujeito a uma pena degradante.
A questão da morte de Rendeiro pode vir a ser abordada no âmbito deste processo, mas para tal, explicou Abel Marques, será “importante esperar pelo resultado das investigações na África de Sul que vão determinar se foi suicídio ou homicídio”.
Sobre as consequências cíveis dos processos que correm contra João Rendeiro na justiça portuguesa, Abel Marques admite que o cenário mais provável em relação aos bens arrestados, até por iniciativa da defesa dos lesados do BPP, é que estes continuem arrestados até que haja uma conclusão dos processos, nomeadamente no que diz respeito a indemnizações.
A responsabilidade do pagamento de dívidas e indemnizações recairá sobre os herdeiros legais, no caso a mulher Maria de Jesus Rendeiro e os sobrinhos de João Rendeiro, a menos que haja um testamento a excluí-los da herança, algo possível por não serem herdeiros de descendência (filhos) ou ascendência (pais) direta.
No entanto, é legalmente possível que os herdeiros renunciem à herança, se a assunção de ativos implicar a assunção de dívidas e responsabilidades, explicou Abel Marques.
Os bens a ser considerados como herança de João Rendeiro podem ser aqueles que já são conhecidos, incluindo os arrestados, mas também outros que ainda venham a ser conhecidos no decurso de investigações, explicou ainda.
Já hoje, em declarações à Lusa, o advogado Miguel Matias, especialista em Direito Penal, tinha explicado que os efeitos criminais dos processos que envolviam João Rendeiro, transitados ou não em julgado, extinguem-se com a morte, mas, do ponto de vista civil, herdeiros que recebam partes da herança serão responsáveis até ao limite do que receberem.
O advogado, que disse ter falado “inúmeras vezes” com João Rendeiro desde que este foi preso em dezembro em Durban, na África do Sul, referiu nunca ter tido qualquer indicação por parte do ex-banqueiro que lhe permitisse antecipar a “situação inesperada” da sua morte, nem qualquer informação sobre o fim da ligação profissional com a advogada June Marks, sua representante no processo de extradição que decorria na justiça sul-africana.
Disse ainda que prestou ajuda e aconselhamento a June Marks no processo de extradição, “fornecendo elementos que pudessem ajudar no processo de extradição”, mas de forma informal, por não ter possibilidade de intervenção na justiça sul-africana.
A trasladação do corpo, explicou, tem que ser desencadeada por iniciativa da família, mas tem o apoio das autoridades consulares portuguesas no país. O processo ainda não foi desencadeado, uma vez que neste momento entende ser fundamental respeitar o processo de luto, não havendo condições para reunir com a família.
A experiência de acompanhamento de outros processos de trasladação diz-lhe que pode demorar semanas, até porque as autoridades locais têm a prerrogativa de deter o corpo para investigações, se entenderem necessário.
O ex-banqueiro foi condenado em três processos distintos relacionados com o colapso do BPP, tendo o tribunal dado como provado que retirou do banco 13,61 milhões de euros. Das três condenações, apenas uma já transitou em julgado e não admite mais recursos, com João Rendeiro a ter de cumprir uma pena de prisão efetiva de cinco anos e oito meses.
João Rendeiro foi ainda condenado a 10 anos de prisão num segundo processo e a mais três anos e seis meses num terceiro processo, sendo que estas duas sentenças ainda não transitaram em julgado.
O colapso do BPP, em 2010, lesou milhares de clientes e causou perdas de centenas de milhões de euros ao Estado.
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