Desde 2015, ano de eleições legislativas, que o PS assumiu o compromisso de "corrigir os erros de extinção das freguesias a régua e esquadro", concretizada durante a ação governativa de PSD/CDS-PP, e de "avaliar a reorganização territorial". Deste modo, entrou esta segunda-feira na Assembleia da República a Proposta de Lei n.º 68/XIV/2.ª, que visa corrigir "pontuais incorreções da reforma territorial de 2013", conhecida pelo movimento de agregação de freguesias que desencadeou.
Recorde-se que, em 2013, a reforma aprovada levou à redução das 4.259 freguesias então existentes para 3.092.
Há muito que a Associação Nacional de Freguesias (ANAFRE) esperava que o Governo apresentasse ao parlamento uma Proposta de Lei que permitisse refazer a fusão de freguesias operada em 2013. Sendo 2021 um ano de eleições autárquicas, o objetivo era o de que a proposta passasse a tempo de novas freguesias eventualmente criadas poderem entrar nas contas das ditas eleições, que deverão realizar-se no final de setembro ou início de outubro do próximo ano.
De acordo com o presidente da ANAFRE, Jorge Veloso, segundo o cálculo do Governo, com a proposta apresentada poderão pedir a reversão 600 freguesias, um número muito acima das previsões da ANAFRE. “Entendemos que há cerca de 30% a 40% [destas 600] que não vão querer reverter, o que quer dizer que o número passará para 380 a 400”, disse à agência Lusa.
Para Jorge Veloso, este número de reversões não é considerado significativo e poderá possibilitar que o novo mapa aconteça a tempo das autárquicas. Tendo em conta a nova proposta do Governo, para que tal aconteça, o processo de criação de novas freguesias terá de ficar resolvido até meados de março/abril de 2021.
A ANAFRE esperava que a proposta tivesse sido entregue no início de outubro, o que não aconteceu. “É uma situação que nos causa algum embaraço, porque nós entregámos os nossos contributos, e os municípios também, no dia 05 de junho”, afirmou Jorge Veloso.
Apesar de a Proposta de Lei ter sido entregue esta semana, recorde-se que a 11 de novembro, em sede de Assembleia da República, a ministra da Modernização do Estado e da Administração Pública, Alexandra Leitão, não se comprometeu com a apresentação, pelo Governo, de uma Proposta de Lei-Quadro a tempo das próximas eleições autárquicas.
O diploma do Governo, agora entregue para discussão parlamentar, prevê o estabelecimento de um “regime geral e abstrato” de criação, extinção e modificação de freguesias e vem colmatar “um vazio legal” com oito anos, segundo o Ministério da Modernização do Estado e da Administração Pública.
“O que o Governo fez, em cumprimento do seu programa, foi colmatar um vazio legal existente desde 2012, através da apresentação à Assembleia da República de uma Proposta de Lei de definição de critérios gerais e abstratos para a criação, extinção e modificação de freguesias, cuja aprovação é reserva exclusiva da Assembleia da República”, pode ler-se numa resposta enviada à agência Lusa a propósito da entrada do diploma no parlamento, nesta segunda-feira.
De acordo com o gabinete da ministra Alexandra Leitão, que tutela o poder local, esta lei “não cria nem extingue freguesias em concreto”, está é aberta a porta para que tal venha a acontecer.
A Câmara Municipal de Valongo, no distrito do Porto, aprovou já hoje, 30 de dezembro, por unanimidade uma moção pela desagregação das freguesias de Campo e de Sobrado, proposta pelo presidente do município, José Manuel Ribeiro (PS). “Esta união artificial das Freguesias de Campo e de Sobrado nunca foi, não é, e nunca será desejada pela comunidade. Foi um erro. Agora temos uma oportunidade para o corrigir que não podemos desperdiçar”, sublinhou o autarca, na reunião privada da Câmara Municipal de Valongo, citado no comunicado.
O que diz a Proposta de Lei entregue pelo Governo?
O objetivo da proposta do Governo com a Proposta de Lei n.º 68/XIV/2.ª é o de redefinir o “regime jurídico de criação, modificação e extinção de freguesias”.
Num “trabalho desenvolvido pelo Governo, em parceria com a Associação Nacional dos Municípios Portugueses e a Associação Nacional de Freguesias”, esta Proposta de Lei pretende aprovar um “regime geral e abstrato da criação de freguesias, que não visa aumentar ou diminuir o número de freguesias, mas antes atualizar os critérios para a sua criação e definir o respetivo procedimento, alcançando-se também a retificação expedita de pontuais incorreções da reforma territorial de 2013”.
Assim, a alteração proposta pelo Governo à Assembleia da República não tem como objetivo imediato a criação de novas freguesias, mas apenas modificar as regras que o permitem fazer, passando a ser possível, em teoria, alterar agregações de freguesias que ocorreram em 2013.
Como poderão passar a ser criadas freguesias?
Segundo o modelo agora proposto, há duas maneiras de serem criadas freguesias:
- "Pela agregação da totalidade ou de parte de duas ou mais freguesias", que "podem pertencer a municípios distintos"
- "Pela desagregação de uma freguesia em duas ou mais novas freguesias"
Já os critérios de apreciação para a formação de novas freguesias, que teriam de ser observados cumulativamente, seriam os seguintes:
- Prestação de serviços à população
- Eficácia e eficiência da gestão pública
- População e território
- História e identidade cultural
- Vontade política da população, manifestada pelos respetivos órgãos representativos
1) Prestação de serviços à população
Tal critério deverá ter em conta a verificação de alguns requisitos.
De verificação obrigatória:
- "A garantia de vir a ter o mínimo de um trabalhador com vínculo de emprego público a transitar do mapa do pessoal da junta ou juntas de freguesia de origem, ou da respetiva câmara municipal"
- "A existência de edifício adequado à instalação da sede da freguesia"
Necessária verificação de, pelo menos, cinco destes sete requisitos:
- "Pelo menos uma extensão de saúde"
- "Um equipamento desportivo"
- "Um equipamento cultural"
- "Um parque ou jardim público com equipamento lúdico ou de lazer infantojuvenil"
- "Um equipamento que permita aos produtores locais vender os seus produtos"
- "Um serviço associativo de proteção social dos cidadãos seniores"
- "Uma coletividade que desenvolva atividades recreativas, culturais, desportivas ou sociais"
2) Eficácia e eficiência da gestão pública
É também essencial que se comprove a disponibilidade económico-financeira das novas freguesias.
- “Verificação da viabilidade económico-financeira das freguesias, a demonstrar em relatório financeiro resultante da aplicação prospetiva da Lei n.º 73/2013, de 3 de setembro, na sua redação atual"
- "A freguesia a criar deve ter uma participação mínima no Fundo de Financiamento de Freguesias correspondente a 30% do valor daquele fundo atribuído à freguesia ou freguesias que lhe dão origem”
3) População
Há números mínimos de eleitores previstos para se poder criar uma nova freguesia.
- "O número de eleitores não pode ser inferior a 900 eleitores por freguesia"
- "Nos territórios do interior, identificados no anexo à Portaria n.º 208/2017, de 13 de julho, o número de eleitores não pode ser inferior a 300 eleitores por freguesia"
4) Território
Cumulativamente, devem ser observados dois critérios:
- "A área da freguesia não pode ser inferior a 2% nem superior a 20% da área do respetivo município"
- "O território das freguesias é obrigatoriamente contínuo"
5) História e identidade cultural
De acordo com este preceito, deve ser ponderada a "origem histórica da freguesia a criar, como realidade administrativa, a respetiva permanência no tempo e, ainda, as características culturais que patenteiem a sua individualidade específica e característica no âmbito do município e face às demais freguesias”.
6) Vontade política da população
Cumpridas todas as outras cláusulas, urgirá comprovar a "vontade política da população", num processo que envolve várias entidades.
Deste modo, esta "vontade política da população" será aferida através dos "órgãos representativos da população, democraticamente eleitos", que devem manifestar a sua intenção de criação de nova freguesia - preenchendo o disposto na lei que agora explicamos.
Em resumo, o processo passa pelos órgãos deliberativos e executivos das freguesias em causa e pelas assembleias municipais implicadas no processo. No caso de recolher todas as aprovações necessárias, "a proposta de criação de freguesias é remetida à Assembleia da República, a fim de aí ser apreciada".
Proibição de criação de freguesias no caso de eleições em seis meses
Com esta Proposta de Lei, "não é permitida a criação de freguesias durante o período de seis meses imediatamente antecedente à data marcada para a realização de quaisquer eleições a nível nacional”.
No entanto, "no caso de realização de quaisquer eleições intercalares", tal proibição "abrange apenas a criação de freguesias que se encontrem envolvidas naquele ato eleitoral".
Período mínimo de existência das novas freguesias
"Após a criação de uma freguesia nos termos da presente lei, a mesma tem de se manter ao longo dos três mandatos autárquicos seguintes”, pode ler-se na Proposta de Lei.
Leis anteriores revogadas?
Caso a Proposta de Lei passe em Assembleia da República, é revogada, na íntegra, a Lei n.º 11-A/2013, de 11 de janeiro, e desaparecem também os "artigos 4.º a 10.º da Lei n.º 22/2012, de 30 de maio, e as demais disposições normativas que se revelem incompatíveis com a presente lei".
A Lei n.º 11-A/2013, de 11 de janeiro, concretizou as medidas de reorganização administrativa do território em 2013. O objetivo foi o de criar freguesias "por agregação ou por alteração dos limites territoriais", como é possível analisar no quadro, em anexo à lei, que refere as freguesias criadas.
Já a Lei n.º 22/2012, de 30 de maio, está também em vigor e "aprova o regime jurídico da reorganização administrativa territorial autárquica”, definindo alguns princípios e objetivos, à época, da dita atividade reorganizadora.
Com a revogação em vista, tais princípios agregadores de freguesias abandonarão o mapa jurídico português.
Maioria necessária na Assembleia da República?
Estamos perante matéria de reserva absoluta da Assembleia da República, sendo, assim, necessária a sua aprovação.
Para esta Proposta de Lei ser aprovada é necessário que a maioria dos deputados esteja presente, ou seja, que 116 deputados se encontrem disponíveis para deliberar.
A maioria de votos necessária é uma maioria simples, o que quer dizer que, sem contar com abstenções, caso a Proposta de Lei do Governo tenha mais votos a favor do que contra, a mesma passa.
Texto de João Maldonado editado por Inês F. Alves
*Com Agência Lusa
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