“A nossa estratégia vai passar, seguramente, por uma humanização dos serviços e uma maior articulação entre os serviços”, afirma a vereadora dos Direitos Humanos e Sociais, Laurinda Alves (independente eleita pela coligação PSD/CDS-PP/MPT/PPM/Aliança), em declarações à agência Lusa.

Passados três meses desde que assumiu o pelouro dos Direitos Humanos e Sociais, Laurinda Alves manifesta gratidão e admiração pelo “muito trabalho” de quem lhe antecedeu no cargo e por todos os que têm permitido respostas de apoio às pessoas em situação de sem-abrigo, inclusive durante a pandemia de covid-19, referindo que “é muito impressionante” os recursos que se põem ao serviço desta “missão de resgate humanitário”.

Considerando que há a perceção comum de “que se faz pouco pelas pessoas em situação de sem-abrigo ou que há demasiadas pessoas na rua e ninguém faz nada”, a vereadora sublinha que isso “não é verdade” e assegura “que se faz muito, mas que é uma realidade muito complexa, em que cada pessoa tem de ser olhada de forma casuística, cada caso é um caso, e em que cada pessoa não tem um problema, tem uma multiplicidade de problemas, e é por isso que a realidade é tão devastadora e parece que se faz menos do que se faz”.

Com 3.780 pessoas identificadas como em situação de sem-abrigo em Lisboa, das quais cerca de 500 vivem na rua, a estratégia do atual executivo no mandato 2021-2025, sob a presidência do social-democrata Carlos Moedas, vai começar pelo desafio de “fazer um atlas”, para mapear a nova realidade que surgiu com crise pandémica e “definir um programa de intervenção que está focado no acolhimento, no cuidado, mas também na prevenção”.

O programa de intervenção deve ser articulado entre todos os serviços de resposta, para que atuem de forma “estruturada e concertada”, refere a autarca, indicando que a câmara assegura financeiramente 800 respostas, mas a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa é a “grande responsável” pelo apoio neste âmbito, inclusive financia “muito mais”.

“Temos de nos articular ainda mais e melhor, trabalhar de forma concertada, isto para que a partir de agora cada pessoa que chegue à rua, ainda nesta circunstância da pandemia, […] tenha uma resposta mais rápida, mais eficaz, até para não perder competências que se perdem ao fim de poucos dias na rua”, realça a vereadora, destacando a existência do gestor de caso, que “é uma espécie de médico de família das pessoas em situação de sem-abrigo”.

No seu entender, é preciso “multiplicar a eficiência deste gestor de caso”, que é financiado pela Câmara de Lisboa e disponibilizado pelas associações que trabalham nesta área, para “acelerar também este processo complexo e muito dramático e com muitos avanços e recuos: cada pessoa em situação de sem-abrigo implica um trabalho, com muita frustração, com muita paciência, com muita endurance, que exige muita compaixão, muita empatia, porque são pessoas que às vezes podem ter respostas agressivas”.

No âmbito da resposta, a Câmara de Lisboa tem 340 apartamentos “Housing First” (projeto em que a atribuição de casa está na base do processo de reintegração) e “estão quase todos ocupados” – só não estão totalmente porque há a dinâmica de transição, mas é “um número residual”, em que se incluem “os casos felizes das pessoas que conseguiram passar para a fase de autonomia e que começaram a trabalhar, e que começaram mesmo a sair”.

“De uma forma realística, estamos a tentar ter 400 apartamentos em regime de ‘Housing First’, mas repare: cada utente de ‘Housing First’ custa à câmara 19 euros por dia, 19 euros por dia faz com que por ano para estes apartamentos nós gastemos 2,357 milhões de euros e isto quer dizer o quê? Quer dizer muito dinheiro, muitos recursos e muita vontade política, humana e humanitária de trabalhar com estas pessoas, no sentido de as tirar da rua, de as ajudar a começar a ser cada vez menos dependentes, cada vez mais autónomas e chegar a uma fase 2 do ‘Housing First’, que ainda não estamos lá, ainda estamos na fase 1”, explica a autarca.

Sem avançar com uma promessa nesse âmbito, a vereadora compromete-se com “uma vontade enorme” de chegar a esta fase 2, em que as pessoas começam a ter autonomia, a trabalhar e a assumir parte dos custos associados à habitação – por exemplo, três ou cinco euros em vez dos 19 euros por dia – para que, depois, consigam chegar à fase de pagar o próprio apartamento.

Questionada sobre o encerramento de dois dos quatro centros de acolhimento de emergência de pessoas em situação de sem-abrigo que abriram durante a pandemia em Lisboa, nomeadamente a Pousada da Juventude do Parque das Nações e a Casa dos Direitos Sociais, em Marvila, Laurinda Alves refere que a resposta desses espaços “foi espetacular e funcionou bem”, mas como foram improvisados para um tempo já estavam sem condições: “Já havia pragas e infestações que por mais desinfestações que se fizessem não funcionavam, e já havia pessoas até com escaras provocadas pelos percevejos.”

“Felizmente podemos dar melhores respostas a essas pessoas”, sublinha, ressalvando que “os espaços improvisados já não tinham condições, mas as equipas que lá trabalharam com estas pessoas foram absolutamente excecionais, porque correndo os mesmos riscos e sofrendo muito por estas pessoas estavam lá, não desertaram, não se foram embora”.

Neste momento, Lisboa tem a funcionar como centros de acolhimento de emergência o quartel de Santa Bárbara, em Arroios, que tem uma capacidade total de 128 pessoas e tem 109 vagas preenchidas, e a Casa do Lago, da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, que também já pediu a devolução do espaço para obras de recuperação. Foi assegurada a cedência ainda nos próximos três meses, enquanto durar a pandemia, com uma capacidade total para 18 mulheres, e estão lá 14.

Além dos centros de alojamento temporário criados no âmbito da pandemia de covid-19, a Câmara de Lisboa tem outras respostas para as pessoas em situação de sem-abrigo – no abrigo da Graça há 17 pessoas, no centro de alojamento de Xabregas estão 68 pessoas, no centro de alojamento do Beato estão 239 pessoas, na residência solidária de Lisboa estão 17 pessoas, na Unidade Integrativa estão 41 pessoas e nos apartamentos de transição há seis pessoas. No regime “Housing First” os utentes estão divididos por pessoas com dependências (64), com problemas de saúde mental (101) e com outras problemáticas (160), e nos albergues noturnos de Lisboa estão 15 pessoas, segundo dados revelados pela vereadora.