PRÓLOGO

«Há palavras que fazem viver», escreveu Paul Éluard. «Revolução» é certamente uma delas, sobretudo ao ter adquirido significado político, após muito tempo a referir-se unicamente ao movimento dos astros, a partir das revoluções inglesas no final do século xvii e com a tomada simbólica da Bastilha a 14 de julho de 1789. Porém, uma revolução não se resume a um golpe de Estado ou a uma insurreição, mesmo que de iniciativa popular. É preciso haver uma mudança radical e não uma simples reforma a partir do interior. E quebrar as cadeias passa, muitas vezes, pelo recurso à força, se não mesmo à violência. «Uma revolução é talvez isso: não se sabe para onde se vai, mas é-se impelido por sonhos mais poderosos do que nós», escreveu Eduardo Lourenço. Cada revolução tem a sua singularidade e o seu ritmo; tem raízes locais e inscreve-se numa história nacional, oscilando entre a obscuridade e a luz tutelares de 1789, de 1793, de 1848, de 1871 ou de 1917. Mais ou menos liberal, mais ou menos democrática e social, cada uma tem de ser única ou então exemplar.

João Pedro Vala junta-se ao É Desta Que Leio Isto no próximo encontro, marcado para dia 21 de março, uma quinta-feira, pelas 21h00. Consigo traz "Campo Pequeno", o seu último livro, editado pela Quetzal.

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A Revolução dos Cravos, o 25 de Abril de 1974, também se quis diferente de qualquer outra. Pelo nome, por esses cravos vermelhos que incarnam a primavera, a sua seiva e eflorescência. Pelo decurso do «dia inicial», essa quinta-feira, 25 de abril, na madrugada da qual a ditadura mais antiga da Europa Ocidental foi derrubada, praticamente sem derramamento de sangue. Por essa canção de protesto, Grândola, Vila Morena, sinal que desencadeou as operações à meia-noite e vinte ao ser difundida pelas ondas da Rádio Renascença, um nome propício. Por esse hino e esses cravos, símbolos que tanto fizeram sonhar as forças de esquerda em todo o mundo, alguns meses após o trágico fim de Salvador Allende no Chile em setembro de 1973. Essa Revolução dos Cravos foi também, por fim, diferente de qualquer outra pelo papel invulgar desempenhado pelos militares, esse «Movimento das Forças Armadas» constituído alguns meses antes por jovens capitães com a finalidade de «democratizar, descolonizar e desenvolver». Três D para projetar um Portugal de vulto para primeiro plano e para a modernidade. Já não esse Portugal que «não é um país pequeno», graças ao seu império colonial e a uma portugalidade de bilhete-postal, como repetiu insistentemente durante décadas a ditadura de Salazar. Antes, um Portugal portador de todas as esperanças, livre e democrático. Um Portugal reduzido ao seu retângulo europeu e aos seus arquipélagos dos Açores e da Madeira, mas aberto para o Atlântico e a Europa.

Acontecimento de singularidade extraordinária, O 25 de Abril separa nitidamente um antes de um depois. Pacífico, quase não foi imitado, não tendo servido de inspiração para outras transições democráticas «por rutura», em contraste com as transições «pactuadas», «negociadas», inspiradas no modelo espanhol. Não obstante, abriu caminho para uma «terceira vaga de democratização» — essa Terceira Vaga cuja origem o politólogo norte-americano Samuel Huntington fazia remontar precisamente à quinta-feira, 25 de abril de 1974 —, precedendo, nalguns meses, o fim da ditadura na Grécia e em Espanha e, num ou dois decénios, as transições democráticas na América do Sul e na Europa de Leste. Singularidade e complexidade, finalmente, de uma revolução que engloba não só «o dia inicial», esse 25 de abril «inteiro e limpo», mas também um processo desordenado que se conclui, dois anos depois, com a promulgação de uma Constituição democrática, a 2 de abril de 1976, e as eleições legislativas, a 25 de abril de 1976, exatamente um ano após as eleições para a Assembleia Constituinte. Dois anos completos volvidos sobre o derrube da ditadura por jovens capitães audaciosos e idealistas. Quando a história regista momentos de viragem, a sucessão simbólica desses três 25 de abril enfatiza a força para ancorar a democracia de forma duradoura. E recorda-nos, na esteira de Victor Hugo, que «nunca se deve deixar extinguir as efemérides memoráveis; quando a noite se procura reinstalar, é preciso avivar as datas grandiosas, como se inflamam os archotes».

Livro: "Breve História do 25 de Abril"

Autor: Yves Léonard

Editora: Edições 70

Data de Lançamento: 14 de março de 2024

Preço: € 15,90

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Como pode qualquer das gerações vivas não ser sensível a essa magia do 25 de Abril? A minha, que tinha 20 anos em 1981 e queria «mudar a vida», não conheceu o 25 de Abril senão à distância, nas recordações da pré-adolescência. Com a reminiscência marcante de algumas manchetes na imprensa, nomeadamente aquela primeira página da Time Magazine com o general Spínola e o seu monóculo. Lembrança de um tempo, em França, em que os estereótipos que se colavam aos Portugueses eram inumeráveis e pouco afáveis. Lembrança de uma primavera de 1974 dominada, em Paris, pelas eleições presidenciais na sequência do falecimento de Georges Pompidou. Não conheci verdadeiramente «o 25 de Abril» senão mediante encontros e leituras. E também pela recordação da atmosfera que reinava em Lisboa quando descobri Portugal, em julho de 1981. O Conselho da Revolução continuava a funcionar e ainda nos cruzávamos na rua com alguns militares mais bonacheirões. Aliás, era um general quem presidia aos destinos do país, o general Eanes. E Portugal já batia à porta da Europa, mas não iria juntar-se-lhe, ao mesmo tempo que a Espanha, senão em 1986, antecipando-se-lhe a Grécia. Esses testemunhos e leituras alimentam as páginas que se seguem, pontuadas por algumas reminiscências pessoais. Uma muito em particular: a de Otelo Saraiva de Carvalho (1936–2021), uma das figuras emblemáticas do 25 de Abril, com quem me encontrei num estúdio na Maison de la Radio, em abril de 1994, para uma emissão da France Inter na qual participámos a propósito do vigésimo aniversário da Revolução dos Cravos. Terminada a emissão com a passagem da canção Grândola, Vila Morena, «Otelo» virou-se para mim muito emocionado, com uma lágrima no canto do olho, e declarou, com o microfone desligado: «Foi bela, a nossa revolução!»

A beleza do 25 de Abril impregna os testemunhos dos principais atores. Em contrapartida, as opiniões divergem quanto ao processo que se seguiu, para fazer um balanço moderado em que afloram as esperanças desiludidas, a ponto de por vezes fazer dele «uma revolução imperfeita», quando não mesmo «uma revolução falhada». Nos últimos anos, multiplicaram-se as análises históricas para tentar mostrar o que foi e o que não foi o processo revolucionário, para expor os mitos que o envolveram durante muito tempo e para revelar a parte de sonhos utópicos que lhe é consubstancial. Para compreender — por trás dessa posteridade paradisíaca que confere uma aura de romantismo ao 25 de Abril — a complexidade do processo revolucionário, meio século volvido, quando a duração da democracia ultrapassou a da ditadura em março de 2022. Explicar o como e o porquê de ter sido assim, não deixando de interrogar o sentido do que aconteceu. Com essa «humildade inquisidora» de que falava René Char, para compreender sem julgar.