A votação do acordo para o Brexit apresentado por Theresa May, decorrida ao fim de cinco dias de debates na Câmara dos Comuns, teve um desenlace que se antevia, mas não com o estrondo que efetivamente provocou: com apenas 202 votos a favor e 432 votos contra - dos quais 118 foram do próprio Partido Conservador, foi a maior derrota que um governo britânico já sofreu na história moderna do Reino Unido.

Com mais um capítulo escrito na história do Brexit — a saída do Reino Unido da União Europeia decidida no referendo de 23 de junho de 2016 —, seguem-se outras tantas páginas em branco, cujo desfecho é, nesta fase, imprevisível. Eis alguns dos cenários que podem vir a tornar-se realidade:

Apresentar o mesmo acordo, outra vez

Diz-se que a definição de insanidade é fazer a mesma coisa repetidamente e esperar resultados diferentes. Depois da estrondosa derrota que sofreu, é altamente improvável que Theresa May volte a apresentar o mesmo acordo na Câmara dos Comuns. Todavia, o facto do tempo estar a esgotar-se — a data de saída é 29 de março — e da União Europeia preferir este acordo podem ser argumentos para a primeira-ministra forçar uma nova avaliação.

Eleições legislativas antecipadas

Um dos cenários mais próximos prende-se mesmo com o que vai acontecer amanhã. Tal como o tinha prometido se o acordo fosse rejeitado, Jeremy Corbyn avançou com uma moção de censura ao governo. A ideia é fazer o governo de May cair e precipitar a convocação de eleições legislativas.

Para que a iniciativa vingue, a moção necessita que uma parte dos deputados rebeldes do Partido Conservador a apoie. No entanto, apesar de esta ser (politicamente) a melhor altura possível para atacar Theresa May, dada a posição frágil em que se encontra, o mais provável é que os "Tories" se unam em torno da sua líder. Até mesmo membros em colisão com May e que votaram contra o acordo, como Jacob Rees-Mogg, prometeram que iam defender a primeira-ministra.

Em todo o caso, se o governo de Theresa May cair, isto não implica a realização de eleições - está estabelecido um período de 14 dias para Partido Conservador formar um novo governo. Se tal não for possível, haverá eleições e, caso os trabalhistas ganhem, o partido pode decidir permanecer no bloco europeu, mas o mais certo é tentar negociar um novo acordo com Bruxelas, já que Corbyn prefere respeitar o plebiscito de 2016. Contudo, organizar eleições implica adiar a data do Brexit, visto que o artigo 50 determinou a saída do Reino Unido para 29 de março.

Ontem, cerca de cem eurodeputados mostraram-se disponíveis para apoiar uma eventual suspensão, por parte do Reino Unido, do pedido de ativação do artigo 50 para possibilitar um adiamento da saída. Citando fontes anónimas da União Europeia em Bruxelas, o The Guardian escrevia que os 27 estariam preparados para oferecer uma extensão “técnica” até julho, data da tomada de posse dos deputados eleitos em maio para o Parlamento Europeu. Portugal, por sua vez, já anunciou que apoiaria um pedido do Reino Unido para prolongar o período de negociações do 'Brexit', assim como uma eventual decisão de reverter a saída da União Europeia.

Renegociação do acordo

Entre as opções, o país pode também tentar renegociar com a União Europeia. Contudo, esta alternativa está contingente em dois aspetos.

O primeiro é que, como no cenário anterior, seria preciso pedir à UE para estender o prazo - o que apenas pode acontecer se todos os 27 estados-membros votarem em consonância. Se tal acontecer, os próprios deputados ingleses têm de acordar entre si uma data nova e propô-la.

Se esse primeiro entrave for ultrapassado, chega-se ao segundo, já que é necessário que a própria UE queira renegociar, sendo que os seus lideres têm vindo a reafirmar que o acordo atual não pode ser modificado. Contudo, dado o atual bloqueio no seio do Parlamento britânico, algumas figuras da UE têm vindo a mostrar flexibilidade para renegociar, particularmente quanto "backstop" irlandês, para evitar uma saída sem acordo.

(O principal ponto de discórdia no acordo agora chumbado é a solução de salvaguarda para a província britânica da Irlanda do Norte, conhecida por ‘backstop’, que é contestada tanto por adeptos como por opositores ao ‘Brexit’ devido ao risco de deixar o pais "indefinidamente" numa união aduaneira sem poder sair unilateralmente)

Outras das opções é tentar seguir um modelo similar ao atual da Noruega - temporária ou permanentemente -, com acesso ao mercado único, mas sem ser membro da união aduaneira. Só que se May fizer esta escolha provavelmente irá esbarrar contra os "hard brexiters" da sua bancada e contra todos os que votaram para sair por questões relacionadas com a imigração, pois ser uma "Noruega 2" implica manter relações de proximidade com a União Europeia e não acaba com a liberdade de circulação de pessoas.

Saída sem acordo

Como tem sido repetidamente assinalado pela União Europeia, o prazo para a saída do Reino Unido é 29 de março, sendo que o 'divórcio' não depende da existência de um acordo. Se for o caso, cessam as políticas do mercado único, significando que a circulação de bens, serviços e pessoas passa a ser afetada.

Este é o cenário temido pelos meios económicos britânicos. O Banco da Inglaterra advertiu que tal consequência mergulharia o país numa grave crise económica, com uma subida do desemprego e da inflação, queda da libra e do preço da habitação, assim como quase 10% de redução do Produto Interno Bruto (PIB). Para além disso, pode também haver escassez de medicamentos, engarrafamentos nos portos e impedimento das companhias aéreas britânicas de voarem.

Este cenário é rejeitado pela maioria dos deputados britânicos, incluindo Theresa May, mas é uma realidade a ser tomada em conta. Para além disso, são vários os meios de comunicação britânicos a reportarem que a primeira-ministra poderá preferir esta opção à manutenção do Reino Unido na União Europeia, se bem que essa medida seria politicamente fatal para si.

Anulação do Brexit e novo referendo

Uma das soluções que pode ser apresentada enquanto emenda ao Plano B do governo é a organização de um segundo referendo, que os deputados pró-europeus querem que inclua a possibilidade de permanecer na União Europeia. Esta é uma possibilidade rejeitada tanto por May (e, pelo menos, os 202 deputados que votaram no seu acordo), como por Corbyn, mas que tem ganho cada vez mas apoiantes dos variados quadrantes políticos.

Tal opção não poderia ser imediata: seria preciso passar legislação nova e obter aprovação da Comissão Eleitoral britânica. No entanto, a justiça europeia já fez Londres saber que, se desejar, pode parar o Brexit de forma unilateral até antes da sua saída se tornar efetiva, sendo que a organização de uma segunda consulta popular levaria tanto tempo que seria necessário negociar também um adiamento da data do Brexit.

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